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Nem as empresas de tecnologia estão convencidas sobre o trabalho remoto

Com a reabertura iminente dos EUA, gigantes como Amazon, Google, Microsoft e Apple tentam imaginar como será a relação de seus funcionários com os escritórios

13 jun 2021 - 00h09
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SÃO FRANCISCO - As grandes companhias de tecnologia foram algumas das primeiras a fechar, abrindo o caminho para o trabalho remoto já no início da pandemia. Agora, muitas estão avaliando o futuro; algumas decidiram optar por pelo menos retornos limitados para instalações de tecnologia dispendiosas, em que as maiores empresas investiram bilhões.

À medida que anunciam os seus planos, fica evidente: muitas das mesmas companhias por trás da tecnologia que tornou possível o trabalho remoto nos últimos 15 meses, não estão dispostas a adotar o trabalho remoto completamente.

Isto provocou tensões entre alguns funcionários, enquanto empresas tentam encontrar o equilíbrio preservando o controle entre as exigências dos empregados que se acostumaram a gerir seus próprios locais e horários. Eles expressaram simpatia pelos empregados em fóruns privados e voltaram atrás das ofertas iniciais.

Agora, muitas companhias decidiram convidar (ou solicitar) seus funcionários a voltar para o escritório alguns dias por semana, em geral três. Algumas, como Google e Apple, estão acrescentando períodos de trabalho remoto, para que as pessoas possam tirar duas ou mais semanas de férias funcionais de onde preferirem. Outras, como o Facebook, estão permitindo que algumas pessoas se habilitem a trabalhar remotamente o tempo todo, com planos de contratar mais gente para fazer isto no futuro.

Entretanto, em geral, os planos das companhias reconhecem que 2020 mudou o regime de trabalho das pessoas, e que não haverá possibilidade de voltar atrás, pelo menos não inteiramente.

"O que as chefias precisam compreender é que esta experiência que todos estamos vivendo influi consideravelmente na nossa maneira de pensar a vida como qualquer outro evento mundial na história", disse Jared Spataro, executivo da Microsoft responsável por tecnologias de trabalho moderno. "Se você tentar administrar uma empresa como em 2019, os funcionários poderão dizer: Eles mudaram; e vocês, não? Então acho que vou ter de mudar alguma coisa".

Segundo a Microsoft anunciou, a maioria dos seus funcionários poderá trabalhar remotamente até 50% do tempo depois que os escritórios estiverem totalmente abertos, desde que as suas funções o permitam e os funcionários assim preferirem. A companhia, como o Slack e o Twitter, realizou uma pesquisa entre os seus empregados para saber como eles queriam que fosse a sua vida de trabalho depois da pandemia. Em todas as empresas, muitos querem voltar para o escritório pelo menos em tempo parcial, e uma pequena parcela quer voltar em tempo integral.

A batalha por talentos

As companhias lentamente foram aos poucos desbloqueando e ajustando os seus planos de volta ao trabalho.

O Facebook ainda não se comprometeu com nenhuma das novas políticas sobre o trabalho em casa. Depois que alguns escritórios começarem a abrir para uma parcela dos funcionários no dia 2 de julho, os que regressarem poderão trabalhar de sua casa um dia por semana, segundo a política da empresa antes da pandemia.

"À medida que nos aproximamos da reabertura escalonada dos nossos escritórios, estamos estudando a nossa estratégia para o expediente no escritório, e prevemos que isto irá evoluir", disse a porta-voz do Facebook, Katelyn Brehony.

Alguns funcionários do Facebook não estão satisfeitos com o sistema que escolhe quem pode trabalhar totalmente em casa. A companhia permite que apenas os funcionários com determinados níveis de experiência se candidatem, embora isto varie de um departamento para outro. Segundo o Facebook, das pessoas que se candidataram ao trabalho totalmente remoto até o momento, cerca de 90% foram aprovadas.

