PUBLICIDADE

Parabólica

Sebastian Vettel, o tetracampeão em seu labirinto

Piloto alemão, demitido da Ferrari por telefone, terá na Aston Martin a oportunidade de mostrar que ainda não está acabado para a Fórmula 1

7 out 2020 - 10h00
Compartilhar
Exibir comentários
GP de Singapura de 2019: a mais recente vitória de Sebastian Vettel.
GP de Singapura de 2019: a mais recente vitória de Sebastian Vettel.
Foto: Divulgação

Herói de outros tempos, dono de um passado poderoso e cheio de glórias, ele agora está fragilizado e se vê até questionado em relação a muito do que fez. No entanto, algo em seu espírito o impulsiona a não parar. Há uma centelha de energia ali, e ele se agita em direção a uma nova viagem. Sebastian Vettel não é Simón Bolívar, a figura histórica transformada em personagem no livro “O general em seu labirinto”, de Gabriel García Márquez, de 1989. Mas, como o Libertador da América espanhola, Vettel está diante de um momento delicado em sua carreira. Ou irá se redimir dos anos de Ferrari – especialmente os dois últimos – ou irá confirmar de vez a impressão de seus críticos, de que seu tempo passou ou, pior, que ele nunca foi um gigante das pistas.

A humilhação de ser demitido por telefone parecia ter minado as forças do tetracampeão no começo da temporada de 2020, adiada para o meio do ano neste tempo tão atípico. Quando a Ferrari anunciou que Vettel estaria fora da equipe a partir de 2021, não foram raros os palpites de que o tetracampeão poderia se encher de brios, fazer uma temporada memorável e mostrar que o time italiano estava fazendo uma bobagem. Nos fóruns e comentários aleatórios das redes sociais, também foram fartas as insinuações de que Vettel poderia inclusive trabalhar contra o companheiro Charles Leclerc, a aposta de longo prazo da Ferrari.

O carro fraco da Ferrari, em 2020, não justifica a enorme diferença entre Vettel e Leclerc.
O carro fraco da Ferrari, em 2020, não justifica a enorme diferença entre Vettel e Leclerc.
Foto: Divulgação

Nem uma coisa nem outra. Sem um carro competitivo, e despojada da solução que otimizava seus motores em 2019, a Ferrari não deu a mínima chance para Vettel mostrar seu talento e plantar na diretoria do time qualquer sombra de arrependimento. Também não parece ser da índole do alemão sabotar a temporada de um companheiro de equipe, e, na verdade, ele está bem distante do monegasco. Às vésperas da 11ª corrida do campeonato, o alemão está exatos 40 pontos atrás de Leclerc. Mesmo com toda mediocridade do carro da Ferrari, o jovem Leclerc conseguiu subir ao pódio duas vezes neste ano (Áustria e Inglaterra), enquanto a melhor colocação de Vettel foi um sexto lugar (Hungria).

Uma coincidência história melancólica para Vettel refere-se justamente ao local da próxima corrida, a tradicional pista de Nurburgring, na Alemanha. A última vez em que a Fórmula 1 esteve nesse circuito, para o GP da Alemanha de 2013, Vettel venceu a prova, tendo a companhia da dupla da Lotus (Kimi Raikkonen e Romain Grosjean) no pódio – três motores Renault, quem diria. Não apenas isso: o alemão também ampliou sua vantagem para Fernando Alonso na classificação do campeonato. Ele chegaria a seu quarto título seguido no GP da Índia, com três corridas de antecipação.

Na nova casa, a Aston Martin, a vitória voltará a sorrir para Vettel?
Na nova casa, a Aston Martin, a vitória voltará a sorrir para Vettel?
Foto: Divulgação

Naquele momento, depois de dominar quatro temporadas seguidas com a Red Bull, o nome de Vettel sugeria um novo prodígio alemão que poderia trilhar o mesmo caminho dominante do compatriota Michael Schumacher. Com apenas 26 anos, ele se tornava o tetracampeão mais jovem da história e parecia se encaminhar para superar o antecessor em recordes e conquistas. Naquela altura, Lewis Hamilton cumpria seu último ano com a McLaren, tinha um título (2008) e 21 vitórias na Fórmula 1. Com a conquista em Nurburgring, Vettel chegava à sua 30ª vitória na categoria. Tudo mudou, para Vettel e Hamilton, em 2014, quando começou a nova era de motores turbo da Fórmula 1. Vettel, com a mesma Red Bull que o levara à glória, despencou a ladeira, terminando o campeonato seguinte em quinto lugar. E pior: 71 pontos atrás do companheiro Daniel Ricciardo. Hamilton venceu o primeiro dos cinco títulos que já conquistou com a Mercedes.

 Leclerc, Mattia Binotto e Vettel: sorrisos na festa de 90 anos da Ferrari, sem motivo para comemorar em 2020.
Leclerc, Mattia Binotto e Vettel: sorrisos na festa de 90 anos da Ferrari, sem motivo para comemorar em 2020.
Foto: Divulgação

Vettel, descendo, e Hamilton, subindo, encontraram-se nessa jornada. É certo que a ida do alemão para a Ferrari, em 2015, só começou a render chances efetivas de disputa de título contra a Mercedes em 2017, e Vettel foi um adversário duro para Hamilton naquele ano, liderando boa parte da temporada. A supremacia do inglês e da Mercedes estabeleceu-se de forma contundente e simbólica no GP da Itália daquele ano, e daí para frente Hamilton não perdeu mais a liderança, até conquistar seu título de número 4, o terceiro com o time alemão. 

