Crise na hospedagem em Belém pode colocar em xeque as resoluções da COP-30, diz especialista
Para secretário executivo do Observatório do Clima, problema não é a cidade escolhida, mas falta de gerenciamento do governo; Secretaria Extraordinária criada para cuidar da COP diz que conversa com a ONU e plano de acomodação está sendo implementado em fases
A crise nos preços de hospedagem para a Cúpula do Clima das Nações Unidas (COP-30), em Belém, no Pará, pode colocar em xeque as resoluções da conferência, uma das mais aguardadas na última década, segundo o secretário executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini. O governo diz que implementa plano de acomodação de maneira faseada e dialoga com as Nações Unidas, ao mesmo tempo em que negocia alternativas e tentar convencer o setor hoteleiro a baixar os valores.
A crise começou quando parte dos países pediu para que o evento não seja mais em Belém por conta dos altos preços dos hotéis, que chegam a 15 vezes mais do que a média no período da conferência, de 10 a 21 de novembro. Uma carta assinada por 29 pedia a mudança do endereço. Mesmo assim, o embaixador André Corrêa do Lago, presidente da cúpula disse que "não há plano B".
De acordo Astrini, mesmo que o problema seja resolvido antes do evento, que acontece entre 10 e 21 de novembro, o impacto já está posto. Isso porque a maioria dos países precisa de antecedência de cerca de 10 meses para programarem suas participações. E, ainda que todos compareçam, se estiverem em número reduzido de pessoas, como já vem sendo anunciado, isso pode ser alegado para a não adesão aos acordos.
"Um país que acompanha 15 mesas de negociação e tem que cortar esse número, acompanhando só oito, porque não está levando delegado suficiente, ele pode virar para as outras mesas, que ele não pôde acompanhar, e dizer: 'eu não reconheço isso, porque eu não estava lá, não debati. A decisão é contrária ao ponto de vista que eu gostaria de defender, mas não pude apresentar (porque os preços para participar estavam mais altos que o razoável)'", diz.
Na opinião do secretário, que já compareceu a mais de 10 COPs em todo o mundo, o fator que levou ao problema não é a escolha de Belém como cidade-sede, que nunca recebeu evento de tal porte. Mas sim de "falta de gerenciamento" por parte do governo federal.
"Mesmo quando há hotéis suficientes na cidade sede para todas as delegações, é papel do governo fazer um gerenciamento eficaz", diz. "Em várias cidades que tiverem COP, essas intervenções de garantia dos espaços, de hotel, para as delegações são feitas. É o natural a se fazer. Mas não fizeram", diz. "A acomodação é um ponto muito chave, porque ela desencadeia uma série de outras ações que são necessárias, de logística, de segurança etc."
A Associação Brasileira da Indústria de Hotéis do Pará (ABIH-Pa) rebateu as declarações de André Lago, presidente da COP, referentes à disponibilidade e às tarifas de hospedagem para o evento a ser realizado em Belém. "É importante registrar que o embaixador encontra-se mal informado sobre o esforço do setor hoteleiro para atender às demandas apresentadas. No início de junho deste ano, a hotelaria de Belém foi oficialmente solicitada a disponibilizar 500 apartamentos destinados a delegações de países economicamente menos favorecidos, cujos custos são subsidiados pela ONU", disse a entidade, em nota.
O governo do Pará diz que vem adotando soluções para ampliar a oferta de hospedagem em Belém e na região metropolitana durante a COP-30. Além da rede hoteleira já existente, estão em construção novos hotéis, como o Vila COP, que contará com 405 leitos para delegados e líderes.
A União contratou ainda navios para hospedagem flutuante, e escolas da rede estadual estão sendo adaptadas no padrão hostel para receber visitantes.
Em nota, a Secretaria Extraordinária da COP diz que "estão disponíveis 2,5 mil quartos individuais com tarifas fixadas entre US$ 100 e US$600?. Acrescenta que 15 quartos individuais por delegação foram reservados para 73 países menos desenvolvidos, com tarifas de US$ 100 a US$ 200.
Para os demais países, a oferta foi de "10 quartos individuais por delegação, com tarifas entre US$ 220 e US$ 600?, conforme a pasta. "Uma nova reunião está agendada para o próximo dia 11 de agosto, com o objetivo de dar continuidade ao diálogo sobre o conjunto de ações para a realização da COP30. Estarão em pauta temas como acomodação, transporte, segurança, alimentação e outros aspectos essenciais."
Ainda de acordo com Astrini, Belém, por ser uma cidade amazônica e ter uma população que se mostrou muito aberta a receber a conferência do clima, o Brasil tinha condições de fazer "uma COP espetacular".
"É na Amazônia, então a gente tem um fator político que nenhuma outra cidade - a não ser as cidades amazônicas - poderia dar para o evento. E essa foi a razão de se escolher lá, no meu ponto de vista", afirma. "É muito triste o que está acontecendo."