Qual é o segredo dos centenários brasileiros? Entenda o que são os genes protetores
Pesquisadores da USP investigam centenários brasileiros para entender como os genes protetores revelam os segredos de envelhecer com saúde e vitalidade
Viver muito tempo é um desejo antigo, mas viver muito bem é um privilégio raro - e cada vez mais fascinante para a ciência. O Brasil, que hoje abriga mais de 37 mil centenários segundo o Censo de 2022, tornou-se também um laboratório vivo da longevidade.
No Centro de Estudos do Genoma Humano e Células-Tronco da USP, pesquisadores estudam homens e mulheres que chegaram aos 100, 105, 110 anos ou mais com surpreendente vitalidade. O objetivo é compreender o que faz o organismo dessas pessoas resistir ao tempo: quais genes as protegem, como funcionam suas células e que mecanismos permitem que envelheçam com lucidez, força e disposição.
A coordenadora do estudo, a geneticista Mayana Zatz, resume a motivação da equipe: "Por que a gente quer estudar essas pessoas? Porque eles têm genes de resistência. Eles têm genes que a gente chama de genes protetores."
Como funciona a pesquisa
Além de entrevistar centenários e suas famílias, os cientistas coletam amostras de sangue para uma análise profunda do DNA. O diferencial do trabalho brasileiro é a criação de linhagens celulares únicas no mundo: as células do sangue são reprogramadas para se comportar como células-tronco embrionárias.
A partir delas, é possível gerar células musculares, células ósseas, neurônios e organoides (como minicérebros). Esses modelos permitem observar, em laboratório, como funcionam as células de pessoas que desafiaram o tempo.
O grupo já identificou variantes genéticas ligadas à longevidade e à resistência a doenças, inclusive à COVID-19. Uma delas, no gene MUC22, apareceu com frequência duas vezes maior entre os longevos que tiveram infecções leves ou ficaram assintomáticos durante a pandemia.
Os "genes protetores": um escudo biológico natural
As pesquisas mostram que parte dos centenários brasileiros possui variantes raras de genes protetores. Eles fortalecem a imunidade, melhoram mecanismos de reparo do DNA, reduzem danos celulares, protegem contra infecções e inflamações e mantêm o cérebro funcionando por mais tempo.
Mas afinal, envelhecer bem está relacionado à genética ou ao estilo de vida? Segundo a ciência, deve existir um equilíbrio entre os dois fatores, mas ele muda de acordo com a idade. A partir dos 90 anos, a genética pode representar até 80% da longevidade. Fatores como alimentação, exercício e estresse têm peso maior na juventude e na meia-idade.
Dentre os "supercentenários", é comum encontrar pessoas que "fizeram tudo errado" (ou seja, comeram de tudo, fumaram e não praticaram exercícios) e, mesmo assim, chegaram aos 110 anos com saúde. Por outro lado, regiões do mundo chamadas Zonas Azuis (como Sardenha, na Itália, e Okinawa, no Japão) mostram que estilo de vida também importa. Nessas áreas, as pessoas vivem mais porque comem muitos vegetais e poucos ultraprocessados, caminham diariamente, mantêm laços familiares e comunitários e cultivam propósito e rotina leve.