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Para driblar crise, jazzistas britânicos trazem público para dentro de casa

20 jul 2015 - 09h11
(atualizado às 11h20)

No palco, o Trio Brasil, liderado pelo pianista galês Huw Warren, toca um tema de Hemeto Paschoal. A plateia atenta, espremida no cômodo pequeno, saboreia cada nota e vibra com os improvisos, que se alternam entre piano e baixo. O baterista, Zoot Warren, filho de Huw, não se intimida com os ritmos brasileiros: baião, samba e até marcha-rancho. A atmosfera é eletrizante.

Para os músicos, os shows caseiros são uma oportunidade de se inventar novas audiências
Para os músicos, os shows caseiros são uma oportunidade de se inventar novas audiências
Foto: Divulgação/BBC Brasil

Esse show poderia estar acontecendo em qualquer um dos muitos clubes de jazz espalhados pela capital britânica. Mas na verdade, estamos na casa do contra-baixista inglês Dudley Phillips, no norte de Londres.

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Phillips e Warren representam o melhor que o jazz britânico tem a oferecer. São compositores e arranjadores com carreira própria, participaram de dezenas de discos e tocam regularmente na Grã-Bretanha e no exterior.

Aliás, o currículo de Phillips impressionaria mesmo quem não está muito por dentro da cena jazzística. Ele já tocou com Mark Knopfler, Amy Winehouse e até Paul McCartney. Ele hesita, quase como se preferisse não falar do assunto, mas explica que tocou com o ex-Beatle na festa de casamento do roqueiro (o terceiro e mais recente, com a americana Nancy Shevell). Eles tocaram uma canção que o noivo havia feito em homenagem à noiva.

Mas no mundo das artes - e talvez especialmente no da música - currículo nunca foi garantia de sucesso. E hoje, sofrendo o impacto duplo da crise econômica e da chegada da música digital quase gratuita, profissionais como Phillips cada vez mais usam de criatividade e iniciativa para buscar seu público e assegurar que a música não deixe de ser tocada.

Os shows caseiros de Phillips, ou 131 Series, como ele os batizou, vêm acontecendo há mais de um ano.

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"Por quê? Em parte, para envolver a comunidade. Crio um ambiente gostoso e trago grandes artistas. A família também participa, os meninos recolhem os casacos, recebem o dinheiro, servem a comida. E a Betti, minha esposa, cozinha."

A sala de estar do músico comporta, além da banda, cerca de 40 pessoas. Os ingressos – na verdade, doações feitas pelos frequentadores - ficam em torno de 20 libras por pessoa. O dinheiro cobre o cachê dos músicos e o jantar oferecido por Betti (a cozinheira e jornalista italiana Elisabeta Delsoldato).

"O dinheiro é suficiente para que eu possa pagar um cachê decente para os músicos", explica. A preocupação em oferecer um cachê "decente" reflete uma triste tendência no circuito menos comercial de música na Grã-Bretanha: os cachês caíram muito em relação ao que se pagava na década de 1990, por exemplo.

Entre as atrações que passaram pela casa do músico estão o cantor americano de blues Charlie Wood, a cantora e compositora folk inglesa Charlie Dore e a cantora inglesa Jacqui Dankworth, filha do saxofonista John Dankworth, morto há cinco anos, e da cantora Cleo Laine (juntos, os dois foram um dia o casal mais famoso do jazz britânico).

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"Acho importante você se organizar e tomar a iniciativa. A indústria da música que eu conheci no início da minha carreira já não existe mais. Tem muita gente fazendo eventos desse tipo, assumindo o controle de seus destinos e carreiras", explica Phillips. "Quando você é músico autônomo, tem de diversificar suas atividades."

Após o show, na cozinha da casa, vejo a seguinte cena: o pianista Huw Warren conta a um dos visitantes uma história - aparentemente verídica - envolvendo o saxofonista americano Ornette Coleman. Jazzistas, com seu estilo de vida itinerante, sempre na estrada, adoram contar "causos". E o ambiente íntimo e descontraído na casa de Phillips parece perfeito para isso.

Terminada a história, Warren conversa com a BBC Brasil.

Ele fala de sua paixão por música brasileira (além de Hermeto, o repertório de Warren incluiu Joyce, Guinga, Chico Buarque e Pixinguinha): "Não sei, devo ter algum gene ancestral que adora essa música. Continuo descobrindo mais a cada dia, é um imenso patrimônio de música no mundo. Uma combinação única de ritmo, harmonia e letras maravilhosas."

Os shows caseiros de Phillips são, para Warren, uma oportunidade de se inventar novas audiências: "Você toca tão próximo das pessoas, é tão íntimo - fantástico!", diz. "E você também toca para pessoas que não são fãs do jazz."

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"A cena jazz é tão pequena, você faz shows para 40, 50 pessoas... então por que não trazer o público para a sua casa? E as pessoas adoram ficar batendo papo na cozinha, como estamos fazendo agora!"

Reportagem de Mônica Vasconcelos, filmagem e edição por Silvino Ferreira e Susan Ferreira / Dot.tv Productions.

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