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'Da minha janela, hoje vejo pássaros': como Cubatão foi de 'Vale da Morte' ao selo verde da ONU

Anos após ser considerada a cidade mais poluída do mundo, Cubatão (SP) adotou medidas que a fizeram passar por transformação ambiental

22 set 2025 - 04h59
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A cidade de Cubatão (SP) atualmente
A cidade de Cubatão (SP) atualmente
Foto: Secom Cubatão/Prefeitura de Cubatão

O céu coberto de névoa, a respiração difícil e os olhos lacrimejando. Esse foi o cenário que levou, nas décadas de 1970 e 1980, a cidade de Cubatão, no litoral de São Paulo, a ser conhecida como o 'Vale da Morte' e a receber a marca de lugar mais poluído do planeta, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). Mais de quatro décadas depois, a mesma organização concede à cidade o selo verde, atestando a recuperação ambiental do município. 

Quem viveu essa transformação de perto detalha as mudanças. É o caso da moradora Dalva Simões, hoje com 72 anos. Em entrevista ao Terra, ela relembra que, ao chegar a Cubatão em 1970, vinda de São Paulo, o cenário era de muita poluição, e o choque foi imediato. 

"Fui até minha vizinha e desabafei: 'Os olhos meus, da minha mãe, dos meus irmãos pequenos, não param de lacrimejar e estão ardendo muito'. Era algo assustador. Eu lembro que falava: 'Mãe, meus olhos estão ardendo, parece pimenta'. Foi aí que a vizinha me alertou que era a poluição. Foi uma época muito difícil".

A explicação da vizinha mostrou uma realidade que prejudicaria os moradores por décadas. O ar era saturado por uma vasta névoa e um cheiro constante de produtos químicos. Além disso, a vegetação era escassa. "A gente não enxergava nada de manhã. Só quando esquentava, quando o sol estava bem claro, a gente conseguia ver. Nós não enxergávamos a Serra do Mar, não", descreve ela.

Região industrial e Rio Cubatão em 1982
Região industrial e Rio Cubatão em 1982
Foto: Acervo do historiador Waldir Rueda Martins/Novo Milênio

Os efeitos na saúde da população eram muitos e problemas respiratórios atingiam famílias inteiras. "Uma das minhas irmãs, quando veio para Cubatão, ainda na minha infância, teve crises respiratórias muito fortes. Minha irmã mais nova também teve problema de respiração, e eu sofria com uma dor de cabeça terrível", conta Dalva.

A situação atingiu seu ápice de gravidade na extinta Vila Parisi, comunidade situada no coração do polo industrial. Os efeitos graves da poluição foram sentidos em doenças de pele, câncer e dezenas de casos de anencefalia, condição em que bebês nascem sem cérebro ou sem uma parte dele. Daí, o apelido 'Vale da Morte'.

Cubatão já teve bairro residencial operário, localizado no polo industrial na época de maior descontrole da poluição provocada pelas indústrias. Era a Vila Parisi, na área conhecida como o Vale da Morte
Cubatão já teve bairro residencial operário, localizado no polo industrial na época de maior descontrole da poluição provocada pelas indústrias. Era a Vila Parisi, na área conhecida como o Vale da Morte
Foto: Enciclopédia Retrato do Brasil/Novo Milênio

Selo de ‘Cidade Verde do Mundo’

O ponto de virada começou a tomar forma nos anos 1980, após a tragédia do incêndio da Vila Socó em 1984, que matou 93 pessoas. Impulsionada pela pressão da sociedade e de autoridades, a cidade iniciou um longo processo de recuperação que passou principalmente por dois fatores: fiscalização mais rigorosa das empresas pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) e um massivo plantio de árvores. A recuperação do Rio Cubatão, que antes tinha o que Dalva descreve como "espuma muito grande", também foi importante.

O reconhecimento veio em março de 2025, com o selo verde. O ‘Tree Cities of the World’ é concedido pela Food and Agriculture Organization (FAO), agência da ONU para a Alimentação e Agricultura, a cidades ao redor do mundo que se destacam na adoção de práticas eficazes para o manejo de florestas naturais e urbanas, valorizando o papel das árvores na promoção da qualidade de vida da população. O programa oferece uma estrutura para a gestão de um programa de silvicultura urbana saudável e sustentável, gerando benefícios para as cidades participantes.

Imagem registrado em 1981 do Rio Cubatão
Imagem registrado em 1981 do Rio Cubatão
Foto: Acervo do Departamento de Imprensa/Prefeitura Municipal de Cubatão

Segundo a Prefeitura de Cubatão, diversas ações recentes foram determinantes para a conquista do título. Entre elas, destacam-se:

  • Implementação do Plano Municipal de Arborização Urbana, que estabelece diretrizes para o planejamento, implantação e manejo da arborização no município. O trabalho envolveu o mapeamento, identificação e catalogação das árvores existentes, visando promover adaptações necessárias em resposta a eventos climáticos extremos;
  • Compensações ambientais com o plantio de árvores nativas, totalizando mil novas árvores plantadas em toda a cidade nos últimos oito anos;
  • Projetos habitacionais que priorizam a recuperação de áreas verdes, devolvendo espaços de convivência à comunidade e promovendo a preservação de manguezais e restinga, sempre integradas às áreas urbanizadas.

“Na urbanização da Vila Esperança, por exemplo, maior núcleo, devolvemos em área verde à comunidade o equivalente a 16 estádios de futebol”, diz o prefeito César Nascimento (PSD). O núcleo habitacional, que abriga cerca de 20 mil habitantes, tem como um de seus objetivos eliminar definitivamente as palafitas e construir uma Via Ecológica Perimetral. “Estamos vivendo um momento histórico em Cubatão", celebra o prefeito.

