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'É difícil contratar', diz cofundador do QuintoAndar

Após saltar de 350 para 1,1 mil funcionários em 2019, startup de imóveis quer reduzir ritmo de contratações e focar em tecnologia para deixar trabalho menos braçal

24 jan 2020 - 05h11
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Uma empresa que contrata tanta gente que precisa mudar de sede três vezes num espaço de três anos. Parece ficção, mas é o que aconteceu com a startup de imóveis QuintoAndar. Só em 2019, a companhia avaliada em mais de US$ 1 bilhão saltou de 350 funcionários para 1,1 mil pessoas. O crescimento levou o grupo comandado por Gabriel Braga e André Penha a se mudar, em dezembro de 2019, para um câmpus de três prédios na Vila Madalena, zona oeste da capital paulista - os espaços são administrados pela rede WeWork e ainda estão sendo finalizados para receber a startup.

"Espero que a gente fique bastante tempo aqui, é um escritório com a nossa cara", diz Penha, em entrevista exclusiva ao Estado. Ele mesmo se surpreende com o ritmo de contratação da empresa. "É assustador. É um desafio fazer com que tanta gente aprenda como a empresa funciona rapidamente", diz ele. "É difícil contratar, tem que ter uma margem de erro para nós e para a pessoa."

Na entrevista a seguir, Penha não fala só sobre o crescimento recente da startup, que chegou a 5 mil contratos de aluguel assinados por mês e R$ 28,9 bilhões em imóveis sob seu gerenciamento. Também discorre sobre os planos para o futuro - segundo ele, 2020 é ano de buscar eficiência e explorar melhor as cidades em que a empresa já atua, além de expandir o negócio de intermediação da compra e venda de residências. A seguir, os principais trechos da entrevista.

O QuintoAndar saltou de 350 pessoas para 1,1 mil funcionários em um ano, quase quadruplicando a empresa. Para quem vê de fora, é assustador…

Contratar muita gente é assustador. Fazemos um baita esforço em trazer pessoas e permitir que elas aprendam como funciona a empresa rapidamente. É um desafio enorme que nós estamos passando. E a proporção de novas pessoas precisa diminuir: não dá para ter 4 mil funcionários daqui a um ano, senão fica difícil gerenciar. É difícil para danar contratar gente: você entrevista várias pessoas para contratar uma, tem que ver se funciona. Há uma margem de erro para nós - e também para a pessoa. Por conta disso, precisamos investir mais em tecnologia em 2020, deixando processos mais eficientes. A ideia é que o trabalho seja menos braçal e mais inteligente.

Do ponto de vista do usuário, como isso será sentido?

A intenção é que as pessoas sintam o mínimo o possível. Automatização é boa mesmo quando é quase invisível. O que vai acabar acontecendo é que menos pessoas vão precisar entrar em contato conosco. Quem precisar falar com a empresa, vai ser atendido em menos tempo.

O ano que acabou foi cheio de novidades para a empresa. Qual o balanço que o sr. faz sobre 2019?

Foi o nosso melhor ano na história. Fechamos com quase R$ 30 bilhões em imóveis gerenciados. Tem muito fundo de investimentos que não tem isso. Além disso, conseguimos gerar economias: se considerar o que nossos usuários não pagaram de seguro-fiança e o que os proprietários não pagaram de IPTU e condomínio com os imóveis vazios, dá R$ 940 milhões só no ano passado. É a consequência de uma economia mais eficiente. Fechamos mais de 5 mil contratos por mês no final do ano passado. Em janeiro, também já passamos essa marca. Costuma ser o nosso melhor mês.

A empresa acaba de se mudar para um campus de três torres na Vila Madalena, depois de trocar de sede três vezes entre 2016 e 2019. A pergunta é: até quando vocês vão caber aqui?

Quero que seja por alguns anos. Tem espaço sobrando, por enquanto. Uma das torres está reservada para o time de tecnologia e produto, que tem 350 pessoas. Dessas, 35 estão em Campinas. A capacidade total da torre é de 500 pessoas, então tem algumas cadeiras vagas. Além disso, é um escritório que nos dá orgulho, ele tem a nossa cara. É a nossa casa. Não tem nada supérfluo, não tem mesa de pingue-pongue, mas é agradável.

Do ponto de vista de tecnologia, quais serão as novidades para o negócio de aluguel de imóveis?

Estamos estudando novas funcionalidades e serviços adjacentes ao aluguel. Ainda estamos definindo, mas é possível que passemos a adiantar o aluguel para o proprietário de um ano inteiro, à vista - mediante uma taxa, claro. É como se fosse um recebível. Outra coisa que pretendemos fazer são pacotes de serviços para o inquilino. Será que conseguimos fazer o contrato de aluguel e também um serviço de internet? Estamos explorando parcerias. Não queremos empurrar nada para ninguém, mas queremos deixar a vida das pessoas mais fácil.

A ideia é reduzir o incômodo de se fazer uma mudança?

A gente quer que a mudança de casa seja algo sem sofrimento. É utópico, mas podemos reduzir o problema. Ainda há muita burocracia. Alugar é difícil, comprar também. Nossa meta é que as pessoas escolham onde querem morar. Que não deixem de se mudar para perto do trabalho ou para um lugar maior só porque dá trabalho. Que consigam morar onde querem, por um preço que podem pagar. Isso é o ideal.

