COP-30: ONU pagou em outras cúpulas do clima mais do que o dobro da diária prevista para Belém
Nas últimas 5 conferências, só a última teve valor similar ao do Brasil; órgão das Nações Unidas diz usar como parâmetro custo médio da acomodação no local
BRASÍLIA- A verba paga pela Organização das Nações Unidas (ONU) para que países participassem das últimas cúpulas do Clima (COPs) foi entre 47% e 150% maior do que o valor oferecido pela entidade para subsidiar a vinda das nações para a COP-30, que será em Belém no próximo mês.
Considerando as últimas cinco conferências (Baku, Dubai, Sharm el Sheikh, Glasgow e Madri), só o valor pago no ano passado para Baku (US$ 194), no Azerbaijão, foi semelhante à verba paga para Belém (US$ 197).
Isso significa que, além dos preços altos cobrados pelas hospedagens no Pará, as delegações dos países sofrem ainda com ajuda de custo menor para participar da conferência. Especialistas veem risco de que ausências ou comitivas menores ameacem a legitimidade das negociações da COP - o quórum baixo pode travar até as votações.
Há cerca de duas semanas, após reclamação de diversos países e apelo do Brasil, a ONU, que inicialmente pagaria taxa de US$ 144 para subsidiar delegados que viessem a Belém, aumentou a verba para US$ 197. O valor será repassado a 144 países.
Em nota, a Secretaria Extraordinária para a Cop-30 (Secop), ligada à Casa Civil do governo federal, afirmou que "embora não tenha atendido integralmente a proposta brasileira de elevar o valor ao já praticado em outras capitais brasileiras, ou aplicar auxílio adicional para além da DSA - conforme permitido pelas regras da ONU - esse aumento representa um reforço para apoiar a participação de delegações de países em desenvolvimento" (leia mais abaixo).
Em agosto, a crise de hospedagens em Belém atingiu seu ápice quando foi divulgada uma carta assinada por 29 países pedindo que o Brasil alterasse a cidade-sede.
O valor é estabelecido pela Comissão Internacional de Serviço Civil da ONU. Após a revisão solicitada por diversos países, a partir do dia 1º a UNFCCC adotará a taxa de US$ 197 para Belém.
"Embora esse ajuste certamente proporcione algum alívio, estamos cientes de que as delegações ainda podem achar a taxa revisada insuficiente, dados os custos locais vigentes", disse a UNFCCC à reportagem. O órgão destacou, porém, que não há expectativa de novos reajustes.
Dubai recebeu maior subsídio
- Conforme dados da ONU, a maior diária das últimas cinco conferências foi paga na COP-28, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. Na ocasião, a organização financiou 361 delegados com diárias de US$ 493.
- A segunda diária mais cara paga pela ONU nos últimos cinco anos foi para a COP-25, em 2019, em Madri. A entidade financiou 351 delegados com verba diária de US$ 458.
- Na COP de Glasgow, que assim como Belém apresentou problemas graves de hospedagem, a ONU financiou uma diária de US$ 324 para 338 delegados. O valor é 64,4% maior do que a diária que será paga para quem vier ao Brasil.
- Em Sharm el Sheikh, no Egito, a diária foi de US$ 290 para 366 delegados.
Para o secretário executivo do Observatório do Clima, Márcio Astrini, a ONU tem responsabilidades na crise que se instalou. "Belém teve a aprovação deles, e estavam sabendo de tudo o que está acontecendo. São copatrocinadores da situação."
Ele destaca, porém, que o principal responsável é o governo brasileiro. "A ONU poderia ter feito muito mais. Agora, a forma como que o governo conduziu isso foi realmente lamentável", diz.
Ele cita, por exemplo, o atraso no lançamento da plataforma que reuniu oferta de hospedagem. Em março, o secretário extraordinário para a COP-30, Valter Correia, se reuniu com 103 embaixadas para prometer estrutura adequada na conferência. Na ocasião, prometeu o lançamento do site para "as próximas semanas". A plataforma só começou a operar, no entanto, em agosto.
