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Conflitos de interesses colocam fiscalização do BC em xeque

Quadro pessoal minguou enquanto uma série de chefes de departamento migrava para o outro lado do balcão

25 jun 2015 - 18h56
Sede do Banco Central em Brasília 15/1/2014
Sede do Banco Central em Brasília 15/1/2014
Foto: Ueslei Marcelino / Reuters

O Banco Central vem enfrentando desafios na área de fiscalização em meio à saída de servidores experientes, com situações de conflito de interesse ameaçando comprometer o trabalho dos que seguem na instituição, relataram fontes ouvidas pela Reuters.

Em 16 de abril, Irany de Oliveira Sant'Anna Júnior, funcionário de carreira do BC há mais de duas décadas, tomou posse como vice-presidente e diretor de Controle e Risco do Banco do Estado do Rio Grande do Sul, o Banrisul, assumindo posteriormente a presidência da Banrisul Consórcio.

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Quatro dias antes, ele respondia pela chefia-adjunta do departamento de Supervisão Bancária do BC, área onde teve por anos a missão de escrutinar justamente as operações do Banrisul, além de outros bancos da região Sul do país.

A partida do funcionário se deu enquanto a equipe de supervisão do BC monitora a possível ocorrência de empréstimos vedados pelo Banrisul ao governo do Rio Grande do Sul, controlador da instituição, enxergando aumento no risco ao banco por deterioração das finanças do Estado.

Sant'Anna Júnior, que também tornou-se membro do Conselho de Administração do banco gaúcho, segue nos quadros da autoridade monetária, cedido ao governo do RS.

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Com isso, ele goza de uma espécie de licença que permite que continue recebendo pelo BC. O Banrisul reembolsa a autoridade monetária por esse gasto e também paga um adicional ao executivo, completando remuneração mensal de cerca de R$ 30,5 mil.

Questionado sobre o suposto conflito, o BC afirmou por meio de sua assessoria de imprensa que ainda que o Banrisul seja submetido à sua fiscalização e supervisão, a instituição é controlada pelo Rio Grande do Sul, "entidade integrante da administração pública, não havendo conflito de interesses no caso, já que não há interesse privado envolvido". 

Listado em bolsa, o Banrisul tem cerca de 43% de seu capital total em circulação no mercado. Entre os sócios privados estão as gestoras de recursos Skagen, The Boston Company Asset Management e BlackRock, a primeira com 15,4% e as demais com cerca de 5% cada uma do total de ações preferenciais do banco gaúcho.

Procurado, o banco gaúcho também informou não enxergar problema, visto que a "supervisão do BC tem caráter preventivo e é focada na adequada gestão de riscos, controles e governança", princípios "similares aos que devem nortear a atuação de um administrador de instituição financeira".

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Para uma fonte do BC que falou sob condição de anonimato, contudo, o movimento turva a "necessária separação entre fiscalizadores e fiscalizados".

"Eles carregam consigo não só informações privilegiadas, que realmente perdem relevância depois de alguns meses, mas também todo o 'modus operandi' da fiscalização do BC, que não perde relevância mesmo depois de anos, pois envolve procedimentos, parâmetros, algoritmos antifraude etc", disse.

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Pessoal reduzido

Com o forte movimento de aposentadorias no BC nos últimos anos, o quadro pessoal minguou enquanto uma série de chefes de departamento migrava para o outro lado do balcão, assumindo postos de destaque em instituições financeiras.

"Tem o problema do 'depois', levar conhecimentos adquiridos no BC, e do 'antes': a negociação para onde ir ocorre muitos meses ou mais de um ano antes da aposentadoria, comprometendo a isenção das atividades de fiscalização e de produção de normas", disse a fonte.

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Uma segunda fonte do BC, que também pediu para não ser identificada, também apontou a intensificação desse movimento nos últimos anos, agravada pela falta de reposição de servidores novos.

Hoje, a lei 12.813 estabelece quarentena de seis meses para todos os funcionários com acesso à informação privilegiada partirem para a iniciativa privada. Antes de 2013, contudo, a quarentena era de quatro meses e, no BC, valia apenas para cargos do mais alto escalão, como de presidentes e diretores.

Diante da brecha legal, alguns ex-servidores passaram a trabalhar em bancos que antes supervisionavam direta ou indiretamente pouco tempo após sua saída do BC. É o caso do ex-diretor de Fiscalização Paulo Cavalheiro, que passou a dirigir a auditoria do Banco Safra em menos de seis meses, em 2008.

Também figuram na lista nomes como os dos ex-chefes do departamento de Supervisão de Bancos e Conglomerados Bancários Osvaldo Watanabe, nomeado em 2010 para o comitê de auditoria do Bradesco em menos de um mês, e Carlos Donizeti Macedo Maia, que assumiu em 2013 a superintendência-executiva de Políticas Públicas do Santander Brasil cerca de cinco meses após deixar o BC.

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Já o ex-chefe adjunto de Supervisão René Luiz Grande foi aprovado para o comitê de auditoria do Santander Brasil no mesmo mês que teve sua aposentadoria publicada pelo BC, em 2011.

Procurado, Cavalheiro, do Safra, não se pronunciou, bem como Maia e Grande, que foram para o Santander. Watanabe, do Bradesco, classificou sua relação com ex-subordinados como sendo de cordialidade e respeito.

Quarentena em xeque

O caso mais recente que ilustra a maleabilidade da quarentena no BC é o do ex-diretor de Política Econômica Carlos Hamilton. A empresa de celulose Eldorado --do grupo J&F, o mesmo da empresa de alimentos JBS--, divulgou que ele assumiria a direção de Planejamento e Estratégia da companhia em 1º de junho, cerca de três meses e meio após deixar a diretoria do BC.

Apesar de ter pedido exoneração do posto de diretor em 18 de fevereiro, Hamilton seguiu trabalhando nos meses seguintes como analista do BC na área de Administração, recebendo pela função.

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Procurado, o BC comentou que essa possibilidade é amparada pelo Decreto nº 4.187, que afirma que um servidor pode voltar a desempenhar funções de seu cargo efetivo nos casos em que não houver conflito de interesse. Em 10 de junho --quando já estava na Eldorado-- Hamilton se encontrava em gozo de licença no BC para tratar de interesses particulares.

O BC informou ainda que o ex-diretor consultou a Comissão de Ética Pública da Presidência da República sobre a liberação da quarentena para atuar como assessor econômico da Eldorado.

A comissão opinou favoravelmente, segundo documento visto pela Reuters, também liberando-o caso aceitasse sondagem feita para atuar na área de seguros ou de cartões de crédito do Banco do Brasil.

A Eldorado se limitou a confirmar que o ex-diretor do BC começou a trabalhar na empresa no começo de junho como diretor de Planejamento e Estratégia. Hamilton não retornou pedidos de comentários feitos pela Reuters.

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