Polo industrial de Cubatão em 2025
Polo industrial de Cubatão em 2025
Foto: Isabella Lima/Portal Terra

Controle nas indústrias

No centro da transformação de Cubatão está a Cetesb, que há décadas atua como braço técnico e fiscalizador do poder público. Marcos Cipriano, gerente regional da agência ambiental com 35 anos de atuação na região, narra como esse processo foi desencadeado.

O primeiro passo, segundo ele, foi identificar claramente as fontes poluidoras. "Em 1983, a Cetesb implementou um programa de controle para diagnosticar as fontes de poluição no município, principalmente na área industrial que conhecíamos como Vila Parisi".

Naquela época, as indústrias siderúrgicas, petroquímicas e químicas operavam sem qualquer controle ambiental. "Nenhuma delas possuía equipamentos de controle de poluição. A primeira medida foi exigir que as empresas implantassem essas tecnologias", detalhou o gerente.

Iniciativa de plantio de árvores em Cubatão foi uma das mudanças implantadas
Iniciativa de plantio de árvores em Cubatão foi uma das mudanças implantadas
Foto: Secom Cubatão/Prefeitura de Cubatão

O avanço tecnológico veio com a instalação de sistemas de tratamento antes inexistentes. "Os equipamentos de controle incluíam filtros, lavadores de gases e precipitadores eletrostáticos, que reduziram significativamente as emissões atmosféricas. Tudo isso foi implementado progressivamente", afirmou Cipriano.

Nos anos 1980, a instalação de filtros especiais nas indústrias permitiu controlar a emissão de poluentes, complementada pela adoção de normas rigorosas para uso de recursos hídricos e descarte de resíduos. Cubatão alcançou a marca de 98% de controle dos poluentes ambientais.

Cipriano ressalta que o sucesso foi coletivo, com adesão fundamental das indústrias representadas pelo CIESP (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo), que cumpriram cronogramas e investiram nas mudanças. "Os investimentos alcançaram a ordem dos bilhões de dólares", estimou.

Atualmente, Cubatão conta com três estações de monitoramento da qualidade do ar. "Na área urbana, mantemos qualidade boa em 96% do tempo", informou Cipriano. Outro indicador significativo foi a redução  nas reclamações da população: "Passamos de aproximadamente mil reclamações anuais na década de 1980 para menos de cinquenta atualmente".

Cubatão e suas indústrias em 1968
Cubatão e suas indústrias em 1968
Foto: Arquivo Histórico Municipal de Cubatão

Replantio na Mata Atlântica

O governo estadual ainda implementou um plano de recuperação da Mata Atlântica através de replantio, restaurando a vegetação nativa e reintroduzindo espécies desaparecidas do ecossistema devastado. O esforço rendeu à cidade o reconhecimento na ECO-92 como "Exemplo Mundial de Recuperação Ambiental".

Um dos resultados mais visíveis foi a recuperação da Serra do Mar, antes devastada pela poluição ácida. "Os deslizamentos e desmoronamentos eram causados pela falta de vegetação -- a serra estava completamente desmatada", recordou Cipriano. Um trabalho intensivo de semeadura e plantio, iniciado em 1995, reverteu o quadro. "Hoje colhemos os resultados: a serra teve bastante parte reflorestada e revegetada".

O arcabouço legal federal e estadual desenvolvido ao longo dos anos fortaleceu a fiscalização e o compliance ambiental pelas empresas sediadas na cidade, destacando-se a Lei de Crimes Ambientais (9605/1998), que estabelece sanções penais e administrativas por danos ao meio ambiente.

Fiscalização e adoção de novas medidas na área industrial foram essenciais para mudanças nos poluentes
Fiscalização e adoção de novas medidas na área industrial foram essenciais para mudanças nos poluentes
Foto: Isabella Lima/Portal Terra

Atualmente, estações de medição de material particulado administradas pela Cetesb coletam dados continuamente; rios e efluentes industriais são constantemente monitorados. Os pátios logísticos, que recebem cerca de três mil caminhões diariamente, utilizam água de reuso para irrigar vias não pavimentadas, prevenindo a dispersão de particulados.

Além disso, o ambiente ecológico preservado de Cubatão hoje é simbolizado pelo retorno do guará-vermelho aos manguezais, ave que se tornou o símbolo da recuperação ambiental da cidade, de acordo com a prefeitura.

"Hoje vejo pássaros na minha janela"

Mais de quatro décadas após o início de sua transformação ambiental, Cubatão apresenta uma realidade completamente diversa da que a tornou conhecida como "Vale da Morte". Dalva celebra as mudanças. "Hoje não temos mais aquela poluição. Não sentimos mais aquele cheiro horrível. Hoje tem muitas aves! Para você ver, aqui na minha janela de casa, tem um monte de pássaros, e antes a gente não via nenhum. Teve uma mudança muito grande. Em vista de tudo que vivemos, hoje realmente é outra coisa."

Ela ainda afirma o quanto isso trouxe conscientização ambiental para muitos moradores. "Quando vejo alguém cortando uma árvore, destruindo, eu falo: 'Poxa, por que isso? Para quê?' É vida para nós. É muito importante. E quando falamos em cortes de árvores, não estamos falando apenas de árvores que são cortadas, mas também de lares para diversos animais. Nós, mais do que ninguém, sabemos o valor da natureza. O plantio delas foi fundamental para melhorar a nossa qualidade de vida", finalizou. 

Fonte: Futuro Vivo
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