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Grupo chamado de "anões" usa o 55chan para atacar mulheres e travestis no Twitch

13 nov 2017 - 19h34

O preconceito contra mulheres nos meios nerds e geeks é algo antigo. Apesar de elas já representarem a maioria do público consumidor de videogames no Brasil, a resistência do "clube do bolinha" ainda é grande, e uma consequência disso são os ataques recheados de discursos de ódio que acontecem com frequência em diversas plataformas virtuais e eventos.

discurso de ódio
discurso de ódio
Foto: Canaltech

Mas, enquanto lá fora o grupo GamerGate é um dos mais conhecidos por promover ataques contra mulheres gamers, aqui no Brasil um grupo que se destaca nessa prática são os autodenominados "anões", que se organizam em fóruns do 55chan para arquitetar suas ações.

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Lives no Twitch são alvo

Atualmente, o Twitch é a plataforma de transmissões ao vivo de games preferida da galera. Os usuários fazem todo tipo de transmissão por lá e interagem com muitas pessoas, que, por sua vez, podem fazer comentários em tempo real. Um streamer brasileiro chegou a registrar um público simultâneo de 100 mil pessoas - para se ter noção da popularidade que o serviço já tem aqui no Brasil.

Vale frisar que a plataforma não exige um cadastro rebuscado para fazer parte dela e comentar nas transmissões, não sendo necessário informar dados pessoais e sendo possível criar quantas contas desejar. A popularidade do serviço aliada a essa facilidade de cadastro acaba criando uma espécie de brecha, que acaba ajudando os haters a se apoderarem da plataforma, agindo como desejam, sem medo das consequências.

Giulia Henne é uma gamer brasileira que começou a fazer transmissões ao vivo no Twitch há cerca de seis meses. E, sendo mulher, ela nos contou que tem sofrido uma grande quantidade de ataques provenientes dos tais anões. "Para remediar, existem alguns comandos que servem para banir o usuário, ou então dar um TimeOut - deixar alguns minutos sem que a pessoa possa comentar novamente", explicou a usuária. Ela também conta que, para ajudar a controlar as lives, existem moderadores do Twitch, que são eleitos pelo próprio streamer. Esses moderadores têm o poder de banir quem estiver proferindo comentários considerados abusivos.

Mas Giulia, notando a quantidade imensa de haters em suas transmissões, acabou pedindo para que seus moderadores não apagassem mais os tais comentários ofensivos para que ela pudesse tirar print de tudo e fazer a denúncia ao Canaltech. Ela revelou que, nos jogos online, o que existe de assédio e machismo é absurdo: "Enquanto muitos reclamam que não existem muitas mulheres na cena, quando alguma resolve entrar para as lives de jogos, viram alvo desses ataques". Giulia disse já estar acostumada com esse tipo de coisa, de tão frequente que é. No Steam, por exemplo, ela já chegou a trocar sua foto de avatar porque enquanto jogava Counter-Strike a estavam chamando de "loirinha gostosinha".

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Acontece que o assédio rapidamente se transforma em ódio, e "elogios" como o mencionado acima se tornam ofensas e ataques pessoais. "Na semana passada, eu estava fazendo a live normalmente, até que, do nada, o número de viewers dobrou. A partir daí, começou a chover comentários machistas e até racistas, com muitas pessoas comentando exatamente a mesma coisa. Meu moderador baniu a maioria, mas como eles conseguem criar várias contas, a coisa acabou virando um caos", contou.

Na sequência, os agressores começaram a criar contas contendo ofensas no próprio nome de usuário e, dessa forma, quando eles comentavam qualquer coisa na transmissão de Giulia, a ofensa era feita porque o nick aparece na tela. "No dia seguinte, a mesma coisa aconteceu, mas, dessa vez, um deles disse que eles eram os tais anões".

Quem são esses anões

Giulia, inconformada, decidiu pesquisar para descobrir quem era o tal grupo. Então, ela encontrou um fórum deles no 55chan, uma espécie de versão brasileira do fórum virtual "gringo" 4chan."Lendo o fórum, percebi que a coisa era ainda mais grave, pois descobri que eles combinam de pular de live em live de mulheres e travestis, se organizando para xingar todo mundo", relatou a streamer. Ainda de acordo com Giulia, no mesmo fórum estava claro que o objetivo dos anões era "deixar todas irritadas ou até mesmo fazê-las chorar ao vivo".

