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'Previsão sem dados não é ciência, é opinião', diz professor da USP

Diretor do Laboratório de Big Data e Análise Preditiva em Saúde, Alexandre Chiavegatto Filho está à espera de dados confiáveis para desenvolver algoritmos brasileiros contra o covid-19

29 mar 2020 - 05h11
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Alexandre Chiavegatto Filho acredita que a inteligência artificial (IA) poderá ter um papel muito importante ainda na atual crise do coronavírus. Ele comanda o Laboratório de Big Data e Análise Preditiva em Saúde (Labdaps) da Universidade de São Paulo (USP), que desenvolve pesquisas de IA em saúde. Hoje, a especialidade do centro são estudos para predizer óbito ou sobrevivência após condições específicas de saúde.

Ele afirma que os pesquisadores estão de plantão à espera dos dados para treinar algoritmos para o novo coronavírus. Segundo o pesquisador, os sistemas poderão ajudar hospitais a dar prioridade a UTIs e ou a fazer diagnósticos que possam compensar a ausência de testes específicos para covid-19.

O uso de IA sempre soa futurista. Como ela pode ser usada agora para combater o coronavírus?

Ela pode ser usada em todas as áreas que precisem de decisões inteligentes, como a prioridade para uso de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTIs). É uma forma de predição: quais pacientes vão se beneficiar mais ao serem transferidos para UTI? Outra área crítica é a prioridade na ventilação pulmonar. Testes também são importantes: não existe teste para todos, então é preciso fazer planos de predição para priorizar quais pacientes podem dar positivo. A IA pode ajudar predizer gravidade e ajudar com a intervenção apropriada para os diferentes tipos de pacientes.

Por que isso não está sendo usado agora?

Tudo depende dos dados. A IA está demorando para entrar na conversa da covid-19 porque precisamos de dados de qualidade. Até agora, não tínhamos dados confiáveis. Fazer previsão sem dados não é ciência, é quase opinião. O aprendizado de máquina precisa de dados do passado para entender regras e projetar o futuro.

Dados de outros países não podem ajudar?

A China não tem histórico de transparência de dados, então perdemos essa informações. Agora, começam a chegar dados de outros países e surgem pesquisas nesse sentido. O problema é que outros países têm distribuições socioeconômicas, demográficas e genéticas diferentes do Brasil. Porém, estão aumentando o número de exames e casos confirmados no País, então existe um potencial grande para usarmos esse dados e desenvolver algoritmos que se adequarão melhor aqui do que os de outros países.

O volume de dados no Brasil ainda não parece ser grande. Ainda assim, dá para treinar um algoritmo 'local'?

O importante em aprendizado de máquina não é tanto o número de pessoas, mas sim ter variáveis preditoras fortes. Às vezes, com poucas pessoas é possível ter bons resultados. Estamos publicando um estudo de predição de óbito por febre amarela com apenas 40 pessoas, mas com resultados muito bons. Ter resultados de exames clínicos é muito importante.

Vai dar tempo de usar esses algoritmos no Brasil ainda durante a crise?

Sim, os hospitais têm esses dados. Todo prontuário de exame é registrado. Ao ser digitalizado, está pronto para análise. Nosso grande desafio é conseguir os dados, meu laboratório está de plantão aguardando o recebimento. Em termos técnicos, temos bons computadores e algoritmos que estão no estado da arte. Estamos nos preparando há anos para uma emergência como essa.

Estadão
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