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Pessoas em situação de rua participam de exposição com poemas e prosas em São Paulo durante pandemia

Mostra, que está em estações do metrô, traz obras literárias produzidas por aqueles que estão em vulnerabilidade

2 out 2021 - 15h45
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Transformar em palavras o sofrimento durante a pandemia de covid-19. Esta foi a forma que algumas pessoas em situação de rua encontraram para se expressar, com a criação de poemas, prosas e contos. A produção literária intitulada 'Os desafios de uma pandemia: história que ninguém conta' ficará em exposição nas estações Paulista, Largo Treze, Santa Cruz e São Paulo-Morumbi do metrô no mês de outubro.

Os textos foram feitos para um concurso promovido pelo Arsenal da Esperança, institutição dedicada a dar assistência para pessoas em situação de vulnerabilidade desde 1996.

Neste ano, o desafio foi retratar um período sombrio para o mundo e contar como vivenciaram tudo.

Em maio, 68 pessoas se inscreveram e três ficaram em primeiro lugar: Ezequias F. que, em forma de poema, mostrou a fragilidade de todas; Leandro A. que, em uma crônica, abordou o contágio do amor que a doença trouxe à tona; e Walter T. que, em versos, retratou a dor de quem vive na rua e se vê diante da vulnerabilidade.

A primeira estação a receber o projeto é a São Paulo-Morumbi, da Linha 4-Amarela, entre os dias 2 e 31 de outubro. Além dos textos, a exposição, que tem como curadoras Patricia Strebinger e Deserre Suslick, traz imagens captadas pela fotógrafa Mônica Zanon. Ela registrou, de forma delicada, detalhes das expressões dos acolhidos.

O lançamento oficial do livro também ocorrerá em outubro, na sede do Arsenal da Esperança, localizado na antiga Hospedaria de Imigrantes da cidade de São Paulo.

A obra ficará disponível para venda na sede da Arsenal e, na versão digital, pode ser adquirida na Amazon. Todo dinheiro arrecadado será revertido para as atividades promovidas pelo Arsenal e para construção de trailers de banho itinerantes para pessoas em situação de rua, projeto do Banho da Esperança.

Confira as crônicas, poemas e versos premiados:

Fragilidade, de Ezequias F.

A morte se avizinha, implacável e faminta, indiferente a etnias, classes sociais, faixas etárias, indiferente a tudo.

Ela não é mais abstrata, algo distante, algo que se evitava pensar, algo que quando se manifestava o fazia esporadicamente, sutilmente. Agora ela se faz presente, quase sensível ao toque, obrigando a todos buscarem a segurança de um refúgio.

O refúgio de uma caverna, na qual todos passam a contemplar o mundo através das sombras que se projetam em suas paredes. Sombras estas que refletem a imagem da morte, através do crescente número de Seres que descem às covas.

Covas, quantas covas abertas, covas expostas à luz e aos olhos que as contemplam, através das sombras que dançam nas paredes da caverna.

Sombras que agora expõem a dor, dor que se estampa nos rostos daqueles que perderam Seres queridos, Seres amados, Seres que, por estarem sempre próximos, se tornaram Seres queridos, Seres amados, Seres necessários.

Dor que transfigura rostos, embarga vozes, embota o intelecto, obscurece a razão, rouba a vontade, rouba as energias. Dor que expõe em muitos seres a perda do sentido da vida.

Exausto, chocado com a realidade que se apresenta de forma tão inexorável, buscar asilo em seu íntimo e lá encontra seus afetos em feroz batalha cada qual buscando, através de seus atributos, garantir a sobrevivência do Ser, garantindo portando, sua própria sobrevivência, ante o caos que o mundo lhe apresenta.

Assistes a esta batalha, batalha que ocorre entre seus afetos desde o nascimento do seu Ser, porém, agora, ante um possível aniquilamento, ela tornou-se brutal, pois tudo o que se busca é a continuidade do Ser, a continuidade da Existência.

Continuar existindo, mais um dia, não um mês, não uma década, apenas mais um dia, pois há tantas coisas a fazer, emoções a vivenciar, a exprimir.

Quantos projetos postergados, quantas coisas não ditas, quantos perdões a pedir, quantos abraços a dar, quantos eu te amo a proferir, julgavas ter o tempo à sua disposição. Agora o tempo se esvai, como areia em suas mãos. Acordar amanhã, mais um dia, apenas mais um dia, para este Ser e esta Existência que a cada encontro com o mundo expõe toda sua fragilidade.

O homem da rua, de Walter T.

O homem da rua

caminhava sozinho perdido

calado, entre mágoas sofridas

não tinha destino certo

somente o tempo diria

O homem da rua

olhou através do espelho

dos seus olhos carentes queria...

queria abraçar sua alma

também desejar desejos

O homem da rua

sabia do perigo eminente

dos males, dos vícios, dos medos

da dor, da tristeza... anseios

que viria daqui... ou do Oriente

O homem da rua

trazendo na bagagem lembrança

pode optar pela vida

mesmo que esteja nela contida

um Arsenal de esperança.

O Contágio, de Leandro A.

Final de tarde, ponto final de ônibus, motorista experiente, com seus trinta e dois anos de profissão, atende por nome de Venâncio, muito brincalhão e querido pelos passageiros diários que viajam com ele... Venâncio dentro daquele coletivo já ouvira casos, histórias, piadas, que se perdem em conta, que naquele final de tarde ele iria ouvir a mais bela história que ninguém contou.

Quando enfim ele vai partir, se escuta gritos de uma mulher com um casal de filhos; Espera eu motorista! Espera eu motorista! Venâncio abre a porta a mulher entra e se acomoda ali mesmo, na frente, nos acentos preferenciais.

O motorista Venâncio dá a partida e sai com o ônibus em seu itinerário como de costume.

De repente surge entre os passageiros o assunto mais comentado nos últimos tempos: "Pandemia"

Um jovem rapaz conversando com a namorada diz, a pandemia está matando muita gente, na parte da frente do ônibus a dona Clotilde, já bem conhecida e amiga do motorista Venâncio, reforça o assunto acabou de sair no rádio. Já são mais de 500.000.000. (Quinhentos milhões) de pessoas que morreram nesta Pandemia, e a filha daquela mulher ali na frente deixa todos Boquiabertos com seu comentário.

"Ëu gosto deste contágio." Sua mãe logo a repreende. O que é isso Belinha, de onde tirou isso? E continuou aquela garotinha...Mãe pensa comigo... O senhor Manoel da vendinha da comunidadee pão duro e hoje distribui quentinha, ele já foi contagiado, a associação do bairro distribui Cestas básicas, foi contagiada.

Grandes emprezas doando, se solidarizando, também contagiados, Governos, Estados, Municípios esforçando com auxílios, abrigos, testes, vacinas, etc logo todos mamãe foram contagiados..

Mamãe, a Pandemia desafiou o maior dos contágios da humanidade... o contágio do amor.

O motorista e todos os passageiros em silêncio, alguns com lagrimas, ficaram impactados com a história que a Belinha contou.

O Contágio!

Estadão
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