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"O vírus não é brincadeira: ele mata", diz paciente de PE

Primeiro caso confirmado de covid-19 em PE passou 31 dias entre a vida e a morte na UTI e aprova lockdown

14 mai 2020 - 12h42
(atualizado às 13h01)
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RECIFE - O engenheiro civil Sylvio Romero Cavalcanti planeja duas festas de aniversário em 2021. Na primeira, no dia 24 de março, quer celebrar a chegada dos seus 73 anos, como tradicionalmente a família faz. Já a segunda é novidade: 5 de maio. Nessa data, vai completar um ano que o idoso recebeu alta após contrair coronavírus e passar 61 dias internado em um hospital particular do Recife – 31 deles em unidade de terapia intensiva (UTI), entubado entre a vida e a morte.

Sylvio Cavalcanti e a esposa durante viagem ao Egito no início deste ano
Sylvio Cavalcanti e a esposa durante viagem ao Egito no início deste ano
Foto: Arquivo pessoal

Primeiro paciente diagnosticado com covid-19 em Pernambuco, Cavalcanti também é hipertenso, diabético e, como ele mesmo descreve, "gordinho". Deu entrada na UTI com 111 quilos. Saiu com pouco mais de 96. Ainda precisou passar por hemodiálise depois de os ruins ficarem comprometidos pela doença. "Foi um verdadeiro renascimento. Consegui me recuperar graças a Deus e à equipe de médicos", afirma.

O nome das pessoas por quem tem gratidão lhe vêm à cabeça sem esforço. "Faço questão de citar o doutor Demétrius Montenegro, que é infectologista, o pneumologista Ricardo Bandeira, o médico intensivista Arthur Faria, o nefrologista Arthur Maranhão. Também a doutora Renata Bezerra, a doutora Lara. Enfim, toda a equipe de enfermagem, de fisioterapia", diz. "Foi o trabalho de todos que me deu a segunda chance de viver."

Para o corpo médico, a principal suspeita é que Cavalcanti tenha contraído covid-19 durante uma excursão de férias. Em fevereiro, ele e a mulher viajaram para o Egito e, na volta, ficaram três dias em Roma. À época, a Itália já estava em estado de emergência e com regiões sob quarentena por causa do coronavírus. "Chegamos a ver algumas pessoas usando máscara, mas não existia esse pânico todo", descreve. "Estava mais ou menos normal."

No dia 5 de março, já no Recife, a mulher se queixou de febre, dor de cabeça e dor no corpo. Cavalcanti também sentiu um pouco de moleza e estava febril, mas nada que o fizesse desconfiar do que estava por vir. "Tanto que quem levou ela ao hospital fui eu", conta. "Imagino que por já haver protocolos para casos suspeitos, os médicos perguntaram o histórico e nós contamos da excursão. Acabou que nós dois ficamos internados."

Antes, a família chegou a entregar presentinhos da viagem à sogra, uma idosa de 97 anos, que também contraiu covid-19. As duas mulheres passaram exatos 17 dias no hospital e se curaram sem complicações. As lesões pulmonares de Cavalcanti, no entanto, evoluíram. Uma semana depois, o engenheiro estava em estado grave e precisou de ventilador mecânico para continuar respirando.

Por causa dos sedativos e paralisantes musculares, necessários para o respirador funcionar, Cavalcanti não guarda nenhuma memória do período da UTI. É como se estivesse dormindo, conta. "Eu me acordei 31 dias depois, sem entender muito bem o que estava acontecendo. Queria dizer que estava com falta de ar, mas não tinha voz", relata. "Quando os médicos me contaram, fiquei muito assustado."

O momento da alta foi gravado em vídeo. Nele, Cavalcanti aparece em uma cadeira de rodas, no corredor do hospital, ladeado por médicos e enfermeiros. Com balões nas mãos, os profissionais de saúde aplaudem o paciente. Emocionado, o idoso retribui o carinho fazendo com beijos e sinal de coração.

"Foi realmente muito emocionante", relata o paciente, cuja voz ainda embarga ao descrever a cena. O longo período de internação também lhe causou perda de massa muscular e, agora, Cavalcanti precisa fazer sessões de fisioterapia para resgatar o pleno funcionamento da mão direita e do pé direito. "Felizmente, a minha recuperação é boa. Consegui normalizar os rins e não preciso mais de hemodiálise, por exemplo. Todos os médicos ficaram surpresos."

Em Pernambuco, já foram confirmados, desde Cavalcanti, outros 14.900 casos e 1.224 mortes pela covid-19 no intervalo de dois meses, segundo balanço divulgado nesta quarta-feira, 13. Para tentar conter a pandemia, o governo anunciou nesta semana o fechamento do Recife e de quatro cidades vizinhas – medida aprovada pelo primeiro paciente no Estado.

"Tem muita gente brincando com a doença, mas esse vírus não é brincadeira: ele mata. As pessoas não deveriam sair de casa, só para aquilo que for estritamente necessário. E de máscara", diz. "Em Wuhan (cidade onde começou a pandemia na China), eles fizeram o lockdown e agora já está passando. Na minha opinião, acho até que demoraram demais aqui."

Estadão
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