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"Quem faz a universidade é o aluno". Será que é bem assim?

18 abr 2024 - 06h07
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Universidades não são iguais. Variam, por exemplo, na qualificação do corpo docente e também na infraestrutura. O esforço do estudante é muito importante, mas não é a única variável que explica qualidade da formação."Não existe isso de universidade boa ou ruim. Quem faz a universidade é o aluno."

Quem aqui nunca ouviu isso? Já perdi a conta da quantidade de vezes que ouvi e confesso que sempre me incomodou um pouco. Gostaria de falar sobre isso na coluna da semana e convido você, leitor, para uma discussão saudável sobre o assunto.

Quero começar pontuando que há, de fato, um fundo de verdade na frase. O esforço do discente é importantíssimo e não é exagero dizer que também o mais importante ingrediente para uma formação sólida. No entanto, noto que cria-se, ainda que não propositalmente, uma romantização acerca do ensino da uniformidade da qualidade do ensino superior no Brasil e, alinhado à isso, uma subestimação da importância da qualidade do corpo docente e da infraestrutura.

Privadas e públicas

Todas as universidades são iguais? É óbvio que não. Primeiro, em termos de didática, vamos pensar nos dois grandes grupos: universidades privadas e as públicas.

Há no Brasil cerca de 155 universidades públicas, entre federais e estaduais. Já a quantidade de universidades privadas em 2019, segundo dados do Censo de Educação Superior realizado pelo INEP, era de 2.457 instituições.

Não há nenhum estudo sobre isso, mas digo aqui com muita segurança: na média, as universidades públicas são melhores do que as universidades privadas. Me refiro à qualidade do corpo docente, à qualidade do currículo, à qualidade da infraestrutura e também ao compromisso para com a ética e para com a qualidade da formação que oferecem.

Esse último ponto é muito importante. Há, sim, óbvio, universidades privadas sensacionais e completamente comprometidas com a ética, com a qualidade de seus currículos e com a qualidade da formação de seu corpo docente. Temos no Brasil a FGV, PUC, Mackenzie, ESPM, Unifacs, entre outras. São exemplos de instituições privadas de ensino superior que são referência.

No entanto, queridos leitores, é importante lembrar que elas são ponto fora da curva e não representam a média. É uma pena, mas é verdade. Infelizmente, há inúmeras universidades particulares cujo único objetivo é a receita oriunda de seus clientes, ou seja: a mensalidade dos universitários que compõem seus corpos discentes.

Boa parte delas são predatórias desde a publicidade e não é incomum encontrar casos de pessoas que foram "enganadas" durante a fase da matrícula e da assinatura do contrato. Coloquei a palavra entre aspas, pois entendo que há sim muita desatenção e não cultura de ler todo o contrato, mas elas sabem disso e usufruem dessa vulnerabilidade de boa parte do povo brasileiro.

Descaso e falta de infraestrutura

Durante o curso, também não é incomum o estudante sofrer com o descaso, com a falta de infraestrutura e com a não qualificação do corpo docente. Não é uma crítica aos professores, mas algumas remuneram tão mal que simplesmente não podem exigir nem um mestrado dos professores, atraindo assim uma mão de obra não qualificada. Antes que alguém problematize: não. Não estou dizendo que apenas profissionais com mestrado são qualificados, mas creio que ficou claro o que quis dizer.

Para ajudar a clarear: um docente com mestrado e doutorado, na média, é especialista em determinada área e, naturalmente, possui muita propriedade do assunto para que suas aulas sejam bem fundamentadas. Temos profissionais nas universidades públicas e em algumas particulares que simplesmente são referência mundial na área de pesquisa. Isso é sim importante e faz diferença.

Uma vizinha minha, amiga de infância, ingressou no curso de Estética e Cosmetologia em uma gigante universidade privada do país. Uma que anuncia com orgulho suas mensalidades absurdamente baratas e que conta com grandes artistas para as suas publicidades. A mesma, caso não saibam, integra uma rede de educação grande o bastante para ter capital aberto na bolsa de valores. Lindo, né? Com tanta fama e dinheiro é de se pensar que seus alunos sejam incrivelmente bem tratados, mas não foi o caso de minha vizinha.

Ela sofreu muito durante o curso com a falta de infraestrutura, com o descaso, com a desorganização e com a não qualidade ou qualificação de seus professores. Para se formar, foi outro desafio: a coordenação criava obstáculos e todos envolviam pagamentos e taxas. Acabou atrasando em quase um ano e quase desistiu do curso.

Falta de investimento

Então, por outro lado, quero dizer que não há problemas nas universidades públicas e que todas são iguais? Não. É claro que não. Em relação à qualificação do corpo docente, diria que todas são, no geral, muito boas. No entanto, quando se trata de infraestrutura, há sim uma clara heterogeneidade. Estudei na faculdade de economia da USP e a infraestrutura era sensacional.

Faço mestrado na faculdade de economia da UFRJ e é gritante a diferença. O corpo docente do meu mestrado é incrível, mas tanto o campus quanto o prédio da faculdade em que estudo são muito diferentes do campus da USP e do prédio onde me graduei. Não se trata de má gestão da reitoria ou de descaso do corpo técnico, mas sim da falta de investimento do governo federal.

Quando se trata de universidades públicas estaduais, a discrepância entre instituições é ainda mais nítida. De forma simplista: há uma correlação entre a arrecadação/riqueza do Estado e o investimento. Conheço uma universidade pública estadual de um estado do Norte que até pouco tempo não tinha auxílios para os estudantes.

Dado todo esse contexto, meu ponto é: há sim o fator esforço e dedicação do estudante. É importantíssimo. Tenho uma querida colega que se graduou pelo Prouni em uma universidade de pouca infraestrutura, era provavelmente a estudante mais dedicada. Trabalhava e estudava. Fez mestrado e doutorado na USP e ainda um doutorado sanduíche no MIT, uma das melhores do mundo. Atualmente é docente em uma das melhores universidades privadas do país.

Mas o esforço não explica tudo. Fatores como infraestrutura da instituição, qualificação do corpo docente, ética para com o corpo discente, qualidade dos currículos e uma real preocupação da instituição para com o aprendizado também fazem parte da equação e não podem ser subestimados.

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Vozes da Educação é uma coluna semanal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do Salvaguarda no Instagram em @salvaguarda1

Este texto foi escrito por Vinícius De Andrade e reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.

Deutsche Welle A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas.
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