Na semana passada, 21 Savage foi ao X pedir reconciliação entre Young Thug e Gunna, dois titãs do rap de Atlanta que se afastaram após a crença de que o acordo judicial firmado por Gunna no julgamento da YSL teria configurado delação. Em uma série de posts, 21 — cujo novo álbum tem o título apropriado What Happened to the Streets? — implorou para que o mundo do rap, de forma mais ampla, deixasse de lado os chamados códigos das ruas que estão na raiz da suposta tensão entre Thug e Gunna. "F*da-se as ruas", escreveu 21. "A gente não ganhou nada com isso além de trauma".
Alguns dias depois, aparentemente disposto a uma distensão, Young Thug tuitou: "F*da-se as ruas @21savage." Os tweets de 21 acabaram desencadeando algo próximo a um movimento no rap da internet, com comentaristas e fãs opinando sobre a suposta hipocrisia de rappers que ascenderam à fama, em parte, graças a letras que glorificavam a violência das ruas. Tekashi 6ix9ine, que foi amplamente ridicularizado nos círculos do hip hop após cooperar com promotores federais após sua prisão em 2018, ironizou a retórica recente de 21. No Instagram, publicou um Story com a legenda: "Agora é f*da-se as ruas, mas lembra quando era 'yo 69, a gente não liga pros seus discos de platina, NÓS SOMOS PLATINA NAS RUAS'." Apesar de sua postura troll, muitos na internet pareceram concordar com a avaliação de 6ix9ine.
A tensão entre ética das ruas e viabilidade comercial aparece repetidamente ao longo da história do hip hop. Jay-Z lidou com isso de forma explícita no fim dos anos 1990 e início dos 2000, migrando de raps mais duros sobre a vida nas ruas em álbuns como Reasonable Doubt para a automitologia mais corporativa (leia-se: capitalista) que vemos hoje. Debates em torno de artistas como Rick Ross, cujo passado como agente penitenciário veio à tona após sua ascensão inicial, expuseram o quanto os códigos morais do rap sempre foram aplicados de maneira seletiva.
Também houve focos de apoio ao chamado movimento do "f*da-se as ruas". Meek Mill, cuja prisão e posterior ativismo pela reforma da justiça criminal ajudaram a ressignificar a autenticidade de rua no rap, se manifestou, respondendo a rappers e fãs que criticaram os comentários de 21. "Para os caras que promovem essa 'parada de rua', certifiquem-se de estar alimentando e oferecendo recursos e oportunidades para sua família e comunidade", escreveu. "Certifiquem-se de não colocar as ruas acima da sua 'família de verdade'". Outros artistas frequentemente associados ao rap "de rua" tiveram posições semelhantes, observando o alto custo real da violência retratada em suas músicas. G Herbo — cuja participação no novo álbum de 21 resulta em uma de suas melhores faixas — acrescentou nuance ao debate. "O OBJETIVO É CHEGAR EM CASA TODA NOITE! A META É CUIDAR DA SUA FAMÍLIA E NÃO VIRAR UMA HISTÓRIA TRISTE!", escreveu em um post no X.
Ainda assim, muitos veem o movimento mais como um exercício de branding do que como uma promoção real da paz. A cena do rap de Atlanta está em constante transformação desde o gigantesco julgamento da YSL, que envolveu suas maiores estrelas em um amplo caso de crime organizado. Young Thug, que estava no centro da denúncia do promotor do condado de Fulton, passou mais de dois anos atrás das grades. Em dezembro de 2022, Gunna aceitou o chamado Alford Plea, no qual declarou que a YSL era uma gangue que "precisava acabar". O mundo do rap passou a interpretar isso como equivalente à delação — uma violação de uma regra sagrada das ruas. Ele foi rapidamente rejeitado por vários de seus pares e ainda não fez aparições públicas ao lado de Thug. Entre as consequências não intencionais, o episódio inspirou o apelido "Rat-lanta".
No início deste ano, Thug participou do podcast Perspektives With Bank, apresentado pela conhecida personalidade do rap de Atlanta Big Bank Black, onde falou emocionado sobre o que descreveu como uma traição por parte de Gunna. "O acordo do Gunna me prejudicou? Sim, 100%", disse Thug. "Primeiro estamos dizendo aos jurados que 'a YSL não é uma gangue'. Agora [depois dos acordos] voltamos aos jurados dizendo: 'Bom, algumas pessoas podem dizer que é uma gangue — mas a gente não faz parte dessa parte. A gente faz parte da parte da gravadora'".
Para complicar ainda mais a situação, vazaram gravações de ligações feitas da prisão, quando Thug ainda estava detido, que parecem mostrar o rapper também oferecendo informações às autoridades em outro caso, anterior, o que gerou uma reação negativa generalizada. Enquanto isso, o álbum mais recente de Gunna, The Last Wun, figurou entre os projetos de rap de melhor desempenho do ano, sugerindo que o público se importa menos com as chamadas "ruas" do que os próprios rappers.
Na internet, a narrativa recorrente é que todo esse movimento é, em parte, uma resposta aos números de vendas abaixo do esperado dos projetos recentes tanto de 21 quanto de Thug. Apesar de projeções mais altas, What Happened to the Streets, de 21 Savage, vendeu cerca de 73 mil unidades equivalentes a álbuns e estreou em terceiro lugar na Billboard 200. Já o primeiro álbum de Thug após sair da prisão teve uma recepção crítica morna e estreou em sexto lugar nas paradas, com pouco mais de 50 mil cópias vendidas.
No fim de semana, 21 recorreu ao Instagram para esclarecer sua posição. "Quando eu digo 'f*da-se as ruas', estou falando da parte que me causou trauma e me fez perder o sono à noite", escreveu em um Story. "Se você não está cansado dessa parte, é porque não passou por isso!" Esse esclarecimento talvez seja, no fim das contas, o ponto mais revelador de todo esse ciclo de debates. Em um cenário do rap remodelado por processos baseados na lei RICO, plataformas de streaming e um público cada vez mais distante das realidades retratadas nas letras, as regras antigas já não se encaixam tão bem no presente.
Não é surpresa, portanto, que a maioria dos que se manifestam a favor do movimento do "f*da-se as ruas" evoque o impacto que gostaria de ter sobre seus filhos. Ninguém desejaria a vida do crime para uma criança e, à medida que a geração de rappers de 21 Savage entra na meia-idade, esse é exatamente o tipo de questão existencial que eles passam a enfrentar. O sentimento de "f*da-se as ruas" reflete uma geração de rappers acertando contas com o custo dos códigos que um dia os definiram.