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Inteligência artificial tem avanço que pode acelerar a descoberta de medicamentos

Os pesquisadores da DeepMind, uma empresa irmã do Google, afirmam ter solucionado 'o problema do enovelamento de proteínas', uma tarefa que assombrava os cientistas há mais de 50 anos

5 dez 2020 - 05h11
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Alguns cientistas passam a vida tentando descobrir a forma de minúsculas proteínas do organismo humano. As proteínas são os mecanismos microscópicos que determinam o comportamento de vírus, bactérias, do corpo humano e de todas as coisas vivas. Elas começam como cordões de compostos químicos antes de se torcer e enovelar-se em formas tridimensionais que definem o que podem fazer - e o que não podem fazer.

A identificação da forma precisa de uma proteína às vezes exige dos biólogos meses, anos ou até mesmo décadas de experimentações. Exige competência, inteligência e mais do que um pouco de esforço extra. Às vezes, eles nunca conseguem. Agora, um laboratório de inteligência artificial de Londres construiu um sistema computacional que pode realizar esta tarefa em poucas horas - talvez até alguns minutos.

O DeepMind, um laboratório pertencente à Alphabet, holding que também controla o Google, anunciou na última segunda-feira que o seu sistema, chamado AlphaFold, solucionou o conhecido "problema do enovelamento das proteínas". Dado um cordão de aminoácidos que constituem uma proteína, o sistema consegue rapidamente e com total confiabilidade prever sua forma tridimensional.

Este avanço, há muito perseguido, poderá acelerar a capacidade de compreender as doenças, desenvolver novos medicamentos e desvendar os mistérios do organismo humano. Os cientistas da computação lutaram mais de 50 anos para construir este sistema. Nos últimos 25, eles mediram e compararam os seus esforços mediante uma competição global chamada Critical Assessment of Structure Prediction, a CASP. Até agora, nenhum concorrente sequer chegara perto da solução do problema.

O DeepMind resolveu o problema com uma grande variedade de proteínas, chegando a um grau de precisão que rivaliza com os experimentos físicos. Muitos cientistas imaginavam que este momento levaria ainda muitos anos, senão décadas. "Eu sempre esperei viver pra ver este dia", disse John Moult, professor da Universidade de Maryland que foi um dos criadores do CASP em 1994 e continua supervisionando a competição bienal. "Mas nem sempre esteve óbvio que eu conseguiria".

Como parte da CASP deste ano, a tecnologia do DeepMind foi revista por Moult e outros pesquisadores que supervisionam a competição. Se os métodos do DeepMind puderem ser aperfeiçoados, ele e outros pesquisadores afirmam, poderão acelerar o desenvolvimento de novos medicamentos, bem como os esforços para a aplicação dos medicamentos atuais a novos vírus e doenças.

O avanço chega tarde demais para produzir um impacto significativo sobre o novo coronavírus. Mas os pesquisadores acreditam que os métodos do DeepMind poderão acelerar a resposta a pandemias futuras. Alguns acreditam que poderá também ajudar os cientistas a obter um melhor conhecimento das doenças genéticas, como o Alzheimer ou a fibrose cística.

No entanto, os especialistas recomendam cautela porque esta tecnologia só afetaria uma pequena parte do longo processo pelo qual os cientistas identificam novos medicamentos e analisam as doenças. Também não ficou claro quando ou como o DeepMind compartilhará sua tecnologia com outros pesquisadores.

Por que saber o formato da proteína importa?

Se os cientistas podem prever a forma de uma proteína no organismo humano, também poderão identificar como outras moléculas se unirão ou se ligarão fisicamente a ela. Esta é uma das linhas de desenvolvimento de medicamentos. Um medicamento se une a determinadas proteínas em nosso organismo e altera o seu comportamento.

Analisando milhares de proteínas conhecidas e suas formas físicas, uma rede neural pode aprender a rever as formas de outras. Usando esse método, o DeepMind entrou pela primeira vez na competição da CASP em 2018 e o seu sistema apresentou um desempenho superior ao de todos os outros competidores, assinalando uma significativa mudança. Mas a sua equipe de biólogos, físicos e cientistas da computação, chefiados por um pesquisador chamado John Jumper, não chegou nem perto de solucionar o problema fundamental.

Nos dois anos seguintes, Jumper e a sua equipe desenharam um novo tipo de rede neural especificamente para o enovelamento de proteínas, e isto proporcionou um enorme salto em termos de precisão. A sua versão mais recente oferece uma solução poderosa, embora imperfeita, do problema do enovelamento de proteínas, disse a cientista da pesquisa do DeepMind, Kathryn Tunyasuvunakool.

O sistema pode prever com precisão os resultados da competição do CASP. E os seus erros com estas proteínas são menores do que a largura de um átomo - uma taxa de erros que rivaliza com a dos experimentos físicos.

"A maioria dos átomos se encontram no diâmetro de um átomo de onde estão na estrutura experimental", disse Moult, o organizador da disputa. "E para os que não estão, há outras explicações a respeito da diferença".

Durante a atual pandemia, uma forma de inteligência artificial se mostrou útil em alguns casos. Um sistema construído por outra companhia de Londres, a BenevolentAI, contribuiu para apontar uma droga existente, a baricitinib, que poderia ser usada em pacientes de covid-19. Os pesquisadores agora concluíram um teste clínico, mas os resultados ainda não foram divulgados.

Enquanto a tecnologia continua sendo aperfeiçoada, o AlphaFold poderá acelerar ainda mais este tipo de reprogramação de drogas, bem como o desenvolvimento de vacinas totalmente novas, principalmente se encontrarmos um vírus que seja menos compreendido do que a covid-19.

David Baker, diretor do Institute for Protein Design da Universidade de Washington, que usa uma tecnologia computacional semelhante para desenhar drogas contra o novo coronavírus, disse que os métodos do DeepMind poderão acelerar este trabalho. "Nós conseguimos desenhar proteínas que neutralizam o [novo] coronavírus em vários meses", afirmou. "Mas o nosso objetivo é fazer isto em algumas semanas".

No entanto, a velocidade do desenvolvimento precisa defrontar-se com outras questões, como maciços testes clínicos, disse o dr. Vincent Marconi, pesquisador da Emory University de Atlanta, que foi um dos chefes do testes da baricitinib. "Isto levou tempo", afirmou.

Mas os métodos do DeepMind poderão ser uma maneira de determinar se um teste clínico poderá falhar por causa de reações tóxicas ou outros problemas, pelo menos em alguns casos.

Demis Hassabis, diretor executivo e um dos fundadores do DeepMind, informou que a companhia pretende divulgar os detalhes para a descrição do seu trabalho, mas que é improvável que isto aconteça antes do próximo ano. E acrescentou que a companhia avalia formas de compartilhamento da tecnologia em si com outros cientistas.

O DeepMind é um laboratório de pesquisa. Não vende produtos diretamente a outros laboratórios ou empresas. Mas poderia colaborar com outras companhias para compartilhar o acesso às suas tecnologias pela internet. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

Estadão
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