Os planos do Google preveem que a maioria dos funcionários vá ao escritório três dias por semana, embora 20% do staff possa acabar trabalhando permanentemente em casa, e outros 20% possam mudar de escritório. Na companhia, ainda não está claro quais serão exatamente as expectativas e como serão diferentes entre os locais de trabalho e as equipes, disse um funcionário da área de engenharia que pediu para não ser identificado.

"Os planos de retorno aos escritórios anunciados até o momento para os trabalhadores burocráticos como eu, até o momento têm sido bastante vagos, por isso os empregados em geral estão esperando para ver como será à medida que outros detalhes são anunciados", escreveu em um e-mail Andrew Gainer-Dewar, engenheiro de software no escritório do Google em Cambridge, Massachusetts, e membro da Alphabet Workers Union. "Entretanto, pessoas que trabalham em creches da Bay Area foram chamadas de volta ao trabalho sem qualquer provisão dos meios de transporte, anteriormente oferecidos pela rede de ônibus do Google".

A companhia está ajudando os funcionários afetados pela medida a encontrar transporte no curto prazo, inclusive com caronas, informou a porta-voz Katie Hutchinson. Em um memorando datado de maio, o Google disse que os chefes poderiam informar sobre detalhes do trabalho remoto a equipes específicas em meados de junho.

As condições exatas de trabalho poderão variar consideravelmente em todas as grandes companhias, dependendo de equipes e gerentes específicos. Enquanto a Amazon planeja voltar à vida "centrada no escritório", a gigante do e-commerce também observou que os funcionários desfrutavam de certa flexibilidade para administrar a sua vida de trabalho antes da pandemia, e que isto continuará. A companhia afirma que não se preocupa com o possível impacto disto na hora de recrutar talentos.

"Sabemos que as pessoas vão e vem e ficam na Amazon por causa do grande domínio que eles têm sobre o próprio trabalho, e da inovação que ocorre em todos os lugares", disse o porta-voz da Amazon, Jose Negrete.

A Apple disse que os funcionários voltariam ao escritório em setembro e que deveriam ir ao escritório três dias por semana. Trabalhar em casa será possível somente às quartas e sextas-feiras.

No entanto, as companhias poderão ser obrigadas a competir entre si pelos melhores talentos, e na hora de contratá-los poderão oferecer mais opções remotas.

"É isto o que é exigido para que possamos permanecer no topo do nosso ramo", afirmou Nadia Rawlinson, principal diretora de recursos humanos. Ela destacou que o recrutamento na área de tecnologia há muito é competitivo e que a flexibilidade no trabalho hoje é imprescindível. Permitir o trabalho remoto é particularmente importante para as companhias que esperam ter uma maior diversidade racial e inclusão em seus próprios termos, disse Rawlinson.

O Slack permitirá que a maioria dos seus funcionários se candidate a permanecer em trabalho remoto, com os salários ajustados de acordo com a localização. O próprio diretor executivo Stewart Butterfield se mudou da Bay Area de São Francisco para o Colorado.

Ocupando prédios de bilhões de dólares

Um dos principais fatores que influenciam nas decisões das gigantes de tecnologia são os bilhões que elas investiram em suas instalações.

Antes de março de 2020, as grandes companhias de tecnologia do Vale do Silício despejaram dinheiro em novas sedes elaboradas - desde as elegantes torres dos escritórios no centro da cidade às instalações suburbanas totalmente inclusivas com parques e espaços públicos. As instalações foram projetadas em parte como ferramenta de recrutamento; além disso, companhias como Google e Facebook oferecem benefícios como refeições gratuitas e até lugares para tirar uma soneca.

A Apple gastou US$ 5 bilhões em suas instalações de Cupertino, na Califórnia, que lembram uma nave espacial.

O Google está trabalhando no projeto de um edifício de mais de 55 mil metros quadrados em Mountain View e em instalações de 32,400 hectares, aproximadamente em San Jose. O Facebook expandiu recentemente as instalações acrescentando novos edifícios de Frank Gehry em Menlo Park.

