Como fica o convívio social ao se tornar vegano na periferia

Enfrentar o meio social é a parte mais difícil ao decidir se tornar vegano

14 jun 2022 - 14h51
(atualizado às 14h51)
Foto: CanvaPro

Mudar a alimentação na transição para o veganismo não é a parte mais difícil. Por medo de ser julgado e excluído, na maioria das pessoas brota um desconforto gigantesco só de pensar em falar para alguém que virou vegano. Esse sentimento se manifesta porque vivemos numa sociedade extremamente condicionada ao consumo de animais, e optar por não fazer parte disso gera grandes desconfortos.

Pra gente, a maior dificuldade no veganismo foi o nosso meio, a família, o convívio social. Falar de veganismo já é um tabu, falar disso na periferia é mais ainda. Crescemos cercados por churrasco e sem contato nenhum com essas ideias. Quando comentamos sobre a mudança, houve um espanto geral.

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A rapaziada falava: ''Vocês sempre consumiram dessa forma, não faz sentido parar agora’’, ‘’Vocês sempre gostaram de carne, agora estão com essa frescura’’, ''Isso é coisa de rico, parem de graça'', ''Deus criou os animais pra a gente matar e comer, então o que tem de errado nisso?’’. 

Se tornar vegano em meio a esse cenário foi desafiador, porque era muito novo para todo mundo, ninguém sabia o que era veganismo. A primeira coisa que fazem é te desestimular completamente. O mais espantoso pro pessoal é que não tínhamos fartura em casa, e naquele momento iríamos parar de consumir carne, queijo e derivados. Difícil entender mesmo. 

Ao nos tornarmos veganos, começamos a sentir um certo afastamento, mas isso é muito normal. As pessoas pensam que vamos falar sobre sofrimento e morte de animais o tempo todo (o que gera um incômodo), sem contar que elas acreditam que comemos coisas de outro mundo (comidas sofisticadas). Embora a gente não ligue de colar em churrasco, os convites diminuíram muito também.

Por sermos seres sociáveis, o medo de ser excluído é comum entre os humanos, pois não queremos ficar isolados e sermos rejeitados. Ao se opor a um determinado consumo e mudar completamente um hábito muito arraigado, automaticamente ocorre um processo de exclusão. As pessoas naturalmente começam a te encaixar numa outra bolha.

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Por conta disso começam a surgir as piadinhas, as humilhações, as falas preconceituosas e o julgamento da família, principalmente do pai, porque homens são mais resistentes a mudanças de hábitos. Além disso, é engraçado que quando você comenta que é vegano, brota amigos que nunca se preocuparam com alimentação e de repente se tornam especialistas no assunto.

A questão é que quando estamos bem informados e seguros das nossas escolhas de forma consciente, entendemos que essas reações partem, principalmente, de um desconhecimento total e um medo inconsciente de entrar em um debate mais sério, sobre ética e costumes. 

Olhamos com respeito para as pessoas que vivem tentando nos tirar e não entendem o nosso ponto, e compreendemos que ele ou ela só está tentando lidar com a nossa mudança de alguma forma. Muitas vezes a piada e a humilhação são o único recurso. Geralmente eles estão tão vulneráveis quanto nós.

Porém, com o passar dos anos, tudo foi se naturalizando, e as pessoas à nossa volta começaram a entender muito mais, passaram a fazer questionamentos interessantes, perceberam que não se tratava de uma modinha ou algo passageiro, e entenderam que estamos fazendo escolhas baseadas em informação e de forma totalmente consciente.

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O novo hábito se tornou tão presente e comum, que o convívio social hoje é o mesmo, e apesar das brincadeiras, tudo segue normal. Por isso, sempre abordamos a questão da informação, do conhecimento e da representatividade. O lance é incluir, trocar ideia sobre diversos temas e não isolar e nem ignorar uma pessoa por conta das suas escolhas.

É possível não contribuir com a exploração animal, com o sofrimento de seres inocentes e continuar fazendo o que sempre fizemos, conviver com as pessoas que sempre convivemos. Não precisamos mudar de grupo ou tentar se adaptar a outra realidade. Mas para isso, é preciso ter respeito de ambas as partes e saber lidar com as diferenças.

Leonardo e Eduardo dos Santos são irmãos gêmeos, nascidos e criados na periferia de Campinas, interior de São Paulo. São midiativistas da Vegano Periférico, um movimento e coletivo que começou como uma conta do Instagram em outubro de 2017. Atuam pelos direitos humanos e direitos animais por meio da luta inclusiva e acessível, e nos seus canais de comunicação abordam temas como autonomia alimentar, reforma agrária, justiça social e meio ambiente.
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