PUBLICIDADE

Racismo na infância: Como criar crianças livres de preconceito?

Grupo 'Criando Crianças Pretas' ensina como lidar com o tema com os pequeninos

18 nov 2019 - 14h10
(atualizado às 14h37)
Compartilhar
Exibir comentários

"Mãe, por que as empregadas são negras?", "Por que a criança que está pedindo dinheiro no farol é negra?", "Pai, por que não tem boneca negra na loja?". Essas são algumas perguntas que podem pegar os adultos de surpresa. Em pleno século 21, a sociedade ainda precisa aprender a lidar com essas situações.

Para despertar consciência racial nas crianças é preciso antes trabalhar o racismo com os adultos. Mas seria possível criar os pequeninos livres de preconceito?

Vendo a necessidade de tocar no assunto, as comunicadoras e amigas Deh Bastos e Paula Batista criaram o grupo Criando Crianças Pretas.

A ideia surgiu durante o aniversário de um ano de José, filho de Deh.

"No ano passado, meu filho fez um ano. Eu tenho um casamento interracial: eu sou negra e meu marido é branco. Sentia que cada vez mais estava afastada a oportunidade do meu filho se conectar com uma consciência racial e encontrar a negritude dele. Daí fiz praticamente uma festa política: o tema era 'O Pequeno Príncipe Preto no reino de Wakanda' (uma referência ao país fictício Wakanda, na África, presente nos quadrinhos da Marvel), a lembrancinha era um livro para as crianças colorirem, com referências da história, ciência, música e arte para as crianças conhecerem esses personagens", lembra.

Foi então que Paula, que é mestre em Divulgação Científica e Cultural pela Unicamp, sugeriu a criação do grupo. "Eu sou mãe, a Paula é madrasta, mas somos duas ex-crianças pretas. Encontramos uma falta de conteúdo para crianças negras, como lidar com a questão da negritude com as crianças", afirma Deh Bastos.

Deh Bastos e Paula Batista, fundadoras do 'Criando Crianças Pretas'.
Deh Bastos e Paula Batista, fundadoras do 'Criando Crianças Pretas'.
Foto: Divulgação/Criando Crianças Pretas / Estadão

A maioria dos comportamentos de um indivíduo é aprendido, ou seja, assimilado ao longo das experiências de vida e leva em consideração a convivência com o outro. Estudiosos do tema afirmam que o racismo é estrutural e que, de acordo com a Organização dos Estados Americanos (OEA), está intrínseco nas sociedades ocidentais.

No Brasil, o racismo existe desde os primórdios, com a colonização e o estabelecimento de um regime escravocrata. A população negra era vista como mercadoria e ferramenta de trabalho.

Séculos de preconceito não mudam se o diálogo entre as pessoas não se fortalecer. Assim, o papel do Criando Crianças Pretas pode ser considerado como uma rede de comunicação anti-racista. "Não é só em novembro. Nós também estamos vivos e sofrendo racismo durante todo o ano", ressalta Deh Bastos.

Eu não sei você, mas eu queria muito que meus pais me falassem sobre #racismo, sobre como nossa a #sociedade é #racista e me explicassem que algumas coisas, das MUITAS situações que eu passei, não eram culpa minha e, sim do sistema racista em que vivemos, isso teria tirado um peso enorme das minhas costas e aliviaria a culpa que senti a infância inteira quando faziam eu me sentir inferior. . Queria também que eles me ensinassem a ter #orgulho de ser #negra. De ser desentende de africanos e de um #povo que foi escravizado e não desanimou, lutou e #luta até hoje para viver e sobreviver numa sociedade que não queria que nós estivéssemos aqui. . Eu queria que eles dissessem que meu #cabelo é #lindo e não que meu cabelo é difícil de pentear e desembaraçar. . Também queria que eles me dessem #bonecas pretas e me colocassem para assistir desenhos com personagens pretos ou programas em que 1 (uma já era suficiente), apresentadora, ajudante de palco ou 'paquita' fosse #preta. . Eu queria que eles me mostrassem narrativas em que as #mulheres e os homens pretos fossem importantes e não somente empregados. . Tudo isso me faria mais #feliz e em #paz! . Enfim, nem eu nem você podemos nascer novamente, mas podemos fazer diferente com quem tá nascendo agora! . Topa caminhar com a gente nessa caminha para fazer a #infância de nossas crianças pretas mais humana, afetuosa, alegre e suave? Simbora! Conta aqui nos comentários o que tem feito para tornar a infância das suas crianças mais feliz. . ?????? texto @paulacarolmv . #criandocriancaspretas #racismomata #racismonao #antiracista #antiracismo #vidasnegrasimportam #racismo #racismoestrutural #culturaebelezanegra