A Amazon nunca fechou totalmente suas instalações urbanas de 1,22 milhão de metros quadrados de Seattle, pontilhadas de torres de escritórios, que alguns trabalhadores continuaram frequentando durante a pandemia. A companhia está construindo uma segunda sede na Virgínia do Norte, onde afirma que investirá US$ 2,5 bilhões. Ela planeja trazer de volta o restante dos seus trabalhadores de escritório já no início do segundo semestre, até os últimos meses do ano.

"O nosso plano é retornar a uma cultura centrada no escritório como nossa base", afirmou a Amazon em um blog no final de março. "Acreditamos que isto nos permitirá inventar, colaborar, e aprender todos juntos de maneira mais efetiva".

As novas instalações do Uber na Mission Bay Area de São Francisco foram concluídas durante a pandemia. O escritório, construído para 5 mil funcionários, ficou vazio durante meses, mas foi um dos primeiros a receber de volta um pequeno número de pessoas no final de março, embora os que trabalham em casa possam continuar até 13 de setembro. O Uber disse que está voltando às suas mesmas políticas sobre trabalho remoto anteriores à pandemia: todo funcionário tinha de ir ao escritório onde havia sido admitido para trabalhar pelo menos três dias por semana.

A cultura do trabalho no escritório mudou para sempre

Alguns dos primeiros voluntários que estão voltando já estão descobrindo a escassez dos benefícios habituais e, no caso das funcionárias das creches do Google, necessidades.

No escritório da Microsoft em Redmond, Washington, a comida quente foi momentaneamente substituída por almoços em caixas mais higiênicos. E os ônibus para o transporte dos funcionários entre as dezenas de edifícios em suas enormes instalações estão parados. A Microsoft informou que os serviços voltarão à medida que os funcionários forem retornando ao escritório.

Para as companhias que estão lançando um modelo de trabalho híbrido, provavelmente os problemas se intensificarão. Especialistas em trabalho apontam para casos de possível desigualdade quando alguns trabalhadores conseguirem trabalho presencial e outros continuarem remotos. Outros ainda poderão mudar de opinião a respeito de voltar, quando virem seus colegas fazendo o mesmo.

"Eu me pergunto quanto estaremos perdendo enquanto as pessoas veem alguns dos seus colegas ou concorrentes voltando ao escritório", disse Jed Kolko, economista chefe no site Indeed de anúncios de emprego. "É possível que eles se sintam passados para trás ou excluídos se trabalharem remotamente."

No Slack, se uma pessoa precisa ligar para participar de uma reunião, todos os outros também terão - mesmo que isto signifique que as pessoas presentes no escritório responderão ao telefonema de suas mesas.

Na Microsoft, os funcionários que continuaram no escritório ainda vão para as salas de reuniões, mas são convidados a virar as suas cadeiras para grandes telas e discar no mute em seus próprios dispositivos. Desse modo, os trabalhadores remotos poderão ainda ver de perto os rostos (virtuais) dos colegas e se sentirem conectados.

O Google, que definiu o escritório do Vale do Silício de meados de 2000 e 2010 com suas faixas coloridas entre os pisos, quadras de vôlei ao ar livre e, a todo momento, comida gratuita, tem uma equipe tentando redefinir os seus espaços de trabalho durante toda a pandemia. Entre as várias ideias, há "paredes de balões" que podem ser inflados a fim de oferecer maior privacidade, e separação, ou salas de reuniões circulares com uma câmera no meio e grandes telas de TV nos lados para que os participantes que chamam não se sintam limitados pelo fato de não poderem ver os colegas pessoalmente, e vice-versa.

O Twitter, que anunciou uma política permanente de trabalho remoto já adotada durante a pandemia, transformou a sede de São Francisco, afirmou a diretora de recursos humanos, Jennifer Christie, em uma entrevista. Quando reabrir parcialmente no dia 12 de julho, não terá mais mesas identificadas e locais específicos para as equipes, mas algumas áreas estarão designadas como "silenciosas" e outras como "sociais".

"Achamos que haverá uma corrida maluca de pessoas querendo vir, e provavelmente isto durará algum tempo". Mas ela prevê que as coisas se acalmarão quando as pessoas pensarem em quantas vezes desejaram trabalhar em casa ou estar perto de outras pessoas. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

Estadão
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