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Terraplanismo, espíritos e teorias da conspiração: como a experiência pode moldar mesmo crenças extraordinárias

Pensamento conspiratório, crenças sobrenaturais e pseudociências podem parecer imunes às evidências, mas um antropólogo sugere que crenças extraordinárias podem ser sustentadas pela experiência individual.

5 dez 2025 - 10h12
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Fantasmas podem ser uma forma de explicar uma experiência estranha durante o sono: mais que imunes a evidências contrárias, antropólogo sugere que experiências podem levar pessoas a pensar que suas crenças extraordinárias são verdadeiras 'The Nightmare' by Johann Heinrich Füssli/Wikimedia Commons
Fantasmas podem ser uma forma de explicar uma experiência estranha durante o sono: mais que imunes a evidências contrárias, antropólogo sugere que experiências podem levar pessoas a pensar que suas crenças extraordinárias são verdadeiras 'The Nightmare' by Johann Heinrich Füssli/Wikimedia Commons
Foto: The Conversation

Em 22 de fevereiro de 2020, "Mad" Mike Hughes rebocou um foguete caseiro até o deserto de Mojave e se lançou ao céu. Seu objetivo? Ver a "planicidade" da Terra do espaço. Essa foi sua terceira tentativa e, tragicamente, última e fatal. Hughes caiu logo após a decolagem e morreu.

O apelido de Hughes — "Mad" Mike — pode parecer apropriado. Não é loucura (madness em inglês) arriscar a vida lutando por uma teoria que foi refutada ainda na Antiga Grécia?

Mas a convicção de Hughes, embora impressionante, não é única. Em todas as culturas registradas pessoas mantiveram crenças fortes que pareciam carecer de evidências a seu favor — podemos nos referir a elas como "crenças extraordinárias".

Para antropólogos evolucionistas como eu, a onipresença desse tipo de crença é um enigma. O cérebro humano evoluiu para formar modelos precisos do mundo. Na maioria das vezes, fazemos um bom trabalho. Então, por que as pessoas também costumam adotar e desenvolver crenças que carecem de evidências sólidas?

Em uma nova revisão na revista científica Trends in Cognitive Sciences proponho uma resposta simples. As pessoas passam a acreditar na Terra plana, em espíritos e em vacinas com microchips pelas mesmas razões que passam a acreditar em qualquer outra coisa. Suas experiências pessoais as levam a pensar que essas crenças são verdadeiras.

Teorias sobre crenças extraordinárias

A maioria dos cientistas sociais tem uma visão diferente sobre esse assunto. Crenças sobrenaturais, teorias da conspiração e pseudociência parecem aos pesquisadores totalmente imunes a evidências contrárias. Consequentemente, eles presumem que a experiência não é relevante para a formação dessas crenças. Em vez disso, eles se concentram em dois outros fatores explicativos.

A primeira explicação comum são os vieses cognitivos. Muitos psicólogos argumentam que os seres humanos lançam mão de atalhos mentais para racionalizar sobre como o mundo funciona. Por exemplo, as pessoas são bastante propensas a ver intenções e inteligência por trás de eventos aleatórios. Um viés desse tipo pode explicar por que as pessoas muitas vezes acreditam que divindades controlam fenômenos como o clima ou doenças.

O segundo fator é a dinâmica social: as pessoas adotam certas crenças não porque têm certeza de que são verdadeiras, mas porque outras pessoas acreditam nelas ou porque querem transmitir uma mensagem sobre si mesmas aos outros. Por exemplo, alguns teóricos da conspiração podem adotar crenças estranhas porque essas crenças vêm com uma comunidade de cocrentes leais e solidários.

Ambas as abordagens podem explicar em parte como as pessoas passam a ter crenças extraordinárias. Mas elas desconsideram três maneiras pelas quais a experiência, em conjunto com estes outros dois fatores, pode moldar crenças extraordinárias.

vast grassy landscape with blue sky and white clouds
vast grassy landscape with blue sky and white clouds
Foto: The Conversation
A ciência diz uma coisa, mas seus olhos lhe dizem que a Terra parece bem plana.sharply_done/E+ via Getty Images

1. A experiência como filtro

Em primeiro lugar, proponho que a experiência pode funcionar como um filtro. Ela determina quais crenças extraordinárias podem se espalhar com sucesso por toda uma população.

