Inteligência Artificial pode reconfigurar a mente humana? Cientista social responde
De acordo com o especialista, antes da IA, outras tecnologias já causaram alterações cerebrais significativas, fazendo com que os indivíduos perdessem habilidades
É fato que as tecnologias têm o poder de transformar o cotidiano, seja facilitando tarefas da vida profissional e pessoal ou modificando o comportamento. A Inteligência Artificial, por exemplo, popularizou o hábito de interagir com chatbots. Agora, no entanto, cientistas investigam o alcance dessa influência, buscando responder à seguinte questão: será que a IA é capaz de reconfigurar a mente humana a ponto de afetar o pensamento?
Os impactos da IA no cérebro
Em um artigo publicado no 'The Conversation', o professor sênior de Estudos Sociais e Políticos, Antonio Cerella, apontou que pesquisas anteriores já evidenciam alterações cerebrais causadas por inovações. "Estudos mostram que as pessoas que dependem de GPS tendem a perder parte de sua capacidade de formar mapas mentais. Antes do advento da navegação por satélite, os motoristas de táxi de Londres memorizavam centenas de ruas. Como resultado, eles desenvolveram hipocampos aumentados. Essa é a região do cérebro associada à memória espacial", explicou.
A IA, conforme explica o cientista social, provoca um processo mental semelhante. Isso porque, principalmente no âmbito acadêmico, a tecnologia tem sido cada vez mais utilizada para escrever redações, resolver equações ou responder questões discursivas. Esse uso constante acaba reduzindo a reflexão e o pensamento lógico em favor do desempenho e da agilidade. "Muitos professores reconhecem aqueles alunos que produzem textos eloquentes e gramaticalmente impecáveis, mas revelam pouca compreensão do que escreveram. Isso representa a erosão silenciosa da percepção como uma atividade criativa", ressaltou.
Habilidades humanas perdem espaço
Dessa forma, a IA pode gerar efeitos nocivos à mente. Cerella cita um levantamento publicado em 2024 que associa o excesso de confiança na ferramenta à diminuição das capacidades intelectuais das pessoas. Além disso, outro estudo, que avaliou 285 universitários, constatou impactos na tomada de decisões. De acordo com os pesquisadores, os participantes se tornaram "preguiçosos", deixando de utilizar funções cognitivas voltadas ao raciocínio e à análise.
"Quando passamos a confiar excessivamente nessas tecnologias, é provável que deixemos de exercitar habilidades essenciais, como o pensamento crítico e nossa capacidade de usar a linguagem de forma criativa. Os precedentes das pesquisas em psicologia e neurociência sugerem que devemos levar essa possibilidade a sério. Isso não significa que a IA deva ser rejeitada. Para aqueles que já formaram uma relação profunda e reflexiva com a linguagem, essas ferramentas podem ser aliadas úteis - extensões do pensamento em vez de substitutas", orientou.