Batalha da Escadaria, no Recife, agora é Patrimônio Cultural
Realizada há 15 anos, reconhecimento oficial veio através de vereadora que é cria da cena hip hop pernambucana
Já é certo que em toda primeira e terceira sexta-feira de cada mês, por volta de 20 horas, quem anda pelo centro do Recife pode ver e ouvir a Batalha da Escadaria. Essa disputa de rimas improvisadas, uma das manifestações da cultura hip hop que, na capital pernambucana, foi declarada Patrimônio Cultural Imaterial neste mês.
A Batalha da Escadaria é realizada há 15 anos no cruzamento da Rua do Hospício com a Avenida Conde da Boa Vista. O local é palco de duelos disputados por rimadores vindos de vários bairros da região metropolitana do Recife.
As rimas são feitas no estilo freestyle, ou estilo livre. Cada participante tem 45 segundos para duelar e, ao final das batalhas, um vencedor é escolhido pelo público. As mulheres ainda são minoria, mas algumas marcam presença, como Evandiz Monique da Silva Oliveira, conhecida como Eva, 25 anos, que se desloca de Goiana (PE), distante 60 quilômetros da capital.
“Comecei a frequentar como plateia no ano passado, fui tendo um contato, fui convidada a participar neste ano. Digo de coração aberto que é a minha segunda casa, onde me sinto livre. Sempre me incentiva a não desistir e a enfrentar a galera como gigante”, diz Eva.
Voar de avião por causa do rap
Um dos batalhadores frequentes é Ítalo Vinícius Barbosa, 21 anos, artisticamente conhecido como Hugue. Cria do Barro, periferia da zona oeste do Recife, ele sempre se interessou pela cultura hip hop. Em 2017, começou a se envolver com o movimento, escrevendo rimas despretensiosamente.
Dois anos depois, enxergou um futuro profissional na arte. “Foi em 2019 que eu percebi que era bom no que fazia, encontrei outras pessoas que se destacavam no meio e constatei que poderia progredir ainda mais”, lembra.
Como quase todos os jovens negros e periféricos, Hugue enfrenta batalhas diárias, além do rap. Foi vencendo duelos cotidianos e artísticos que ele conseguiu chegar às oitavas de final do campeonato nacional de MCs ocorrido no ano passado no Viaduto de Santa Tereza, em Belo Horizonte (MG).
“Participar do nacional foi uma experiência incrível, foi a primeira vez que eu viajei de avião, que eu saí do estado e conheci coisas novas, tudo isso através do rap. É gratificante demais pensar que uma coisa que você sabe fazer pode te levar tão longe. Neste ano, estou classificado novamente”, comemora.
Caso de amor pela cultura hip hop
A Batalha da Escadaria foi idealizada pelo rapper pernambucano Luiz Carlos Ferrer, popularmente conhecido como Duh. “Na época em que a banda que eu participava estava acabando, eu pensava em fazer algo que deixasse minha cidade em evidência. Foi trocando umas ideias com meu amigo, o rapper Criolo, que amadureci o projeto de criar a batalha aqui em Recife. E é algo que vem dando muito certo”, conta.
A competição de rimas improvisadas no Recife também é inspirada na Batalha do Real, pioneira e tradicional competição que acontece há vinte anos, nos Arcos da Lapa, no Rio de Janeiro.
Desde que começou no Recife, a iniciativa é totalmente independente, orgânica e comunitária. Integrantes, amigos e amantes da cultura hip hop são os principais apoiadores do evento, que não conta com ajuda governamental.
“Acredito que os órgãos públicos deveriam prestar mais atenção a esse tipo de manifestação cultural que reúne a juventude para fazer arte, promove intercâmbio, fortalece a cena e contribui para a divulgação de talentos”, acredita Duh.
Patrimônio Cultural Imaterial do Recife
Neste mês de maio, a Batalha da Escadaria foi reconhecida como Patrimônio Cultural Imaterial do Recife através de um Projeto de Lei da vereadora Cida Pedrosa (PCdoB).
“Receber esse reconhecimento foi uma surpresa. Quando Cida veio conversar comigo, foi um papo sobre o movimento hip hop, a gente não esperava essa nomeação. Mas ter Cida nesse movimento é muito importante porque, antes de ser uma vereadora, ela é, há muitos anos, poeta, e quando jovem estava no centro da cidade para o encontro de rimas. Se para nós é difícil, imagina antes”, analisa Duh.
“É muito importante a gente reconhecer a cena urbana e independente da nossa cidade como patrimônio, afinal ela vai costurando nas vielas e nas ruas todo o saber cultural da periferia. A Batalha da Escadaria vem formando grandes rappers, mulheres e homens. Participar dela é participar da resistência da poesia. Reconhecer a produção independente é reconhecer saberes, vivências e, principalmente, novos olhares culturais sobre a cidade”, explica a poetisa, escritora e vereadora Cida Pedrosa.
Batalha da Escadaria em circuito nacional
Além de promover os tradicionais duelos, a Batalha da Escadaria incentiva a troca de experiência e conhecimento através de disputas itinerantes nas comunidades, palestras e apresentações em festivais e eventos culturais em Recife, como o Coquetel Molotov, o Festival Rec Beat e o Festival Recife Mais Verde.
Historicamente, a Batalha da Escadaria representa Pernambuco no Circuito Nacional de Batalhas que inclui, entre outras, a Rinha dos MCs, idealizada por DJ DanDan e MC Criolo, um dos projetos mais tradicionais do hip hop brasileiro, que acontece em São Paulo.
A Batalha da Escadaria também está presente no Duelo de MCs, organizado pelo coletivo Família de Rua e que, desde 2007, ocupa o Viaduto Santa Tereza, no centro de Belo Horizonte.
Os representantes do Recife participam ainda na Batalha do Real, realizada há 20 anos pela Brutal Crew e pelo MC Lapa, nos tradicionais Arcos da Lapa, no Rio de Janeiro, além de Batalha do Santa Cruz, criada pelo Africa Kids Crew em 2006, na Estação Santa Cruz, em São Paulo, capital.