Em 2019, o QuintoAndar anunciou o Originals, um programa que reforma os imóveis dos proprietários e também faz curadoria de residências em bom estado. Como está o projeto?

Ele é interessante porque melhora a qualidade dos apartamentos. O que descobrimos é que reformar poucos apartamentos é fácil. Reformar muitos apartamentos é difícil. Não estamos pisando no acelerador com o Originals, que segue funcionando só em São Paulo. Estamos fazendo testes, precisamos de mais estudos. Mas temos conseguido saber bem quais apartamentos merecem esse selo de qualidade, que alugam rápido, e podemos instruir os proprietários que queiram fazer suas reformas.

Outra novidade do ano passado foi a intermediação na compra e venda de imóveis. Quais são os planos para 2020?

É engraçado: quando começamos, percebemos que o aluguel era um problema maior que a compra de um imóvel. Ambos são burocráticos, mas uma pessoa aluga vários apartamentos na vida. Comprar, só um ou dois. Quisemos resolver um problema maior. No entanto, começaram a chegar muitos pedidos de venda para nós. Chegamos a ter 2 mil contatos por mês, feitos por proprietários que queriam que intermediássemos a venda de imóveis. É um volume significativo, enxergamos nele demanda reprimida. Estamos começando agora, já temos mil anúncios no ar, por enquanto em alguns bairros de São Paulo. Tem sido interessante aprender, colher dados, gerar relatórios com a nossa equipe de ciência de dados. Isso é: de estatísticos. Data science (ciência de dados) é o nome chique de estatística.

O mercado de compra e venda de imóveis tem empresas tradicionais e também tem sido alvo de startups, como a Loft, que se tornou recentemente um unicórnio. Como o sr. vê a concorrência?

É um mercado gigante e dificilmente alguém vai dominar. Nós somos hoje o maior player de aluguéis da América Latina, mas estamos longe de dominar - pense em quanta gente aluga imóveis ainda do jeito analógico. O mercado de vendas tem menos transações, mas o volume dessas transações é muito maior. E a concorrência é supersaudável: vemos com bons olhos, gostamos de um mundo mais eficiente e digitalizado. Não é novidade que o setor imobiliário precisa ser digitalizado.

Em dois anos, o QuintoAndar saltou de Campinas e Grande São Paulo para 30 cidades. Haverá novos mercados em 2020?

Não planejamos expandir para novas áreas metropolitanas. Vamos ser mais intensos onde já estamos. Colocaremos mais time de operação e marketing e também vamos reforçar nossas parcerias com imobiliárias. Hoje, temos cerca de 30 parcerias com imobiliárias no Brasil. A gente compartilha a receita com eles, que atendem os proprietários no mundo offline. Nós pagamos o proprietário em dia e damos os mesmos benefícios ao inquilino, como não precisar de seguro fiança ou fiador. Hoje, já aprendemos a começar operação em novas cidades, mas não sabemos ainda como intensificar relações com parceiros. É um desafio diferente, até porque também pode ser aproveitado em qualquer lugar.

Lá fora, startups que receberam aportes do SoftBank enfrentaram problemas nas últimas semanas, com demissões e reestruturações. Como isso se refletiu aqui no QuintoAndar? Houve alguma pressão ou mudança?

Nós recebemos o aporte do SoftBank numa fase em que o mercado já estava mais cauteloso. É saudável. Nós começamos a startup em Campinas, sem dinheiro e sem salário - e isso ficou marcado em mim e no Gabriel. Nosso marketing é comportado, não saímos metralhando campanhas ou fazendo ultradescontos. Não alugamos dois apartamentos pelo preço de um, isso é jogar dinheiro fora. Em São Paulo, já operamos no azul. Em outras cidades, onde ainda estamos crescendo, não. Temos um carinho especial pela contabilidade e pelo fluxo de caixa. De forma geral, acredito que esse movimento de parar de distribuir dinheiro para dominar mercado é saudável. Não estamos queimando dinheiro que nem serviços de entrega de comida, que brigam para caramba e dão descontos para dominar rápido o mercado.

Até porque o negócio do QuintoAndar não está relacionado a compra por impulso ou por alta recorrência…

Sim. Talvez isso seja uma vantagem. Mas a questão é que é um momento de fazer contas. Não é só o caso do SoftBank. Eles foram mais afetados porque tinham uma metralhadora de investimentos que ninguém tinha, mas isso está acontecendo com todos os fundos. Eu tenho cabelo branco para lembrar da bolha da internet. Foi um susto enorme. Hoje, estamos longe disso: o susto veio antes de virar um dominó e isso é ótimo. E é algo cícloco: a economia é cíclica, o capital de risco também. Tem horas que é preciso esperar retorno acontecer. Sempre tivemos a escola de sermos frugais, nossos investidores cobraram essa disciplina desde sempre. É ruim para quem foi contratado e é demitido dois meses depois, mas é saudável para o mercado. É (a seleção natural de) Darwin.

Estadão
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