Prefeitura de SP é condenada a pagar R$ 24,8 milhões por não garantir aborto legal
Decisão judicial exige que a gestão municipal pague multa por descumprir ordem de reabrir ou redirecionar o serviço de interrupção da gravidez para vítimas de estupro
A Prefeitura de SP foi condenada pela Justiça a pagar uma multa de R$ 24,8 milhões. A sentença, emitida pela juíza Simone Gomes Rodrigues Casoretti, da 9ª Vara de Fazenda Pública do Tribunal de Justiça de São Paulo, é resultado do não cumprimento da garantia de aborto legal para mulheres vítimas de estupro.
O município, sob a gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB), descumpriu uma decisão que exigia a reabertura do serviço de interrupção da gestação no Hospital Maternidade Vila Nova Cachoeirinha, na Zona Norte da cidade, ou que providenciasse o encaminhamento de pacientes para outras unidades públicas de saúde.
O valor de R$ 24,8 milhões corresponde ao período de 497 dias em que a ordem judicial não foi cumprida pela prefeitura. A multa diária foi fixada em R$ 50 mil. A magistrada afirmou que o valor é compatível com a situação e busca garantir a efetividade da jurisdição e a proteção dos direitos das mulheres.
A juíza Casoretti apontou que a prefeitura da capital paulista teve uma "conduta omissiva" nos casos. Ela também mencionou a "desobediência institucional reiterada", alegando que houve um desinteresse pelos direitos fundamentais, como a saúde e a dignidade das mulheres que foram vítimas de violência sexual.
O Hospital Maternidade Vila Nova Cachoeirinha encerrou o serviço de aborto legal em dezembro de 2023, durante a administração Nunes. A unidade era reconhecida por oferecer o atendimento e era uma das poucas no estado de São Paulo preparadas para casos mais complexos de interrupção da gestação.
A ação que levou à condenação foi apresentada por parlamentares do PSOL: a deputada federal Luciene Cavalcante, o deputado estadual Carlos Giannazi e o vereador Celso Giannazi.
A Prefeitura de São Paulo informou que, após a notificação oficial, irá recorrer da decisão. Em nota, a Secretaria Municipal da Saúde disse que entende que as "decisões técnicas feitas por médicos e profissionais da saúde devem prevalecer sobre questões ideológicas". A prefeitura listou quatro hospitais municipais onde o aborto legal é realizado: Cármino Caricchio (Tatuapé), Fernando Mauro Pires da Rocha (Campo Limpo), Tide Setúbal (São Miguel Paulista) e Mário Degni (Jardim Sarah).
Antes da condenação, a prefeitura contestou o valor da multa, alegando que seria excessivo e que não teve direito à ampla defesa. A gestão Ricardo Nunes argumentou que a ação não forneceu os nomes completos e CPFs das pacientes que tiveram o serviço negado, apenas as iniciais.
A juíza, no entanto, não acolheu os argumentos. Ela afirmou que os documentos apresentados pelos parlamentares e pela Defensoria Pública de São Paulo trouxeram informações suficientes. A magistrada ressaltou que cabia ao município, que tem acesso aos registros de atendimento, verificar internamente se os procedimentos haviam sido feitos ou reagendados.
O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) já havia se manifestado favoravelmente à aplicação da multa. Em seu parecer, o promotor de Justiça Arthur Pinto Filho indicou que a prefeitura deixou de atender ao menos oito vítimas de violência sexual.
Com a recusa de atendimento na rede municipal, as pacientes foram atendidas em hospitais como o São Paulo (conveniado à Unifesp) ou o Hospital das Clínicas (estadual), e algumas tiveram que viajar para outros estados para conseguir exercer o direito ao aborto legal.
O valor da multa será destinado ao Fundo Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente, com o foco em projetos específicos voltados a crianças e adolescentes vítimas de estupro e para garantir o acesso ao aborto legal. No Brasil, o procedimento é permitido em casos de anencefalia fetal, risco à vida da gestante e gravidez resultante de estupro.