Jornalista fica 40 dias em coma e tem membros amputados após cirurgia para corrigir apneia do sono
Julio Cesar Trindade, de 35 anos, ainda foi pai no meio de tudo isso e lamenta ter perdido o nascimento do filho
Quando o DJ e jornalista Julio Cesar Trindade, de 35 anos, deu entrada no Hospital Casa de Portugal, no Rio de Janeiro, em 22 de maio de 2024, ele acreditava que receberia alta no dia seguinte. Sua internação foi para fazer uma cirurgia ortognática e resolver uma queixa de apneia do sono. Mas Julio só voltou para casa mais de 70 dias depois --tendo passado 40 deles inconsciente, em coma-- e sem partes dos membros, amputados.
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“Eu perdi parte dos dedos da mão direita, os dedos do meu pé direito, que é responsável pelo equilíbrio, e a perna esquerda, além de ter ficado surdo do ouvido esquerdo”, conta.
Agora, Julio decidiu ir à Justiça contra a unidade hospitalar e contra a Bradesco Saúde, sua operadora de plano de saúde, pedir por reparação. O que se sabe é que as amputações foram causadas por uma infecção hospitalar generalizada, pela bactéria Klebsiella pneumoniae, mas o jornalista acredita que houve negligência por parte da equipe médica.
“Eles tinham que ter medido meus sinais vitais. Eles alegam que mediram, só que o meu pulmão evoluiu de 100% de oxigenação para 80% muito rápido para alguém que verificou os sinais vitais de hora em hora, como deveria ser feito. Quando eu alegava que eu estava com falta de ar, eles me davam Rivotril, dizendo que eu estava tendo uma crise de ansiedade e que eu me tratava com Rivotril antes. Eu nunca tomei remédio controlado na minha vida”, exemplifica.
Julio conta que ele e a família decidiram contratar uma médica particular para avaliá-lo, que não fazia parte da equipe do hospital. A profissional recomendou que o jornalista fosse posto em um pulmão artificial e orientou a transferência dele para uma outra unidade de saúde.
Mas, segundo a advogada Maria Isabel Tancredo, que atua no caso, foi preciso ingressar com uma ação na Justiça para que o plano de saúde autorizasse a transferência.
“Infelizmente, esse é um cenário que se repete e faz múltiplas vítimas como Julio. As famílias, com muito esforço, pagam os planos de saúde para, no momento que mais precisam, encontrarem duas portas: uma, fechada, a negativa constante dos tratamentos necessários aos pacientes; e a outra leva a instituições precárias, nas quais os pacientes confiam por serem credenciadas pelo plano de saúde, mas que os expõem a graves riscos e falhas", considera a advogada.
Em nota, o Hospital Casa de Portugal afirma que "os fatos apresentados não condizem com a realidade, sendo certo que serão amplamente discutidos e comprovados na esfera judicial". (Veja a nota na íntegra ao final do texto.)
Segundo a unidade de saúde, as complicações que o jornalista sofreu foram decorrentes da cirurgia feita por uma equipe odontológica externa ao hospital, e que a permanência no Hospital Casa de Portugal durou apenas três dias.
"Ressalte-se que todos os procedimentos cabíveis e adequados ao hospital foram realizados em prol do restabelecimento da saúde do paciente e lamentamos o desfecho de sua cirurgia eletiva. E que seguimos todas as normas de controle de infecção e cirurgia segura", complementa a nota.
A Bradesco Saúde disse, por meio de nota, que não se pronuncia sobre casos em andamento na Justiça.
Nova jornada
De tudo o que Julio perdeu, nada se compara à tristeza de não ter podido estar com sua esposa, Maíra, na sala de parto no momento de nascimento do filho dos dois. A chegada do pequeno João ao mundo aconteceu depois de muito planejamento, mas também coincidiu com um dos momentos mais difíceis para o seu pai.
“Veio no momento que a gente queria, no momento certo e eu sempre sonhei em ser pai. A gente fica pensando como vai ser pegar o meu filho pela primeira vez no colo, ter ali aquele contato. Eu não pude acompanhar o parto dela porque eu ainda estava colonizado com a bactéria. Então, acompanhei por videochamada e isso é algo que me dói”, conta Julio.
Além das descobertas da paternidade por si só, Julio conta que enfrenta “os desafios de um pai amputado”. “Eu perco um pouco de agilidade, mas fora isso, eu acho que sou o melhor pai possível para ele”, afirma.
Para se adaptar às amputações, o jornalista agora usa uma prótese na perna esquerda e precisou fazer modificações na casa em que mora. Ele estima ter gasto em torno de R$ 150 mil, entre tratamentos diversos e adaptações. Os gastos, inclusive, devem se manter constantes.
“A prótese tem um prazo de 4 ou 5 anos. Então, de tempos em tempos, eu vou ter que trocar a prótese, é um valor altíssimo. E, para além disso tudo, eu fiquei desempregado, estou vivendo com auxílio-doença e perdi qualidade de vida. Eu acho que o nascimento do filho é algo que não se mensura em valores. O que eu espero é Justiça diante de tudo o que eu sofri”, afirma Julio ao explicar porque decidiu levar o assunto para o judiciário.
Leia a nota do Hospital Casa de Portugal na íntegra:
"O Hospital Casa de Portugal esclarece que os fatos apresentados não condizem com a realidade, sendo certo que serão amplamente discutidos e comprovados na esfera judicial.
Trata-se de paciente admitido para cirurgia eletiva realizada por equipe odontológica externa de sua preferência e escolha, que sofreu complicações decorrentes do procedimento, permanecendo nas dependências do nosocômio por 3 dias, com posterior transferência para outro hospital para realização de ECMO.
Ressalte-se que todos os procedimentos cabíveis e adequados ao hospital foram realizados em prol do restabelecimento da saúde do paciente e lamentamos o desfecho de sua cirurgia eletiva. E que seguimos todas as normas de controle de infecção e cirurgia segura.
Reiteramos ainda que em respeito ao paciente e ao sigilo médico, maiores esclarecimentos serão prestados pela via adequada.
O Hospital Casa de Portugal reafirma seu compromisso com todos os seus usuários prestando um serviço de qualidade voltado ao restabelecimento da saúde de seus pacientes."