Proposta de criação do Palmeiras saiu em jornal que cobria a várzea em SP
Imigrantes trabalhadores, como os italianos, eram jogados para escanteio pela imprensa e pela elite do futebol paulista
O jornal Fanfulla, escrito em italiano, destacou-se no início do século 20 ao cobrir o futebol de várzea em São Paulo. Foi crucial na fundação do Palmeiras e na representação dos imigrantes italianos na imprensa esportiva.
Um pequeno e ousado jornal publicado em italiano, a Fanfulla, desbancou a grande imprensa paulistana no início do século passado ao cobrir o futebol de várzea. Entre suas contribuições ao Palmeiras está a publicação da proposta de fundação do time e a notícia da primeira partida.
Ler a Fanfulla, fundado em 1893, representava a afirmação da identidade dos imigrantes, em geral trabalhadores pobres. Foi a conexão afetiva com suas páginas que encorajou Vicente Ragognetti a enviar uma carta propondo que o jornal fosse “portador e propagandista” de um “clube de futebol italiano”.
Essa carta, o pontapé inicial para a criação do Palestra Italia, foi publicada na edição de 13 de agosto de 1914 da Fanfulla. Dias depois, em 26 de agosto, era fundado o time que atualmente é a Sociedade Esportiva Palmeiras, em busca de um título no Mundial de Clubes.
A notícia do primeiro jogo oficial do Palestra Italia foi publicada no dia seguinte pela Fanfulla, em 14 de agosto de 1916. O time estreou empatando em 1 x 1 com o Mackenzie pelo campeonato promovido pela Associação Paulista de Esportes Atléticos (APEA).
Um pequeno jornal desbanca a imprensa esportiva
Na virada do século 19 para 20, a elite paulistana se empenhava em divulgar o futebol, que cresceu rapidamente em uma São Paulo com cerca de 250 mil habitantes. A capital foi o berço do esporte como modalidade organizada, com regras e estádios.
Mas os jornais não davam bola para os times do povão. O Estado de S. Paulo, Correio Paulistano, entre outros, resistiam e não divulgavam a prática nas periferias da cidade. Era onde o futebol se alastrava, por campos de terra e terrenos de várzeas.
Mesmo quando os populares iam aos estádios, não eram notados pelos jornalistas, que preferiam ressaltar as qualidades dos torcedores da elite e de seus times. Ao tentar evitar a popularização do futebol, os organizadores de campeonatos passaram a cobrar ingressos.
Eles não queriam que “os aficcionados da periferia” invadissem os campos, escreve o jornalista André Ribeiro no livro Os Donos do Espetáculo: Histórias da Imprensa Esportiva do Brasil.
Fanfulla entra em campo com fúria
O cenário começou a mudar a partir de 1903, com a Fanfulla, escrito em língua italiana, pequeno em relação à imprensa dominante. O jornal passou a cobrir os jogos e a divulgar os resultados dos clubes varzeanos.
De acordo com a professora Teresa Malatian, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), no início do século havia “em movimento crescente, um público urbano letrado, resultado da migração de ex-colonos das fazendas para as cidades, atraídos pela industrialização”.
Em 1910, a tiragem diária da Fanfulla era de 15 mil exemplares. Em 1934, chegou a 40 mil. Jornais tradicionais como O Estado de S. Paulo podiam atingir a média de 20 mil exemplares nos anos 1920, conforme a professora Teresa.
A Fanfulla, assim como o futebol, cresceria muito ao longo dos anos a ponto de Ribeiro destacar que o periódico “entrou para a história como o jornal de maior circulação na década de 1920”.