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'A África não repete roupa', diz senegalês que vive no Grajaú

Morador da periferia da zona sul, Blessed Júnior afirma que a vestimenta é uma forma de descobrir e resgatar a ancestralidade negra

8 dez 2022 - 11h13
(atualizado às 18h58)
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A moda chegou na vida de Blessed Diomo Júnior, 42, quando ele ainda era criança. Nascido no Senegal, país na África Ocidental, o estilista começou ajudando os pais a cortar tecidos e vendê-los em uma banca, pois essa era a principal fonte de renda da família.

Aos 13 anos, aprendeu a costurar com a avó. "Vendia os tecidos durante o dia e, à noite, surgiam ideias na minha cabeça com os vários formatos de roupas. É isso o que faço até hoje", conta.

Blessed chegou ao Brasil em 2002 a convite do irmão mais velho. Depois viajou para o México, retornou ao Senegal, foi para os Estados Unidos e depois se instalou de vez em São Paulo.

Ele tem uma loja de roupas em Santa Cecília, no centro da capital paulista, mas as principais vendas ocorrem em uma barraca em frente à escola estadual professor Carlos Ayres, localizada na avenida Dona Belmira Marin, uma das principais vias do Grajaú, no extremo sul da cidade.

A barraca fica em uma importante avenida do Grajaú, em frente à uma escola @Isabela Alves/Agência Mural
A barraca fica em uma importante avenida do Grajaú, em frente à uma escola @Isabela Alves/Agência Mural
Foto: Agência Mural

Há um ano, se mudou para a periferia porque a maior parte da clientela vive por lá. "Aqui tem uma infraestrutura muito boa", conta. Por mês, ele realiza uma média de 100 atendimentos e, durante os meses de festividades, a procura é feita por cerca de mil pessoas.

Além de costurar com tecidos do país de origem, o estilista também importa panos de outros locais do continente africano, como Madagascar, Guiné-Bissau, Nigéria, Congo e Angola.

"Normalmente as pessoas passam de ônibus, descem e voltam aqui porque acham [os panos] muito coloridos. Elas perguntam: 'são toalhas de mesa ou cortina?' e eu explico que dá para fazer vários tipos de roupas com o tecido"

O cliente escolhe o tecido que deseja, Blessed tira as medidas e, no dia seguinte, a peça já está pronta. "A África não repete roupa, então quando a pessoa compra comigo, é um modelo que é exclusivo, não existe em outro lugar", comenta.

Foto: Isabela Alves/Agência Mural / Agência Mural

Ele relata ter uma clientela fiel, principalmente por conta do atendimento que presta. Na hora da compra, eles perguntam sobre como é a vida no continente africano, suas origens e Blessed sempre explica com paciência.

Um dia, uma das clientes era diretora de um colégio da região e achou a história de vida dele tão interessante que pediu a Blessed que organizasse um desfile com os estudantes e também fizesse uma palestra sobre ancestralidade, moda e racismo no Brasil.

Peças como turbantes e colares também são vendidas na barraca @Isabela Alves/Agência Mural
Peças como turbantes e colares também são vendidas na barraca @Isabela Alves/Agência Mural
Foto: Agência Mural

Ele revela que a vestimenta também é uma forma de descobrir e resgatar a ancestralidade. Um dos tecidos que vende, por exemplo, era utilizado por Nelson Mandela, ex-presidente da África do Sul, que é considerado o mais importante líder da África Negra.

Nas estampas, existem os "adinkras". A palavra, que originalmente significa "despedida", representa diversos símbolos com histórias da sabedoria africana milenar que também está presente nos turbantes, tambores e escritas.

Tecido utilizado em roupas de Nelson Mandela @Isabela Alves/Agência Mural
Tecido utilizado em roupas de Nelson Mandela @Isabela Alves/Agência Mural
Foto: Agência Mural

"Nelson Mandela foi o maior representante do continente africano no mundo e ele levava isso nas roupas", explica. Os símbolos são uma comunicação e trazem diferentes significados como humildade e força, coragem e valor, aprender com o passado, entre outros.

Segundo a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), o Brasil é o segundo país fora da África com mais pessoas negras no mundo, com mais da metade da população que se autodeclara como preta ou parda (54%).

Blessed ressalta que é urgente que os brasileiros procurem saber mais sobre a ancestralidade para que possam construir um futuro mais igualitário para todos. "As pessoas te veem de acordo com a sua cor. Se você parar para analisar, sempre foi assim. Mas não sei até onde vai isso", conclui.

Para conhecer mais sobre o trabalho do estilista, acesse o Instagram @blessedfashonafricaoficial ou entre em contato pelo telefone: (11) 96741-9174.

Agência Mural
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