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Trump contra Twitter

A nova direita, no mundo, atua em relação às redes com ambiguidade. Por um lado, falsear informação, manipular o discurso e até mentir abertamente se tornou uma tática não só eleitoral como de governança. É assim lá como é assim cá.

28 mai 2020 - 21h10
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O presidente americano Donald Trump está atacado. As pesquisas eleitorais não lhe tem sido gentis. E, atacado como anda esses dias, Trump é sempre igual: tira do nada as teorias mais mirabolantes, inventa o quanto pode e se vê sempre desempenhando ao mesmo tempo os dois papéis habituais — o de vítima e o de herói, simultaneamente. Até lembra alguém que conhecemos. Dentre as vítimas dos arroubos de Trump, desta vez, está um ex-deputado, hoje âncora de TV, que o presidente acusa de assassinato. Provas? Nada. Nem indícios. Outra vítima é o Twitter. Afinal, a rede social começou a indicar quando informações muito distribuídas estão erradas. E marca mesmo quando o tuíte falso vem de quem ora vive na Casa Branca.

Os tuítes problemáticos foram dois, ambos sobre o mesmo assunto. Em um, publicado na terça-feira, Trump afirmou que cédulas enviadas por correio serão "substancialmente fraudulentas". Esta é uma briga política por lá. Se a pandemia continuar, alguns estados americanos cogitam incentivar o voto por correio nas eleições presidenciais. Trump está convencido de que, nesta modalidade, haverá muito mais democratas do que republicanos participando. Há outras opiniões. Mas 'fraudulentas' é, no mínimo, hipérbole. Certamente uma afirmação sem qualquer base que a substancie. Muito provavelmente invenção pura e simples. O outro tuíte foi um ataque ao processo eleitoral da Califórnia.

O que o Twitter fez foi incluir um aviso aos leitores do presidente de que eles podem "encontrar os fatos" a respeito do tema noutro canto. E tascou o link. Pra quê. Trump ficou furioso. Acusou a rede social de estar interferindo no processo eleitoral, ameaçou "regular pesadamente" o negócio ou mesmo cerrar as portas de empresas do setor.

O alvo de Trump é o artigo no equivalente americano ao Marco Civil da Internet, que isenta as plataformas de responsabilidade pelo que outros publicam nelas e oferece tranquilidade para que façam a moderação como acharem relevante. O presidente assinou uma ordem que autoriza reguladores a encarar Facebook, Google e Twitter.

Nada é tão complicado que não possa piorar. Ontem, Mark Zuckerberg, fundador e CEO do Facebook, entrou na história. Afirmou que empresas de mídias sociais não deveriam se meter no conteúdo. Diz que companhias privadas não podem se colocar no papel de árbitros do que é verdade ou não.

Há um quê de hipocrisia na fala de Zuckerberg — afinal, o Facebook também já trabalhou com empresas de checagem de fatos e, agora, montou um comitê externo que tomará decisões a respeito do conteúdo. Pode não ser uma empresa, pode ser independente do Facebook, mas este comitê é certamente privado.

A nova direita, no mundo, atua em relação às redes com ambiguidade. Por um lado, falsear informação, manipular o discurso e até mentir abertamente se tornou uma tática não só eleitoral como de governança. É assim lá como é assim cá. Só que no mundo de tanta fake news circulando, por vezes as empresas decidem agir, banindo bots, contas de gente que falseia para além do limite e, agora, apagando tuítes de presidentes — já ocorreu com Bolsonaro — ou marcando como falso. Quando isto ocorre, esta mesma nova direita, que tanto depende das redes para driblar o jornalismo profissional, acusa as grandes do Vale de censurar vozes conservadoras.

A proximidade das eleições presidenciais americanas e o fato de notícias falsas durante uma pandemia matam fizeram com que o tema ganhasse urgência. Aqui no Brasil um grupo de parlamentares está tentando aproveitar o período da pandemia para regular fake news, coisa que nenhuma democracia fez por conta da complexidade tamanha. As empresas, evidentemente, sentem a pressão.

Estadão
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