O ano de 2018 também mostrou a parceria Vettel-Ferrari como forte oponente de Hamilton-Mercedes. O alemão liderou o início do campeonato, perdeu o controle da tabela de pontos para o inglês, mas conseguiu retomá-lo antes da metade da temporada. A disputa parecia apertada, com uma Ferrari habitualmente em forma para pistas de alta velocidade, e com Vettel registrando alguns de seus desempenhos mais notáveis da carreira. Em 2018, Vettel assinou algumas de suas obras-primas, como a vitória no GP do Bahrein, no qual segurou o finlandês Valtteri Bottas com autoridade, e também na Inglaterra, quando também superou Bottas em um bote (com o perdão do trocadilho) a cinco voltas do final.

Leclerc à frente de Vettel: uma cena comum a partir de 2019.
Leclerc à frente de Vettel: uma cena comum a partir de 2019.
Foto: Divulgação

Daí para frente, a queda livre de Vettel foi em velocidade vertiginosa. Liderando o chuvoso GP da Alemanha, perdeu o controle da Ferrari, bateu sozinho e viu Hamilton assumir a liderança do campeonato, para não mais perder e chegar ao quinto título, no GP do México. Enquanto isso, Vettel enfileirou uma sequência desanimadora de corridas, rodando nos GPs da Itália, do Japão e dos Estados Unidos. Fontes ligadas à direção da Ferrari afirmam que a demissão de Vettel foi definida nessa vexatória corrida de Monza. 2019 seria apenas um ano para promover e consolidar o jovem Charles Leclerc como aposta futura dos italianos. Por mais humilhante que tenha sido a demissão de Vettel, ele já entrou em 2020 com o destino selado, para cumprir tabela, e como coadjuvante de Leclerc.

Ninguém poderia culpá-lo pelo desânimo em relação a 2020 e o caminho da aposentadoria parecia o mais lógico, inclusive porque as opções para 2021 eram poucas e não necessariamente promissoras. Vettel naturalmente escreveu seu nome na história da Fórmula 1, certamente ganhou muito dinheiro e não parecia necessariamente frustrado em sair da Ferrari sem conseguir um título. Outros campeões tentaram e também não foram bem-sucedidos em vencer o desafio de superar as idiossincrasias daquela esquadra. Para ficar em dois mais ou menos recentes, Fernando Alonso e Alain Prost. O caminho da saída parecia o mais direto, curto e lógico para Vettel.

Sebastian Vettel: o que o futuro guarda para o tetracampeão?
Sebastian Vettel: o que o futuro guarda para o tetracampeão?
Foto: Divulgação

Mas eis que novamente surge a mítica Monza no caminho do alemão. Em mais uma classificação lamentável neste ano (Vettel não passou para o Q2, obtendo apenas o 17º tempo), o alemão se deixou ficar em uma mureta do autódromo italiano, assistindo à performance dos dez pilotos mais rápidos. Hamilton, o antigo rival, consegue uma proeza: crava a pole position em 1min18s887, com média de 264,362 km/h, a maior em uma volta na história da Fórmula 1. Naquele momento, aos 33 anos de idade, Vettel percebeu que era cedo demais para se tornar um aposentado. Mais que isso: alguma coisa em seu íntimo o fez lembrar o quanto ele ainda ama a velocidade e a Fórmula 1.

Na semana seguinte, Vettel foi confirmado como piloto da Racing Point, que vai mudar seu nome para Aston Martin em 2021. O que se pode esperar de Vettel em uma equipe média na próxima temporada? Se o alemão parece ter perdido a mão, em episódios como Alemanha e Itália em 2018, a bordo de um carro competitivo como a Ferrari, o que poderá fazer com um carro mediano, em 2021?

 Leclerc e Vettel, no GP da Itália: mais uma vez, a mítica Monza na história do alemão.
Leclerc e Vettel, no GP da Itália: mais uma vez, a mítica Monza na história do alemão.
Foto: Divulgação

Um rápido mergulho na história nos coloca de novo em Monza, em 2008, primeira vitória de Vettel na Fórmula 1, a bordo de uma Toro Rosso, equipe B da Red Bull que hoje se chama Alpha Tauri. De onde Vettel tirou talento para vencer aquela prova? Talvez, da mesma prateleira de habilidades que o credenciou a substituir o polonês Robert Kubica na BMW, no GP dos EUA do ano anterior, fazendo sua estreia na categoria e já conquistando seu primeiro ponto. Desse mesmo escaninho, Vettel continuou tirando habilidade para, em seu primeiro ano na Red Bull, ser o vice-campeão de 2009, temporada amplamente dominada pelos inusitados carros da Brawn GP.

Vettel tem 33 anos e parece ter percorrido um caminho em ziguezague na sua trajetória na Fórmula 1. Ou, talvez, essa trajetória, em determinado momento, tenha se tornado um labirinto. Desaprender a pilotar ele não desaprendeu, mas talvez naquela prateleira de habilidades precise buscar foco e motivação. Resta saber se a opção pela Aston Martin será a saída para reencontrar a vitória, ou mais uma esquina que vai resultar em um beco sem saída.

Ciao, Ferrari: um novo começo para Vettel.
Ciao, Ferrari: um novo começo para Vettel.
Foto: Divulgação
Parabólica
Compartilhar
Publicidade
Publicidade