A existência do grupo não é exatamente nova, apesar de ser um tanto quanto desconhecida para muita gente. Em 2010, eles atacaram o Estadão depois de o caderno tecnológico Link ter publicado uma matéria sobre "manias da web", mencionando o 55chan como um dos berços dos memes brasileiros. O motivo teria sido justamente a exposição que o Estadão causou ao fórum, já que, entre seus usuários, existe uma espécie de "lei do silêncio".

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Protegidos pelo anonimato que o 55chan oferece, os anões não gostam de novos usuários acessando seus fóruns e chegam a dar apelidos ofensivos a quem tenta fazer parte do grupo assim, do nada. Então, por terem sido expostos ao grande público dessa maneira, os membros da época iniciaram uma campanha de perseguição à repórter que assinou a matéria, sendo que as ameaças iam desde trotes infantis, até ameaças contra sua integridade física. Ainda, o perfil da jornalista em redes sociais foi vazado no fórum, e os anões conseguiram, em poucas horas, dados pessoais como endereço e telefone residencial, divulgando-os no 55chan para quem quisesse ver.

Eles também atacam em outras plataformas

Além do Twitch, o grupo também costuma atacar outras mulheres que têm algum destaque em meios gamers na internet. Foi o caso de uma outra entrevistada, que pediu para não ser identificada pela nossa reportagem, com medo de novas represálias por parte dos anões.

Em 2011, a moça, que mantinha um perfil de um personagem fictício que abordava temas nerds, incluindo os games, teve sua página recheada de mensagens e comentários ofensivos repentinamente. Um dos agressores foi identificado pela vítima, que descobriu um blog contendo outras denúncias contra o mesmo rapaz. Entre outras coisas, ele estava sendo acusado até mesmo de ter agredido uma pessoa motivado por racismo, em uma universidade de Brasília. A vítima contou que o grupo dos anões descobriu seus dados pessoais, como nome completo, RG, telefone e endereço residencial, divulgando-os na internet. Apesar de ela ter dito que não recebeu nenhum telefonema ou visita inesperada, com os ataques e a exposição ela ficou noites sem conseguir dormir, vasculhando a internet em busca de informações sobre quem estava por trás de tudo isso, "totalmente desesperada", em suas palavras.

"Quando eu deletei o perfil, acho que eles ficaram felizes", ela contou, e, então, a perseguição virtual acabou. Ou seja: tudo o que o grupo queria era que uma mulher parasse de abordar temas sobre o universo nerd na internet, como se seu gênero a desqualificasse para falar a respeito. "É terrível, eles se organizam em um ambiente muito underground na internet, e isso dá uma sensação terrível de ter gente assim atrás de você, e você não poder descobrir mais informações para se proteger", encerrou o relato.

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Consequências legais

A disseminação de discursos de ódio pela internet é, sim, um crime. As vítimas desse tipo de ocorrência podem (e devem) recorrer à Justiça para se proteger, amparadas pelas leis vigentes em nosso país. Para comprovar o crime, é preciso mostrar as ofensas por meio de prints de tudo o que está acontecendo no ambiente virtual, e é importante que essas capturas de tela sejam completas, não tendo nenhum tipo de recorte ou edição. Também é preciso fornecer os links respectivos aos prints para comprovar sua autenticidade. Por isso, mesmo que a ofensa esteja publicada na rede e possa causar desconforto, para dizer o mínimo, à vítima é essencial não deletar tais conteúdos se desejar levar o caso às últimas consequências.

A denúncia pode ser feita em uma Delegacia de Polícia, e um Boletim de Ocorrência será aberto com todas as provas anexas ao documento. Advogados especialistas em direito digital são os profissionais mais adequados para orientar as vítimas sobre como proceder. Ainda que os usuários que estejam atacando a vítima virtualmente não estejam revelando suas identidades, a polícia pode, durante a investigação, entrar em contato com os serviços utilizados pelos criminosos e tentar descobrir essas identidades de maneira legal.

Para crimes de assédio sexual, as penas podem ir de multas a dois anos de detenção, enquanto no caso de preconceito racial a penalidade de reclusão pode ser de um a três anos, além de uma multa. Já no caso de injúria, as penas em que houver detenção vão de um a seis meses.

Canaltech
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