"Brasileiro precisa brigar mais", diz chef sobre preço de pratos
Claudemir Barros, chef e proprietário do restaurante Wiella Bistrô, em Recife, defende a valorização dos ingredientes do País
Cactos, raízes, folhas. Tudo isso vira alta gastronomia nas mãos de Claudemir Barros, chef e proprietário do restaurante Wiella Bistrô, em Recife, Pernambuco. Com passagens em restaurantes como Emiliano, D.O.M e Casa Marcelo (em Santiago de Compostela), ele atualmente busca popularizar ingredientes do sertão que servem para matar a fome do nordestino.
Em entrevista exclusiva ao Terra, ele falou sobre a necessidade de o brasileiro conhecer mais os próprios ingredientes e também em demonstrar mais sua insatisfação na hora de pagar a conta. “O brasileiro precisa falar mais, brigar mais”, disse, afirmando que o ato de reclamar é o que gera mudanças.
Convidado do Semana Mesa São Paulo na última terça-feira (05) e, ele cozinhou umbu, facheiro (cacto), macaíba e gogóia – a fruta que ficou famosa na música de Gal Costa, mas para a maioria dos brasileiros ainda é pouco conhecida.
Saiba mais sobre o trabalho do chef na entrevista abaixo.
Terra: Como foi a concepção dessa sua palestra, com ingredientes do sertão pouco explorados?
Claudemir Barros:
Eu quis trazer coisas que não são muito comuns no nordeste. Então fui atrás de ingredientes que mataram a fome do sertanejo, que existe um preconceito, mas estão salvando vidas lá no sertão. Então por que não valorizar eles? Essa é nossa homenagem ao sertão, para dizer para o Brasil que somos ricos.
Terra: Fale um pouco sobre alguns dos ingredientes que vocês estão divulgando.
C.B.:
O umbu tem uma carnosidade que mata a fome do nordestino e dentro dessa raiz existe uma quantidade de água. Então o sertanejo ia para essa árvore, cavava essa raiz, tomava essa água e comia o fruto. No sertão, também se queima muito facheiro (cacto) para dar para o boi. Então eles não aceitam dizer que comem isso, têm vergonha de falar. Para eles não é legal porque é comida de boi. Então a gente foi atrás deste caule para mostrar a valorização dele e o que ele pode fazer pela gastronomia.
A folha do umbu eles usam para fazer doce, como salada, como ingrediente no feijão, para fazer chá para cura de algumas doenças. Também fomos atrás da macaíba, que está salvando crianças no nordeste, porque é polivitamínica.
E tinha a música de Gal Costa que falava da Gogóia. Me despertou uma curiosidade e no interior a gente descobriu que mata a fome de famílias. É uma fruta selvagem.
O objetivo é mostrar que o Brasil não é só rico no Amazonas. Eu precisava valorizar o meu estado, a minha terra, e a minha terra é o nordeste. Eu vim provar que sertão tem pérolas da gastronomia.
Terra: Se estes ingredientes ainda são pouco explorados, o que seria mais reconhecido atualmente na cozinha pernambucana?
C.B.:
O que Pernambuco tem de bom são raízes como inhame, macaxeira, jerimum. Também tem carne de sol, carne de charque e o chambaril que é muito conhecido no nosso nordeste.
Terra: Atualmente, o que você classificaria como o principal diferencial de vocês?
C.B.:
Pernambuco é o estado que está valorizando de uma maneira estrondosa os ingredientes nordestinos. A gente não pode dizer que Pernambuco tem uma particularidade de um ingrediente. Porque são ingredientes nordestinos, você vai encontrar ele na Bahia, em Fortaleza, em qualquer outro estado. Agora Pernambuco é o estado que está brigando para que isso venha à tona.
Terra: Você acha que o brasileiro ainda conhece pouco seus ingredientes?
C.B.:
A gente não conhece nada do Brasil, a gente não se descobriu ainda. Existem ingredientes no sertão que ninguém conhece aqui. A macaíba quase ninguém conhece, assim como o umbu. O Brasil não é só caju. O Brasil é um cacto, uma raiz de umbu. Nós comemos por uma necessidade. E essa necessidade fez com que a gente descobrisse outros ingredientes.
Terra: Na sua opinião, o que falta para sermos os primeiros do mundo na área de gastronomia?
C.B.: Precisamos deixar de ser preconceituosos. Por exemplo. O Alex (Atala) para mim é o ápice do ápice. Eu tenho motivos para dizer isso porque há anos eu fiz estágio com ele, conheço ele muito bem. Quando ele ganhou 4º do mundo, colegas nossos estavam gritando que ele não merecia. Então se eu não acho que ele merece, o que eu mereço? O que o meu país merece?
Eu falei bem agora posso falar mal dele (risos). Formiga? Comer formiga? (Alex Atala utiliza formigas como ingrediente). Só que aquela formiga que achamos um absurdo estar ali no prato, ela é também usada para fazer a coloração dos iogurtes de morango. Então aquela formiga tem um valor. O brasileiro precisa se abrir. Se fôssemos abertos, não vaiaríamos um brasileiro que chega em 4º lugar do mundo, a gente ia era se entristecer que ele caiu para o 6º lugar.
As pessoas têm que entender que a gastronomia não se faz só. Se Alex sobe, ele não traz visibilidade só para ele, traz para o Brasil. Com isso, as pessoas vão querer vir para o Brasil, conhecer o que o seu estado tem e o que o meu estado tem. E as pessoas hoje estão brigando por uma posição que não precisa. Tem que ter alguém, que seja ele. Ele é quem vai abrir a porta: já levou muitos, e vai levar mais.
Terra: Muita gente anda reclamando dos preços praticados em São Paulo. Você teria como comparar, em termos de custo X benefício, com a gastronomia em Pernambuco?
C.B.: São Paulo é muito caro, caríssimo. Só que em Recife também tem restaurantes caros. O que precisa é o cliente ter essa sacada. Se vou em um restaurante, ele é caro e a comida não é boa, eu faço duas coisas: a primeira é reclamar, porque a reclamação faz com que venha uma mudança. E a segunda é procurar outro melhor.
Então que os restaurantes são caros, eles são. Agora, tem outra: está caro? É bom? Reclama. Porque às vezes o menu é custeado por uma ficha técnica. E às vezes ele é custeado por causa de uma fama.
O brasileiro precisa falar mais, brigar mais. Você não precisa brigar, mas pode dizer gentilmente que a comida está muito cara. Você não precisa chamar o chef, mas se você falar com o garçom, ele vai repassar aquilo adiante.