Cérebro multitarefa: sinal de produtividade ou sobrecarga?
Neurologista discute se a capacidade de fazer diversas coisas ao mesmo tempo é indício de um cérebro em evolução - ou está mais para maldição
Vivemos a era do "fazer tudo ao mesmo tempo". Da obrigação de estar online o tempo todo. Enquanto respondemos a e-mails, somos interrompidos por notificações do celular, saltamos para uma reunião online e, em questão de minutos, já estamos assistindo a um vídeo curto ou revisando um relatório. Isso sem falar quando estamos assistindo televisão e usando o celular ao mesmo tempo ou quando usamos mais de uma - ou até mais de duas - telas para trabalhar. Há quem considere isso um superpoder contemporâneo: a capacidade de ser multitarefa.
Mas será que nosso cérebro foi feito para trabalhar assim?
O mito do cérebro multitarefa
Neurocientificamente, a resposta é clara: não existe um "cérebro multitarefa" eficaz. O que chamamos de multitarefa é, na verdade, alternância rápida de atenção — um processo que os neurocientistas chamam de switching cognitivo. A cada troca de foco, gastamos tempo e energia mental para "reconfigurar" circuitos cerebrais e retomar o raciocínio interrompido.
Estudos de imagem cerebral, como ressonância magnética funcional, mostram que áreas envolvidas no controle executivo, especialmente o córtex pré-frontal, precisam se engajar toda vez que mudamos de tarefa. Isso gera um verdadeiro custo cognitivo. Um experimento clássico, realizado na Universidade de Stanford, mostrou que pessoas consideradas "multitarefas crônicas" tinham desempenho pior em testes de atenção e memória do que aquelas que se dedicavam a uma tarefa por vez.
O custo oculto de ser multitarefa: fadiga mental e estresse
O cérebro humano não funciona como um processador de computador com núcleos paralelos independentes. Ele precisa priorizar e filtrar informações. Quando forçamos múltiplas demandas simultâneas, elevamos os níveis de estresse e de cortisol, o hormônio do estresse, o que, a longo prazo, pode impactar a memória, o humor e até a saúde física.
Outro efeito comum é a fadiga mental. Ao realizar muitas atividades ao mesmo tempo, temos a ilusão de sermos produtivos, mas perdemos profundidade de raciocínio. No fim do dia, nos sentimos mentalmente exauridos, mesmo sem ter avançado tanto em tarefas complexas.
Tecnologia que sobrecarrega
Hoje, a tecnologia potencializa essa sobrecarga. Se antes ficávamos concentrados em uma única tarefa digital por cerca de dois minutos, hoje a maioria das pessoas fica menos de 30 segundos - especialmente quando o assunto é consumir vídeos.
Redes sociais, aplicativos de mensagens e plataformas de vídeo disputam nossa atenção o tempo todo. Mas, o sistema de recompensa cerebral, que libera dopamina a cada estímulo novo, nos mantém presos a esse ciclo de alternância constante, numa busca incessante por novidade e prazer imediato.
É uma armadilha neurobiológica: quanto mais pulamos de estímulo em estímulo, mais treinamos nosso cérebro a ficar impaciente. É por isso que muitas pessoas hoje relatam dificuldade em ler um livro inteiro, assistir a um filme sem checar o celular ou manter foco em conversas longas.
Produtividade não é sinônimo de sobrecarga
Isso significa que precisamos evitar toda e qualquer alternância de tarefas? Não necessariamente.
Algumas pessoas conseguem lidar melhor com tarefas paralelas simples, desde que não exijam alta carga cognitiva. O perigo está em misturar tarefas que pedem concentração profunda, como analisar dados, escrever textos complexos ou tomar decisões importantes, com interrupções constantes.
A boa notícia é que podemos treinar nosso cérebro para se proteger desse excesso. Estratégias simples ajudam:
- Monotarefa consciente: Dedicar blocos de tempo a uma única atividade, afastando distrações.
- Higiene digital: Silenciar notificações, limitar redes sociais a horários específicos.
- Intervalos regulares: Pausas curtas ajudam a recuperar energia mental.
- Sono adequado: O sono consolida a memória e restaura as funções cerebrais.
- Mindfulness: Técnicas de respiração e atenção plena reduzem a ansiedade e melhoram o foco.
Como equilibrar potencial e risco
Nunca tivemos acesso a tanta informação, ferramentas digitais e possibilidades de conexão. Mas nosso cérebro é essencialmente o mesmo que ajudou nossos ancestrais a sobreviver na savana: preparado para focar, mas também vulnerável a distrações.
A questão central é equilíbrio. A multitarefa pode parecer um símbolo de eficiência, mas, do ponto de vista neurocientífico, muitas vezes representa apenas dispersão e fadiga. Saber quando focar e quando descansar é hoje não só uma questão de produtividade, mas também de saúde mental.
No fim das contas, produtividade real não é fazer tudo ao mesmo tempo, mas fazer o que importa com presença e qualidade. O cérebro agradece.