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Conectados e em risco: como as apostas online seduzem (e prejudicam) os idosos

Médico geriatra reflete como a busca por conexão e vínculo deixa esse grupo especialmente vulnerável às plataformas de apostas

21 nov 2025 - 10h12
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Recentemente, um artigo de Cecília Galetti e Hermano Tavares, publicado na Revista da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, me inspirou a escrever estas linhas. O texto deles aborda um tema delicado e urgente: o avanço das apostas e jogos online entre pessoas idosas.

Durante muito tempo, acreditou-se que a internet era um território de jovens — uma fronteira tecnológica distante demais para quem nasceu antes da era digital. Mas os dados mais recentes do IBGE desmontam esse mito: em 2023, 66% das pessoas idosas no Brasil já usavam a internet, contra apenas 24,7% em 2016. E, entre as que acessam, 86,5% o fazem todos os dias, principalmente pelo celular.

Ou seja, o envelhecimento brasileiro é cada vez mais digital. E, junto com essa conectividade, surgem também novas vulnerabilidades. Uma pesquisa citada no artigo revelou que 14% dos brasileiros apostadores online tinham 60 anos ou mais - proporção praticamente igual à de pessoas idosas na população geral.

Nesse contexto, é fundamental refletir sobre os motivos que levam cada um a jogar - algo que, quando infiltrado no cotidiano, raramente é sobre sorte. Como lembram Cecília e Tavares, muitos idosos jogam para aliviar o estresse, o tédio ou a solidão, tentando escapar, em alguns casos, de perdas relacionadas a um luto, à aposentadoria ou até a outros tipos de dores.

E, infelizmente, a solidão é um dos grandes desafios do nosso século - para ter ideia, quase metade dos idosos brasileiros refere se sentir sozinha frequentemente, e isso está fortemente associado à depressão. Assim, plataformas de apostas — com luzes piscando, sons de vitória e promessas fáceis — podem parecer um refúgio acolhedor. Mas, na verdade, são uma armadilha sofisticada.

Outro ponto crucial para se debater nesse cenário é o valor despendido nessas operações: um levantamento do Banco Central feito com os valores gastos por idosos via pix revelou que eles chegavam a gastar 30 vezes mais do que os jovens de 20 a 30 anos, o que abre mais uma porta de possíveis problemas. Isso porque indivíduos idosos com prejuízo financeiro apresentam uma maior dificuldade de recuperação de sua renda, por conta do valor geralmente baixo recebido nas aposentadorias, da dificuldade de reinserção no mercado de trabalho e, em muitos casos, das famílias que dependem deles financeiramente.

É um círculo vicioso, já que a pessoa idosa aposta para esquecer a tristeza, perde dinheiro, sente-se mais triste — e aposta de novo. É importante destacar ainda outros tipos de prejuízos: o jogo compulsivo está associado ao sedentarismo, ao estresse contínuo e à piora da saúde física, favorecendo quadros como a perda de massa muscular, que fragiliza e pode favorecer a dependência funcional.

Qual a saída?

Este texto não é sobre proibir, punir ou moralizar. É sobre escutar e cuidar. É sobre perceber que, muitas vezes, por trás da tela do celular há alguém que só queria conversar, se sentir útil, ou encontrar um motivo para acordar no dia seguinte. Dessa forma, respeitar a voz da pessoa idosa, garantir seu protagonismo ao mesmo tempo que caminhamos para uma maior conexão digital são trajetórias necessárias.

O futuro — esse que ainda podemos desenhar — precisa incluir políticas públicas, campanhas de conscientização e espaços de convivência que acolham e deem sentido à vida. Precisamos olhar para as pessoas idosas não como vítimas da tecnologia, mas como cidadãos conectados, que merecem acesso, segurança e respeito.

E como sempre gosto de unir alguma reflexão com um filme, lembro de Quem Quer Ser um Milionário?, de 2008. Nele, um jovem indiano, pobre, cheio de vulnerabilidades, chega ao programa de TV "Quem Quer Ser um Milionário?" e começa a acertar todas as perguntas. O público vibra, o apresentador duvida e nós, espectadores, torcemos para que ele ganhe o prêmio. Mas o que move Jamal, o protagonista, não é somente dinheiro. É a esperança de reencontrar alguém que ele perdeu.

É inegável que em nossa sociedade desigual, que muitas vezes não respeita as pessoas idosas, o desejo de muitos pode ser genuinamente o de ganhar um dinheiro para melhorar a vida. Mas, assim como Jamal, o jogo pode ser mais um sintoma da exclusão e violação de direitos e o antídoto talvez esteja naquilo que nenhuma aposta pode comprar: vínculo, presença e pertencimento.

Estadão
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