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O que são eventos adversos em testes de vacina? Entenda como isso afeta o andamento dos estudos

Anvisa suspendeu ensaios clínicos para a Coronavac, candidata a imunizante para a covid-19; registros de reações em pacientes são normais s e devem ser investigados

10 nov 2020 - 20h08
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A decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de suspender os testes da vacina Coronavac nesta segunda-feira abriu espaço para inúmeras perguntas sobre a produção dos imunizantes para combater a covid-19. Uma delas se refere à frequência de paralisações desse tipo. "É normal que aconteçam eventos adversos graves durante os testes de uma vacina. Os voluntários levam uma vida normal e estão sujeitos a todo tipo de acontecimentos", opina a bióloga Natália Pasternak, do Instituto de Ciências Biomédicas da USP.

Vacina Coronavac é uma parceria do Instituto Butantã com a chinesa Sinovac e está em fase de testes em humanos no Brasil 
Vacina Coronavac é uma parceria do Instituto Butantã com a chinesa Sinovac e está em fase de testes em humanos no Brasil
Foto: Divulgação / Governo do Estado de SP / Estadão

Julio Croda, médico infectologista, ex-diretor do Departamento de Imunizações e Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde e pesquisador da Fiocruz, destaca que é preciso investigar se a adversidade está realmente relacionada à vacina. "Os grupos de voluntários são divididos aleatoriamente: uma parte toma a vacina; outra, apenas placebo. Eles não sabem o que tomaram", explica. "Além disso, existem eventos adversos, como acidentes de trânsito e infarto, que não têm relação com a vacina". Abaixo, outras questões motivadas pela suspensão:

O que são os eventos adversos?

São as ocorrências médicas indesejadas após a vacinação. Podem ser leves e graves. Os mais leves não trazem danos sérios à saúde do paciente. É uma febre, por exemplo. "Já os eventos adversos graves estão relacionados ao risco de morte", diz Julio Croda, médico infectologista, ex-diretor do Departamento de Imunizações e Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde e pesquisador da Fiocruz. Entram na lista internação hospitalar, doenças incapacitantes, sequelas importantes, alterações na capacidade de realização das funções normais ou necessidade de intervenção médica.

O que acontece quando um evento adverso grave é identificado nos testes?

Além de ser notificado internamente, pelo laboratório ou agência de pesquisa, o evento tem de ser registrado junto ao órgão federal que autorizou a pesquisa. No Brasil, o laboratório que conduz os estudos, como o Instituto Butantã, por exemplo, precisa comunicar à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Essa notificação é obrigatória. Com isso, o recrutamento de novos voluntários é interrompido. Quem já foi vacinado continua sendo acompanhado. Aí, começa o processo de investigação sobre o evento.

Como saber se os efeitos foram causados pela vacina?

Comitês científicos independentes, formados por pesquisadores que estão fora do processo de produção daquela vacina, avaliam a relação entre o imunizante e o evento. Existem diversos critérios que determinam essa relação. Isso varia de acordo com a pesquisa. No Brasil, o órgão responsável é o Conselho de Monitoramento e Segurança de Dados (DSMB). O primeiro ponto observado pelos comitês é se o paciente realmente tomou o imunizante, alerta virologista Rômulo Neris, mestre em Microbiologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Essa questão é importante porque nos ensaios chamados de randomizados ou duplo-cegos os voluntários recebem dois tipos de substância "Os voluntários são distribuídos em diferentes grupos que recebem a vacina ou placebo. Mas os voluntários ou os profissionais de saúde não sabem o que tomaram", diz Rômulo.

Quando os estudos são retomados?

Após toda a investigação só quem pode autorizar a retomada do estudo é a Anvisa. No caso da suspensão dos estudos clínicos da vacina Coronavac, a agência pede um parecer de um comitê de segurança internacional antes de decidir pela volta ou não dos ensaios. Não há prazo para a retomada.

É comum a ocorrência de eventos adversos graves nos testes?

A bióloga Natália Pasternak, do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, afirma que sim. "Imagine que tem 30 mil pessoas estão participando de um teste clínico de vacina. Elas são voluntárias, mas elas levam uma vida normal. Elas podem sofrer acidentes, infartar ou ter outras doenças. É vida normal. É normal que aconteçam eventos adversos graves. Quem está habituado com testes clínicos de vacina não se assusta. Até acidentes domésticos ou de trânsito que causam hospitalização precisam ser investigado", explica.

Em qual fase da pesquisa acontecem os eventos adversos?

O processo de fabricação de uma vacina envolve várias etapas. A primeira é a busca de anticorpos contra o coronavírus em laboratório por testes in vitro e em animais. É a chamada fase pré-clínica. Depois, vêm as etapas de testes em humanos. Os efeitos colaterais já podem ser observados nas fases 1 e 2, mas os eventos graves surgem mais comumente na fase 3. "Como são raros, eles não costumam aparecer antes. Na fase 3, justamente por ser testada em um número maior de indivíduos, existe maior probabilidade de que eles apareçam", diz Croda. O biólogo Fernando Reinach, colunista do Estadão, afirma que a fase 3 é uma espécie de "cemitério das vacinas": apenas 10% daquelas que entram nessa fase sobrevivem.

Outras vacinas em teste contra a covid foram suspensas?

Sim. A pesquisa da vacina da Universidade de Oxford, em parceria com a farmacêutica AstraZeneca, também teve os testes interrompidos no dia 8 de setembro. De acordo com o jornal The New York Times, o participante teve mielite transversal, doença que afeta os nervos que saem da medula espinhal. É transversal porque afeta os dois lados do corpo. Os efeitos variam, mas incluem de dor a paralisia. Muitas vezes a doença é provocada por infecções virais e algumas vezes por vacinas. Depois que o comitê independente concluiu que o voluntário doente havia tomado apenas placebo, não a vacina, a fase 3 dos testes foi retomada no dia 12 de setembro.

No dia 13 de outubro, a empresa Janssen-Cilag, divisão farmacêutica da Johnson & Johnson, a informou a interrupção dos testes da vacina também por conta de um evento adverso grave relacionado ao óbito de um voluntário. Nenhuma causa relacionada à vacina foi identificada após a investigação. As pesquisas foram retomadas no início do mês, inclusive no Brasil.

Estadão
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