Luxúria: do jeito que o diabo gosta
Salve, salve!!! Salve-se quem puder.
Quem nunca gostou ou gosta de uma sacanagem?! Sacanagem no sentido sexual e não na arte de passar a perna ou fazer mal a alguém.
A definição deste sétimo e último Pecado Capital da série diz que: "A luxúria, lascívia ou libertinagem é o pecado associado aos desejos sexuais. Para os católicos, esse pecado tem a ver com o abuso do sexo ou a busca excessiva do prazer sexual. O oposto da luxúria é a pureza ou o oposto da virtude da castidade".
Das passagens bíblicas que tratam desse pecado, uma das mais incisivas é a que está em Gálatas 5:19: "Ora, as obras da carne são manifestas: imoralidade sexual, impureza e libertinagem."
Em Colossenses 3:5-6, há outra referência: "Assim, façam morrer tudo o que pertence à natureza terrena de vocês: imoralidade sexual, impureza, paixão, desejos maus e a ganância, que é idolatria. É por causa dessas coisas que vem a ira de Deus sobre os que vivem na desobediência".
Um pecado muito bem definido na Bíblia, inclusive passível de punição divina aos libertinos.
Imagine o que pensariam um beato, um religioso, uma carola crente ou um evangélico ao ler esta notícia: "Padre é preso suspeito de roubar R$ 617 mil de igreja e gastar com festas e drogas. A polícia está ouvindo centenas de pessoas que supostamente teriam participado das orgias, além de paroquianos e outros membros da igreja..."
A teoria na prática é outra, já dizia o poeta. A carne é fraca, sempre foi e será desde os tempos imemoriais.
A luxúria nasceu com Adão e Eva ainda no Paraíso, seduzidos pela Serpente. Reza a lenda jamais confirmada que morderam a maldita maçã, rolaram na relva e saíram de lá molhados e satisfeitos. Desde então, a Humanidade nunca mais foi a mesma.
A moda atual é o chemsex – do inglês chemical sex –, ou orgias sexuais sob efeito de drogas durante um longo período de tempo. São maratonas sexuais à base de metanfetamina hoje facilitadas pelos aplicativos de encontros.
Eu nunca tinha ouvido falar disso, mas é o que nos conta o João Batista Jr. na Piauí Nr. 199 de Abril/23. Segundo a revista, o conceito de chemsex (sexo químico, numa traducao literal) foi criado pelo assistente social e ativista australiano David Stuart no começo dos anos 2000 e é restrita a quem usa, com fins exclusivamente sexuais, as seguintes drogas sintéticas: metanfetamina, mefedrona e GHB (usada no golpe do Boa Noite, Cinderela). A metanfetamina, cujo uso é proibido no Brasil, induz a um estado de euforia e intensifica a sexualidade. O GHB, sigla de gama-hidroxibutirato, também aumenta a libido e, quando ingerida em excesso, pode ser fatal.
Carnabelô, a micareta da Luxúria
No início da minha juventude, no final dos anos 1990 e início dos 2000, luxúria significava ir na Micaronte, a primeira micareta de Belo Horizonte, pra tentar beijar o máximo possível. Sexo nao era tao fácil assim, pelo menos pra mim, menino tímido que se transformava num diabo da Tasmânia quando alimentado com os líquidos certos... ou errados.
Depois o movimento se transformou em Carnabelô, se profissionalizou e se espalhou Brasil afora. Com toda certeza começou na Bahia, onde mais? Cheguei a ir num Carnaberaba, o carnaval fora de época de Uberaba. Dirigi 600km com um amigo pra ir andar atrás de trio tentando pegar mulher... deprimente. A Festa da Marcinha na mesma “Beraba” era muito melhor e mais divertida.
Nos carnavais de verdade, a luxúria comia solta, a céu aberto e em plena luz do dia. Mas na minha realidade era muito menos do que eu sonhara. Quando moleque, assistia aos bailes de carnaval na Band e Manchete imaginando ansioso quando seria minha vez. A telinha mostrava na alta madrugada o Baile da Ilha Porchat com uma horda de mulheres semi ou totalmente nuas, suadas, bebendo, sambando, beijando e metendo. Elas não perdiam por esperar!
Finalmente chegou a minha vez. Meu primeiro carnaval marcante com a galera foi em 1992. Fui pra São João del Rey onde morava um tio, irmão de meu pai, e que por lá vive até hoje e na mesma casa. Os dois primos também estao lá, firmes e fortes feito prego no angu.
Choveu quase todos os dias. O ponto de encontro era a cantina italiana cujo dono era amigo do meu tio e do Tancredo Augusto, filho do quase Presidente. A turma de amigos da minha irmã, uns 2 a 3 anos mais velhos, estava em outra casa. Um muquifo barato alugado bem longe da confusão. Eu estava no veludo e no conforto da família, mas, na prática, também longe da confusão.
Recebemos reforços de um outro primo com dois amigos, fiéis escudeiros do tempo de CPOR. Duas máquinas sanguinárias e imparáveis de beber e gandaiar. Um tinha Madeira no sobrenome, mas nem motosserra o derrubava.
Meu tio me deu uma cópia da chave de casa pra me deixar independente. Numa fatídica noite carnavalesca, deixei a chave com um dos primos. É claro que me perdi da galera. Nessas horas a Lei de Murphy é implacável e mais forte do que a Lei da Gravidade.
Um revertério intestinal me travou nas quatro. Não tinha pra onde ir. Tudo imundo e sem papel. Resolvi voltar pra casa na esperança de pegar meu tio ainda acordado, já que não era tão tarde da noite.
