No mês da campanha Dezembro Vermelho, dedicada à conscientização e à luta contra o HIV/aids no Brasil, um paradoxo chama a atenção: mesmo com a queda nas mortes relacionadas ao vírus, a transmissão voltou a crescer. É o que indicam dados federais divulgados no ano passado, que registraram um aumento de 4,5% no número de diagnósticos.
O cenário acendeu um alerta sobre a falsa sensação de imunidade que parte da população ainda carrega e reforçou a urgência de discutir ferramentas modernas de prevenção, como a Profilaxia Pré-Exposição (PrEP). Altamente eficaz e disponível no SUS sob indicação médica, o método ainda enfrenta dúvidas e estigmas que impedem que mais pessoas tenham acesso a uma proteção capaz de reduzir em mais de 90% o risco de infecção. É o que aponta o infectologista Tomás Russo, da Hapvida Bauru: "A PrEP não é restrita, como se pensava no início. Hoje, qualquer pessoa com vida sexual ativa, que tenha tido uma relação desprotegida nos últimos 6 meses pode considerar o uso. Especialmente se houve mais de uma relação e com diferentes parceiros, ou caso tenha tratado alguma outra IST recentemente", explica o especialista.
Escudo contra o vírus
A PrEP funciona como uma espécie de "anteparo" ao vírus, criando uma barreira química antes mesmo da exposição. "O medicamento bloqueia a replicação viral caso o HIV entre no organismo. É como construir uma proteção invisível antes de a ameaça existir", detalha Russo.
O especialista também explica ainda que, com o avanço das pesquisas e das diretrizes internacionais, a indicação da PrEP mudou ao longo dos anos. Se antes era vista como um recurso direcionado a grupos específicos, hoje a recomendação é baseada em comportamentos, escolhas e vulnerabilidades individuais e não em rótulos; o que vai diferenciar é a modalidade mais adequada: a PrEP diária e a PrEP sob demanda. "Qualquer adulto com vida sexual ativa pode ser avaliado para usar a PrEP. A indicação é personalizada", reforça o infectologista, destacando que o método só não é indicado em casos específicos, como em pessoas com doenças renais graves.
Antes de iniciar o uso, então, é necessário passar por uma avaliação com profissional de saúde que esteja apto a prescrever o medicamento. Um acompanhamento periódico também é realizado durante o tratamento.
Mitos que afastam
Russo lista alguns dos equívocos mais comuns, como a ideia de que a PrEP é "para quem se expõe demais": "Está errado. A PrEP protege e não define comportamento. É prevenção, não julgamento".
Outro mito recorrente é o de que tomar PrEP dispensa o uso de camisinha. "Ela previne HIV, mas não outras infecções sexualmente transmissíveis. A PrEP complementa a proteção, não substitui o preservativo", afirma o médico.
Ainda há quem acredite que tomar remédio todos os dias faz mal. Mas a PrEP é segura, tem efeitos colaterais raros e acompanhamento regular. De acordo com o profissional, o risco é muito menor do que o de contrair HIV. Inclusive, uma das modalidades do medicamento é de uso diário.
Sobre possíveis julgamentos sociais em relação ao uso do medicamento, Russo é categórico: "Esse estigma pode até existir, mas diminuiu muito. Usar PrEP hoje é um cuidado de saúde, como vacinar ou usar cinto de segurança".
Precisamos falar sobre PrEP!
O aumento nos diagnósticos ajuda a ilustrar uma tendência preocupante: a de que a prevenção não pode sair do centro do debate, especialmente entre populações jovens. "Existe uma percepção equivocada de que o HIV deixou de ser um problema. Isso é perigoso. Temos ferramentas eficazes e modernas, mas elas só funcionam se forem usadas", afirma o infectologista.
Para ele, quebrar tabus e ampliar o acesso à informação são passos essenciais para reduzir novas infecções: "Quanto mais natural for falar sobre prevenção, mais pessoas se sentirão seguras para buscar orientação e proteção".
O Ministério da Saúde mantém em seu site o serviço "Onde encontrar a PrEP", com endereços de locais de atendimento e distribuição do medicamento em todo o Brasil. Mas vale reforçar que, embora seja acessível pelo SUS, a PrEP não é um medicamento de livre retirada, é preciso realizar consulta com profissional de saúde para indicação ao uso!