Tomemos como exemplo a teoria da Terra plana. Sabemos com absoluta certeza que ela é falsa, mas não é mais ou menos errada do que a teoria de que a Terra tem a forma de um cone. Então, o que torna a Terra plana tão mais bem-sucedida do que essa alternativa igualmente incorreta?

A resposta é tão óbvia quanto parece: a Terra parece plana quando você está sobre ela, não em forma de cone. A evidência visual favorece uma crença extraordinária em detrimento das outras. É claro que evidências científicas mostram claramente que a Terra é redonda, mas não é surpreendente que algumas pessoas prefiram confiar no que seus olhos lhes dizem.

2. A experiência como desencadeadora

Meu segundo argumento é que a experiência atua como uma desencadeadora para crenças extraordinárias. Experiências estranhas, como alucinações auditivas, são difíceis de explicar e compreender. Então, as pessoas fazem o possível para explicá-las — e, ao fazer isso, criam crenças que parecem adequadamente estranhas.

Nesse caminho, a paralisia do sono é um bom estudo de caso. A paralisia do sono ocorre no espaço entre o sono e a vigília — você sente que está acordado, mas não consegue se mover nem falar. É assustadora e bastante comum. E, curiosamente, quem sofre com isso geralmente sente como se houvesse um agente ameaçador sentado em seu peito.

Como cientista, interpreto a paralisia do sono como resultado de uma confusão neural. Mas não é difícil imaginar como alguém sem formação científica — ou seja, quase todos os seres humanos na História — poderia interpretar a experiência como evidência de seres sobrenaturais.

3. A experiência como ferramenta

Para mim, a terceira rota potencial para crenças extraordinárias é especialmente intrigante. Em muitos casos, as pessoas não desenvolvem apenas crenças extraordinárias; elas desenvolvem práticas imersivas que fazem com que essas crenças pareçam verdadeiras.

Por exemplo, imagine que você é um agricultor que vive nas terras altas de Lesoto, no sul da África, onde realizo trabalho de campo etnográfico. Você sofre uma série de abortos espontâneos e quer saber o motivo. Então você vai a uma curandeira tradicional — ela lhe diz que você pode aprender a resposta com seus ancestrais bebendo uma poção alucinógena. Você bebe a poção. Logo depois, começa a ver espíritos; eles falam com você e explicam seu infortúnio.

Xamã com roupa colorida e colares serve uma bebida de um pote de barro
Xamã com roupa colorida e colares serve uma bebida de um pote de barro
Foto: The Conversation
Um xamã pode administrar uma substância psicoativa que afeta a maneira como você percebe o mundo ao seu redor.Luis Acosta/AFP via Getty Images

Claramente, uma experiência como essa pode reforçar sua crença na existência de espíritos. Práticas imersivas como oração, dança ritualística e o uso religioso de substâncias psicoativas criam evidências que fazem com que as crenças associadas pareçam verdadeiras.

O que vem a seguir?

Crenças extraordinárias não são inerentemente boas ou ruins. Em particular, crenças religiosas proporcionam significado, segurança e um senso de comunidade para bilhões de pessoas.

Mas algumas crenças extraordinárias são motivo de grande preocupação: a desinformação sobre ciência e política é generalizada e extremamente perigosa. Ao reconhecer como essas crenças são moldadas pela experiência, os pesquisadores podem encontrar maneiras melhores de combater sua disseminação.

Tão importante quanto isso, porém, minha perspectiva sugerida pode incentivar mais compaixão e afinidade com pessoas que têm crenças que parecem muito diferentes das suas. Elas não são "loucas" ou mentirosas. Como qualquer outro ser humano, elas acham que as evidências estão do lado delas.

The Conversation
The Conversation
Foto: The Conversation

Eli Elster não presta consultoria, trabalha, possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que poderia se beneficiar com a publicação deste artigo e não revelou nenhum vínculo relevante além de seu cargo acadêmico.

The Conversation Este artigo foi publicado no The Conversation Brasil e reproduzido aqui sob a licença Creative Commons
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