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F1 brinca com o perigo e rasga a coerência 

GP da Arábia pode expor Fórmula 1 a riscos desnecessários dentro e fora da pista. A troco do quê?

26 mar 2022 - 01h50
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A surreal imagem de um fumaça de explosão ao fundo de um treino da Fórmula 1
A surreal imagem de um fumaça de explosão ao fundo de um treino da Fórmula 1
Foto: @blog_formula1 / Twitter

O circo da Fórmula 1 está na Arábia Saudita para a segunda corrida na história do país. E acontecimentos recentes levantam a pergunta: faz sentido correr lá? Pela ótica estritamente mercantilista, em que os acordos comerciais são o senhor da razão e por eles tudo é válido, sim, faz sentido. Mas qualquer análise que vá além da frieza dos contratos mostra que o evento é absurdo. 

Comecemos pelo motivo mais óbvio para justificar a afirmação: enquanto estiverem em território saudita, pilotos, mecânicos, engenheiros, jornalistas, prestadores de serviço e fãs estão em perigo. Simples assim.

É guerra!

O Iêmen, país vizinho, está em uma violenta guerra civil desde 2014. Pouco se fala no conflito, mas a guerra já deixou mais de 200 mil mortos desde então, naquela que é tida como a maior calamidade humanitária dos últimos anos pela ONU. A Arábia Saudita apoia o governo sunita. O outro lado do conflito tem o grupo xiita houthi, apoiado pelo Irã. Como retaliação, os houthis promovem ataques a territórios sauditas. A própria cidade de Jidá, que recebe a Fórmula 1, já foi alvo. E segue sendo.

O risco de correr em um local sujeito a ataques, por si só, deveria ser motivo suficiente para a não realização da corrida. Mesmo assim, o evento foi levado a cabo. E eis que, vejam só, um bombardeio aconteceu nas proximidades da pista! Durante o primeiro treino livre dessa sexta-feira (25), instalações da gigante petrolífera árabe Aramco, a poucos quilômetros do circuito, foram alvo de mísseis. Do autódromo, era possível ver a fumaça da explosão. As fotos chocam: carros da Fórmula 1 andavam em uma pista literalmente ao lado de uma cena de guerra. Algo que beira o inacreditável.

É de se imaginar que pessoas dotadas de bom senso tenham pensado: “Bom, agora que está claro que não há a menor condição de manter a segurança, é melhor cancelar a corrida e todo mundo ir embora o mais rápido possível.” Mas não foi o que aconteceu.

Uma reunião foi convocada pela F1 com todos os pilotos e chefes de equipe pouco antes do início do segundo treino livre. Nenhuma decisão concreta foi tomada naquele momento, o treino aconteceu e um novo encontro foi convocado para às 22h no horário local. A conversa se estendeu até a madrugada, com diversos pilotos manifestando não estarem de acordo com a realização da corrida. Mas os artistas do espetáculo foram voto vencido: a organização definiu que o evento seguiria normalmente. 

"We race as one"?

Não é novidade o fato de a Fórmula 1 se manter alheia a questões externas a si. O exemplo mais lembrado foram as corridas na África do Sul no auge do regime de apartheid. Mais recentemente, buscando engajamento de um público mais jovem e tentando uma modernização de sua imagem, a F1 criou a campanha “We Race as One” para promover a inclusão no esporte. Mesmo assim, a categoria não se intimidou nem um pouco em estreitar laços com países de regimes abertamente homofóbicos e misóginos, rasgando seu próprio lema. Não só corridas em países como Rússia, Hungria e Emirados Árabes foram mantidas nos últimos anos, como houve a adição do Catar e da própria Arábia Saudita no ano passado, para ficarmos em alguns exemplos. 

Menos de um mês atrás, F1 fazia campanha anti-guerra. Agora, se vê no meio de uma
Menos de um mês atrás, F1 fazia campanha anti-guerra. Agora, se vê no meio de uma
Foto: FIA / Twitter

E, já que citamos a Rússia, impossível não traçar um paralelo com a situação da Arábia, guardadas as devidas diferenças entre os casos. A Rússia iniciou uma empreitada militar contra a Ucrânia e, como retaliação, sofreu diversas sanções. Nesse embalo, a F1 cancelou o GP no país e cortou os contratos com empresas locais. Supostamente, isso poderia gerar alguma pressão para que o presidente russo recuasse e a paz reinasse. Se essa fosse uma preocupação genuína, se aplicaria somente à Rússia ou teria sido feito o mesmo na Arábia Saudita? 

Pista gera preocupação

Não bastassem os riscos à segurança fora da pista, dentro dela eles também existem. Isso porque o circuito de Corniche é tido como o mais perigoso da F1 atual. Com um traçado de altíssima velocidade, muros colados e diversas curvas cegas, causa até certa surpresa que riscos tão grandes sejam aceitos para os rígidos padrões da F1 atual e a pista tenha sido homologada. 

Todas as sessões da F2 de 2021 e as de 2022 até aqui foram interrompidas por bandeiras vermelhas. A própria corrida da F1 do ano passado teve dois acidentes também de bandeira vermelha. Diversos pilotos pediram mudanças na pista para esse ano. Elas até aconteceram, mas foram mínimas. Entre os corredores, houve quem dissesse que o que foi feito ainda não é suficiente para que a pista seja considerada segura. 

Parceria comercial importante

A essa altura você deve estar se perguntando: “Se a pista é perigosa, o local é hostil, vai contra a imagem que a categoria quer passar e agora tem até míssil caindo na região, por que não cancelam isso logo?” 

A Aramco, a empresa que teve uma de suas unidades atacadas hoje em Jidá, é quem está por trás do GP da Arábia. Trata-se da maior petrolífera e uma das maiores empresas do planeta no geral. A companhia árabe começou a patrocinar a F1 em 2020 e estreitou laços em 2021, tornando-se um dos principais parceiros da categoria como um todo. 

O GP da Arábia, por exemplo, é inteiramente bancado por ela. A Fórmula 1 recebe uma quantia nababesca de petrodólares para fazer o evento. Na cabeça dos mercadores de corridas, valor suficiente para assumir os riscos de se correr em uma pista perigosa, em um local sob ameaça e, com o troco, ignorar as violações aos direitos humanos promovidas pelo país. 

Não se tem acesso ao contrato entre F1 e Aramco, mas é de se imaginar que o cancelamento do evento por opção da F1 implicaria em abrir mão de uma receita importante e, provavelemente, causar arranhões profundos na relação que se constrói com a empresa visando os próximos anos. Melhor fingir que não está acontecendo nada... 

Em nome da manutenção e fechamento de contratos polpudos, a F1 tem passado por cima do próprio lema e feito vista grossa para autoritarismos, opressões e preconceitos. Agora, dobra a aposta na lealdade a acordos comerciais acima de tudo e expõe a todos os envolvidos aos riscos de uma guerra. Qual será o limite?

A nós, resta a torcida para que o já histórico GP da Arábia de 2022 seja lembrado apenas como mais uma decisão bastante controversa da Fórmula 1, e não por algo ainda pior...

Parabólica
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