Uma publicação compartilhada por Criando Crianças Pretas (@criandocriancaspretas) em

O racismo no adulto

De que adianta falar sobre o tema com as crianças se elas são essencialmente criadas por adultos, sobretudo na primeira infância? Por isso, o grupo Criando Crianças Pretas promove bate-papos em escolas, empresas e instituições.

"Nós temos uma consultoria de comunicação anti-racista para promover esses diálogos sem dor. Nem dor para o negro, por motivos óbvios porque a história dói, e nem para os brancos, que muitas vezes querem falar sobre o assunto e têm medo de falar, não se sentem seguros, medo de falar alguma coisa que tá errado, de agredir. A gente precisa assumir o racismo nosso de cada dia", enfatiza Deh Bastos.

O trabalho com os adultos brancos é no sentido de ampliar o espaço de reflexão sobre o racismo e, com pais negros, oferecer informações práticas como: como cuidar do cabelo, da pele, abordar sobre os termos, dar indicação de livros, animação e filmes. "Esse trabalho que fazemos é para adultos, porque são os adultos que educam as nossas crianças e só há esperança nas crianças", diz a comunicadora.

Você consegue se lembrar de referências negras na infância, como brinquedos?

Assista ao vídeo:

#teaser lá vem vídeoooooo ?? @deh_bastos e @paulacarolb

Uma publicação compartilhada por Criando Crianças Pretas (@criandocriancaspretas) em

Como criar crianças mais conscientes em relação ao racismo?

Como em todo e qualquer assunto, falar de maneira lúdica e franca com as crianças parece ser o melhor caminho, inclusive quando o tema é racismo. "Nossa premissa número um: dizer sempre a verdade, respeitando a criança como um indivíduo. Claro que com adequação", ressalta Deh Bastos.

A comunicadora dá exemplos de como conversar com as crianças sobre o tema; ouça:

O diálogo vai variar de acordo com o contexto também, segundo a comunicadora: "Principalmente em relação às crianças brancas, procurar nos desenhos infantis personagens negros que foram injustiçados para explicar que a gente vive numa sociedade desigual, que nós não somos todos iguais, lidar com a verdade, mas mostrar para a criança que a gente está trabalhando para ter um mundo melhor. Quando vai falar sobre o quanto nossa sociedade é racista, dizer que as pessoas negras têm menos oportunidades".

Para as crianças negras, a palavra-chave é empoderamento. "Munir essa criança de fortaleza, que ela tenha consciência da ancestralidade dela, da potência da cultura negra, fazer com que essa criança tenha orgulho de quem ela é. Porque é muito difícil uma criança negra num ambiente onde as outras crianças são brancas, ela tem um índice de rejeição é muito alto", avalia.

Referências negras para crianças no lazer e na cultura

Faça um teste: vá até uma loja no shopping ou no próprio corredor de brinquedos de um hipermercado e repare nas bonecas colocadas à venda. Quantas delas são negras? Pode ser que na sua época não havia brinquedos assim.

Em 2019, a caminhada em busca da igualdade nas brincadeiras infantis parece lenta e carente de discussão.

Há três anos, a Mattel lançou uma nova linha de Barbies negras. No entanto, o número de bonecas negras é tímido.

Mattel lançou, em 2016, uma edição da Barbie negra.
Mattel lançou, em 2016, uma edição da Barbie negra.
Foto: Divulgação/Mattel / Estadão

Na primeira infância é mais fácil encontrar desenhos animados que tentam promover a reflexão sobre a diferença entre os povos, como o projeto Grandes Pequeninos ou Mundo Bita.

Assista ao vídeo:

Assista ao vídeo:

Existem outras dicas de animação mais específicas, como o Homem-Aranha negro, inspirado em Peter Parker, ou o canal Comptines D'Afrique, no YouTube, que tem centenas de vídeos animados com músicas africanas.

Assista ao vídeo:

Estadão
Compartilhar
Publicidade
Publicidade