Há duas semanas, durante reunião emergencial com os representantes da UNFCCC, o Brasil considerou o valor pago para Belém insuficiente e pediu que a ONU conceda uma taxa excepcional para financiar a vinda dos país a Belém.
Segundo o governo brasileiro, o valor atual "continua abaixo da média praticada em outras capitais brasileiras e não cobre integralmente os custos locais."
A ONU, por sua vez, tem cobrado o governo brasileiro. A entidade chegou a fazer uma pesquisa com as partes para questionar quem já havia reservado hospedagem.
Segundo a secretária executiva da Casa Civil, Miriam Belchior, numa reunião em agosto a ONU sugeriu que o Brasil financiasse US$ 100 para os países menos desenvolvidos e insulares e outra faixa de valores, que não foi detalhada pela secretária, para os demais participantes.
"O governo brasileiro se posicionou que já está arcando com custos significativos para realização da COP e, por isso, não há como subsidiar delegações de países e de países que, inclusive, são mais ricos que o Brasil. Não cabe aos brasileiros fazer subsídio a outros países", disse Míriam na época.
Na semana passada, o secretário executivo da UNFCCC, Simon Stiell, demonstrou que a questão ainda não está pacificada: "Tivemos progresso, mas ainda há mais a ser feito", disse.
Até o momento, segundo a Secretaria Extraordinária da COP, 87 países já confirmaram hospedagem em Belém por meio da plataforma do governo ou articulações próprias. Há ainda 86 países em processo de negociação. A previsão é de que, no total, 196 delegações participem do evento, que ocorre entre 10 e 21 de novembro.
Diante do impasse, no mês passado, o Brasil criou uma força-tarefa para ajudar os países a reservar hospedagem. A equipe reúne membros do Itamaraty, do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, do Ministério do Turismo e do governo do Pará.
ONU vive crise financeira
Aos 80 anos, a ONU vive uma crise de financiamento sem precedentes. No ano passado, a entidade teve déficit de US$ 200 milhões em caixa, apesar de ter usado 90% do seu orçamento planejado. Projeções internas mostram que o déficit no fim deste ano pode chegar a US$ 1,1 bilhão.
A crise tem sido gerada pela falta de pagamento dos países-membros, entre eles China e Estados Unidos, que estão entre os principais contribuintes. O recurso repassado por cada um dessas duas nações corresponde a 20% do orçamento da ONU, de modo que a instabilidade nos pagamentos tem atrapalhado a saúde financeira do órgão.
Diante do cenário, o secretário-geral, António Guterres, tem adotado medidas para frear despesas como mudar algumas operações para países mais baratos, restringir contratações, entre outras.
Governo brasileiro diz que preços estão caindo
A Secop afirmou ao Estadão que, segundo informações das plataformas de hospedagem, os preços das diárias em Belém estão em queda.
"De acordo com a plataforma Airbnb, os preços de acomodações em Belém caíram cerca de 30% nos últimos 15 dias, refletindo maior estabilidade e oferta no mercado local e medidas adotadas pelas autoridades brasileiras", diz a nota enviada à reportagem.
O governo brasileiro diz ainda que em parceria com a UNFCCC disponibilizou 2,5 mil quartos individuais para as 196 partes da conferência para garantir a participação de todos negociadores e delegações.
A Secop informa que a plataforma oficial de hospedagem disponibiliza 4 mil quartos em Belém com diárias que varia de US$ 200 a US$ 600. Cita ainda as cabines em navio com custo de US$ 200 por dia.
O governo viabilizou a reserva de 15 quartos individuais por delegação para os países menos desenvolvidos e Pequenos Estados Insulares. A tarifa cobrada para esses 73 países será entre US$ 100 e US$ 200.
A organização da COP-30 diz que garantiu ainda dez quartos individuais por delegação para os demais países com diárias entre US$ 200 e US$ 600.