Da gandaia pra casa dele eram uns 500 metros, talvez mais. Parecia ser uma maratona. Me sentia como aquela corredora em Los Angeles 1984, arrastando pela rua, escorando nos postes, suando frio e rezando praquela agonia acabar logo.
Cheguei, toquei a campainha 20 vezes e nada. Esmurrava a porta quando, entre um soco e outro, ouvi o ronco sinfônico do meu tio. Estava no décimo sono e nem um terremoto o acordaria.
Dei a volta no sobrado de dois andares, eles moravam no segundo. Vi uma grade metálica que dava pro quintal deles. Até hoje não sei como, naquelas circunstâncias terríveis com uma dor de barriga infernal, consegui escalar a grade e pular para o outro lado.
Consegui me escorar na parede e eliminar todo aquele mal, exonerando as energias ruins até o último fio de cabelo da quinta geracao.
No meu primeiro Carnaval, o máximo de Luxúria que consegui foi uma caganeira histórica.
Para ver e ler
Filmes: Nao chega a ser luxúria, mas como tem sexo e traicao me veio à mente “Infidelidade”, com Richard Gere e Diane Lane. Numa época quando o cinemão americano ainda fazia bons filmes e histórias bem costuradas, aquele desejo não reprimido teve consequências trágicas.
Depois, me veio uma imagem da Uma Thurman novinha vestindo um terno e segurando um cigarro com aquele charme só dela. “Henry & June”, o triângulo amoroso passado em Paris entre o escritor americano Henry Miller, sua esposa June e a amante, Anais Nin.
Em “Irreversível”, do diretor argentino Gaspar Noé, a cena do estupro da- bela Alex (Monica Belucci) é fortíssima. Uma das mais pesadas do cinema. Ali não era só luxúria, mas uma violência brutal seguida por óbvia vingança do então namorado da vítima Marcus (Vincent Cassel) e Pierre (Albert Dupontel), o ex-namorado.
Luxúria com L maiúsculo, desejo, sacanagem e “o abuso do sexo ou a busca excessiva do prazer sexual”,como na definicao lá de cima, temos mesmo no clássico “9 ½ Semanas de Amor”.
Jamais veremos mulher tão bela como Kim Basinger e cena mais icônica como aquele strip tease no apartamento ao som de Joe Cocker com um jogo de luzes da persiana fabuloso.
Nós, adolescentes da época, crescemos querendo ser o Mickey Rourke. Ou pelo menos ter sido aquele chapéu usado pela musa.
Livro: A Casa dos Budas Ditosos – João Ubaldo Ribeiro (1999). Essa mulher foi uma máquina de prazer.
Pouco me lembro da história supostamente narrada pela misteriosa e arretada baiana Norma Lúcia. João Ubaldo conta ter recebido um pacote contendo a transcrição datilografada de várias fitas K7, gravadas por essa mulher, agora uma senhora de idade. Ela teria enviado seus relatos para que fossem usados no volume sobre luxúria da distinta coleção Plenos Pecados.
O escritor aceita de bom grado o material e nos entrega um relato pouco comum, chocante, irônico e instigante da vida devassa vivida pela então jovem Norma Lúcia narrada em riqueza de detalhes.
Me lembrei do tio dela e do próprio irmão e de como satisfazia a ambos de bom grado na biblioteca da casa deles.
Dizem que o livro ajudou a turbinar o empoderamento feminino do início dos anos 2000, pois joga na cara da sociedade machista que as mulheres podiam fazer, escrever e falar sobre o que quiserem, sem que isso fosse um empecilho para suas vidas.
Fato é que este “olhar pelo buraco da fechadura", como disse o próprio autor, conquistou um número imenso de leitores e incomodou os moralistas de plantão. O livro rapidamente se tornou um clássico da literatura erótica.
Livro: A Vida Sexual dos Papas – Nigel Cawthorne (2002). A Luxúria comia solta na Santa Sé.
Eu ia recomendar apenas um livro mantendo enxuta esta edição, mas me lembrei desta obra sui generis. Já passei a mão nele umas duas vezes pra ler, mas sempre acabo devolvendo à estante da matriarca.
Se hoje em dia você se escandaliza com as acusacoes de pedofilia e homossexualismo dos padres, nao faz ideia do que já rolou sob os lencois da amável e puritana Igreja Católica.
Os papas do passado praticaram todo tipo de libertinagem. Muitos se casaram enquanto outros, por trás do manto do celibato, instalaram suas amantes no Vaticano e promoveram seus filhos ilegítimos, ou 'sobrinhos', como são conhecidos à boca pequena na Igreja.
O jornalista britânico Nigel Cawthorne revela no livro "A Vida Sexual Dos Papas", corajoso e bem-humorado, as aventuras secretas - ou, às vezes, inteiramente públicas - vividas por pontífices de uma Roma dissoluta que ao mesmo tempo impunha a toda a Cristandade as obrigações da castidade.
A decadente corte papal de Avignon, as noitadas promovidas pelos Bórgia em Roma, a luxúria dos tempos de Leão X, Alexandre VI, Clemente VII, Gregório XIII e tantos outros, num mundo de orgias onde tudo valia, desde que significasse ter ou dar prazer.
(*) Pedro Silva é engenheiro mecânico pela PUC/MG, PhD em Materiais pelo Max Planck Institut de Düsseldorf, vive em Viena na Áustria, já esgotou sua cota de lascívia nessa Vida e escreve semanalmente a newsletter Alea Iacta Est.