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Opinião: governos não deveriam deixar a Troller morrer

Último Troller TX4 produzido no Ceará foi entregue em Natal (RN), encerrando uma história de 26 anos. Por que os governos não fazem nada?

13 out 2021 - 10h56
(atualizado em 15/10/2021 às 10h58)
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Troller TX4
Troller TX4
Foto: Divulgação

A Troller, uma marca genuinamente brasileira, morre em praça pública e ninguém faz nada. O último Troller produzido na fábrica de Horizonte (CE), um TX4 automático, foi entregue em Natal (RN) pelo alto valor de R$ 299 mil. O carro custa R$ 198.400 em sua versão manual, T4. Mas, por que ninguém faz nada? Não deveria o governo do Brasil ou do ceará encampar a Troller até conseguir um comprador?

Com a morte da Troller, uma legião de fãs da marca fica órfã. Um total de 477 pessoas ficam sem emprego. Mais de 20 concessionárias ficam sem produto para vender. A fábrica do Ceará vai produzir peças até novembro e depois será fechada. A produção de carros já foi encerrada. Quem acha um para comprar paga uma fortuna. Mas não deveria ser assim. E nem precisava.

Troller T4
Troller T4
Foto: Troller

Do governo federal, em Brasília, deveria ter partido a primeira reação contra o fechamento da Troller. Mal comparando, quando as empresas americanas quebraram, o governo dos Estados Unidos a socorreram. Se não fosse a ajuda estatal de Tio Sam, a Chrysler e a General Motors não existiriam após a bancarrota de 2008. Em 2009, o governo Obama injetou US$ 40,5 bilhões na GM para salvá-la. Na Chrysler, foram outros US$ 50 bilhões. A GM e a Chrysler se recuperaram e são uma potência global.

A Troller não é nada disso, mas é “nossa”, é verde-e-amarela, tem a cara do Brasil. Salvá-la custaria muito pouco. E não seria difícil surgir um grupo de empresários interessados em manter sua história se o governo garantisse os primeiros passos. Mas o governo federal, como sabemos, não se interessa muito por assuntos da indústria automobilística. Além disso, o ministro Paulo Guedes acredita que o mercado pode e deve ditar todas as regras da economia.

Troller T4
Troller T4
Foto: Troller / Divulgação

Do governo do Ceará até houve uma reação, mas não uma ação. O governador Camilo Santana repudiou a decisão da Ford de não querer vender a marca, o design e os projetos da Troller. "A marca Troller não é mundial, foi criada por cearenses! Esperamos que a Ford americana e a do Brasil não prejudiquem o desenvolvimento do Ceará e os trabalhadores cearenses", disse, na nota, o secretário Maia Júnior.

O governo do Ceará poderia então, se quisesse, ter estatizado a Troller. Dentro da cartilha econômica do PT, seria aceitável. Mas, certamente, o governador cearense temeu a repercussão negativa de uma ação que salvasse a Troller.

Uma pena, pois a Troller merecia ser salva. Não exatamente por seu volume de vendas, que sempre foi pequeno. Mas por seu significado. A indústria automobilística vive de imagem. Não existe nenhum problema no fato de a Troller utilizar peças de outras marcas. No passado, já bebeu da fonte da MWM (motor), da Jeep e da Volkswagen. Desde 2013, usava componentes da picape Ford Ranger, que é fabricada na Argentina. Ora, em breve veremos a Peugeot e a Citroën serem salvas no Brasil por usarem motores da Fiat e da Jeep.

Troller TX4
Troller TX4
Foto: Troller / Divulgação

São do mesmo grupo, mas poderiam não ser. A própria Ford tem projetos em comum com a Volkswagen. Nos Estados Unidos, Chevrolet e Honda compartilharão novas soluções tecnológicas. A Ford sabe o valor que a Troller tem. A Ford sabe que, nas mãos de uma Stellantis, por exemplo, o Troller T4 poderia virar um xodó nacional (como chegou a ser nas suas). O que nos admira é que os governantes brasileiros não tenham essa percepção. Ou, se têm, que lhes falte coragem para salvar uma marca nacional.

O Brasil tem a sétima maior indústria automobilística do mundo, mas não tem nenhuma marca de carros brasileira. Uma vergonha. A Troller, com seus modelos T4 e TX4 (automático), tem a fórmula certa para o Brasil. Um veículo barato de ser produzido, pois usa a carroceria de fibra. Um veículo perfeito para explorar o interior mais selvagem do Brasil, pois tem tração 4x4 e usa carroceria sobre chassi, o que lhe dá grande versatilidade. Um design moderno, jovem, que permite muitas combinações de cores e formas.

Troller T4
Troller T4
Foto: Divulgação

O Troller T4 usa motor 3.2 turbo diesel de 5 cilindros com 200 cv de potência e 469 Nm de torque. O carro é fabricado desde 2001 com a mesma filosofia do ponto de vista técnico e o mesmo sucesso em seu nicho. A marca Troller foi criada em 1995 por Rogério Farias. Em 1997, o empresário Mário Araripe adquiriu a Troller e investiu em sua expansão. Até mesmo veículos militares exclusivos a Troller fabricou. Em 2006, lançou a picape Pantanal.

Em 2007, no governo Lula, a Ford comprou a Troller. Em 2015, o Troller T4 foi reestilizado. Em 2020, antes de a Ford anunciar que deixaria de fabricar carros no Brasil, a Troller vendeu 1.301 unidades. Pouco, mas ela estava restrita a um nicho. E com um valor altíssimo para o padrão brasileiro. Em 2021, foram mais 1.043 vendas (até 12 de outubro), um número muito próximo ao de seu concorrente japonês, o Suzuki Jimny (1.144 vendas), que agora tem a chance de dobrar as vendas.

O fim da Troller é o fim da última chance de a indústria brasileira ter um carro verdadeiramente nacional. O mercado soberano venceu mais uma vez. Cai o pano. 

Troller TX4
Troller TX4
Foto: Troller
Guia do Carro
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