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'Procrastinar gerava culpa, que gerava ansiedade'. Empresária relata efeitos da quarentena

Jéssica Dantas começou a ter crises nas primeiras semanas da pandemia e procurou ajuda especializada; pesquisa aponta que mais da metade dos adultos sentiram ansiedade ou nervosismo na quarentena

8 jul 2020 - 05h10
(atualizado às 09h58)
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Por já trabalhar em home office, a criadora de conteúdo e empresária Jessica Dantas, de 27 anos, imaginava que teria poucas dificuldades para se adaptar ao distanciamento social há quase quatro meses, mas a situação foi diferente. "O clima, a internet, o dia a dia, estava tudo diferente", conta. "O fato de estar em casa por opção é diferente de não poder sair em casa."

Ela começou a ter crises de ansiedade logo nas primeiras semanas. Dentre outros fatores, o que mais a deixava apreensiva era a imprevisibilidade da pandemia do novo coronavírus, da qual passava grande parte do dia ligada ao procurar novas notícias pela internet e na televisão. "No começo, estava super desesperada, com ansiedade todo dia."

Empresária falou sobre ansiedade na pandemia em canal que mantém no Youtube
Empresária falou sobre ansiedade na pandemia em canal que mantém no Youtube
Foto: Reprodução/Youtube / Estadão

Uma pesquisa divulgada nesta terça-feira, 7, mostrou que mais de metade da população adulta do Estado de São Paulo afirma sentir ansiedade ou nervosismo com frequência desde que a pandemia da covid-19 começou. Para 39% dos entrevistados, sentir-se triste ou deprimido passou a ser algo rotineiro durante a quarentena e quase 30%, que antes dormiam bem, começaram a enfrentar problemas de sono. Os dados foram coletados entre os dias 24 de abril e 24 de maio por meio de questionário on-line.

"Um dos objetivos da iniciativa foi avaliar o estado de ânimo dos brasileiros durante o período de isolamento social e os resultados mostram que, nesse aspecto, os adultos jovens [entre 18 e 29 anos] foram os mais afetados: 54,9% com tristeza frequente e 69,7% com ansiedade frequente, enquanto entre os idosos esses percentuais foram, respectivamente, 25% e 31%", conta Marilisa Barros, professora da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp e coordenadora do estudo ao lado de Célia Landmann Szwarcwald (Fiocruz) e Deborah Carvalho Malta (UFMG).

No caso de Jessica Dantas, ela resolveu voltar para a terapia, da qual havia tido alta meses antes, após começar a ter sintomas físicos, como falta de ar. Além disso, também fez adaptações na rotina, para conciliar as horas de lazer e de trabalho, para trazer uma sensação de conforto e segurança. "Estar procrastinando gerava culpa, que gerava ansiedade."

A empresária compartilhou parte dessas experiências no canal Fala Dantas, que mantém no Youtube. O resultado foi uma série de comentários de jovens que enfrentam a mesma situação na quarentena. "Me identifico muito contigo, ultimamente tô tendo muita crise de ansiedade", respondeu uma das usuárias.

'É importante não perder de vista o que tinha e se queria antes', diz especialista

Professor do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Narbal Silva explica que a adoção abrupta do distanciamento e do isolamento social foi um dos fatores que começou a gerar nervosismo e ansiedade em algumas pessoas.

"Ao termos perdido o presencial, isso atingiu sobremaneira uma necessidade que é inerente a todo ser humano, a necessidade de se relacionar e conviver. O virtual não substitui, nem mesmo para as gerações mais novas, que têm uma cultura da tecnologia digital", diz o especialista, que também é coordenador do Laboratório de Psicologia Positiva nas Organizações e no Trabalho (Lappot), da UFSC.

Outro ponto que aborda são as incertezas geradas pela pandemia, como a falta de um tratamento comprovado para a covid-19 e o desconhecimento de quando o distanciamento poderá acabar. "Agora, começamos a receber informações de perspectiva de vacinas. Isso em menor ou maior grau diminui um pouco a nossa ansiedade, as nossas angústias."

O professor inclui ainda um terceiro fator, que são as fake news, os boatos e as ambiguidades ideológicas. Ele exemplifica que parte da população convive com opiniões distintas entre poder público, círculo social e especialistas. "Imagina como fica a cabeça nesse momento."

Por isso, Silva ressalta a importância do autocuidado nesse momento, como manter um bom diálogo com as pessoas do círculo de convivência, praticar atividades físicas, separar horários de lazer dos profissionais e cuidar da própria higiene. "Só lazer, lazer, lazer, ou só trabalho, trabalho, trabalho, vai me afetar e afetar a todos que estão comigo."

Isso inclui também tentar manter-se otimista na medida do possível e refletir sobre isso, sobre objetivos pessoais e profissionais e como atingi-los, por exemplo, mas com "respeito aos meus limites e possibilidades". "É importante não perder de vista o que tinha e se queria antes (da pandemia)", ressalta.

O professor ainda reitera que é importante prestar atenção em si ainda mais na pandemia. Por mais que sentimentos negativos façam parte da vida, a permanência da tristeza, da melancolia e da perda de esperança deve ter atenção, assim como a falta de vontade constante de sair da cama. Nesses casos, é importante refletir sobre a necessidade de procurar ajuda externa, de um profissional de saúde mental. /COM AGÊNCIA FAPESP

Estadão
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