Paulínia paga R$ 8,8 mil a professor e tem concurso cobiçado
Docentes da cidade recebem triplo do piso federal graças à arrecadação com Petrobrás
Paulínia aparece como um ponto muito fora da curva quando o assunto é salário de professor na rede municipal de ensino. A cidade de 106 mil habitantes na região de Campinas paga, disparado, o maior piso salarial em território paulista, segundo dados de um levantamento inédito feito pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP) e a que o Estadão teve acesso com exclusividade.
O valor de R$ 8,8 mil para professores com jornada de 40 horas em início de carreira é efeito da Replan, refinaria da Petrobras, que infla a arrecadação da prefeitura. Com a obrigatoriedade legal de gastar 25% da receita em educação, uma fatia considerável do orçamento de R$ 1,5 bilhão vai para salários. Para efeito comparativo, Bauru conta com receita de menos de R$ 1 bilhão e tem quatro vezes mais moradores que Paulínia.
A secretária de Educação, Meire Müller, sabe que desfruta de uma situação privilegiada entre os colegas gestores municipais. Enquanto o piso fixado por lei está em R$ 14,4 por hora de trabalho, Paulínia paga R$ 41,1. Sumaré - a 23 quilômetros de distância e quase três vezes maior que a cidade vizinha - paga R$ 15,7 para docentes em início de carreira.
O resultado é uma "invasão" quando Paulínia abre concurso público. O último, realizado em 2018, teve concorrência de mais de mil candidatos por vaga. Os hotéis ficam lotados e é preciso emprestar escolas das cidades vizinhas para realizar as provas. O que atrai professores do país todo é a remuneração, que é de R$ 3 mil a mais do que em Jundiaí, a segunda colocada no ranking de melhores pisos pagos nas prefeituras paulistas.
A rede municipal de ensino em Paulínia consegue ter em seus quadros profissionais como Luiz Gustavo Bonatto Rufino, doutor em Educação Física que dá aula para crianças de 6 a 11 anos. Quando assumiu a vaga em Paulínia, em 2018, ele acabou designado para uma escola "depois da ponte", que marca a divisão entre a parte mais abastada e a mais periférica. "A cidade tem sim pontos de desigualdade social". Foi na Escola Municipal Odete Emídio de Souza, umas das únicas que não tem quadra coberta na cidade, que desenvolveu o projeto "Ressignificando as visões sobre o corpo".
A ideia surgiu quando percebeu que crianças muito novas já tinham problemas de aceitação e autoimagem. Primeiro ele pediu que escrevessem o que gostavam e o que não gostavam de si mesmas. Recebeu respostas como "eu não gosto de ser negro e de não ter pais" e "eu me amo, porque sou loira e magra". Depois de várias intervenções para bater de frente com esses padrões, trabalhou o corpo e suas potencialidades e limitações, motoras e sensoriais, com exercícios lúdicos, como andar de perna de pau. Falou de atletas negros. "Eles nem sabiam quem é o Pelé, mas conheciam o Usain Bolt", comenta. Com o projeto, ganhou o prêmio Educador Nota 10, um reconhecimento nacional, em 2019.
Rufino vê outros professores engajados como ele atuando em Paulínia. Acredita que é reflexo da concorrência no concurso público, mas também do sentimento de valorização da carreira. "Junto com a questão salarial vem um compromisso", resume. Na escola em que trabalha atualmente, a Professor José Dalmo, são desenvolvidos outros projetos de vanguarda. "Tem até cinema, com gravação por drone", conta.
Para Rufino, a situação educacional de Paulínia é reflexo da destinação de recursos para o lugar certo. No passado, conta, os políticos gastavam em obras nababescas, como os portais feitos em vários pontos da cidade. Hoje vê a valorização dos professores, embora tenha do que reclamar. Mesmo sendo doutor, não recebe adicional e ganha o mesmo valor de um graduado. Ele conta que já requisitou o benefício, também pelo mestrado, mas ainda não obteve resposta. Procurada, a prefeitura de Paulínia não se manifestou sobre o assunto.
A secretária Meire Müller acredita que a maior evolução no cenário educacional da cidade começou em 2017, quando o plano de carreira mudou a jornada de trabalho para pagamento por hora. Segundo ela, isso aconteceu para tentar acabar com a disparidade da remuneração entre quem dá aula para crianças e para adolescentes. "Muitas vezes um professor que tinha perfil para ser alfabetizador ia para o ensino médio só para ganhar mais", comenta.
Atualmente, é possível trabalhar até 54 horas na rede municipal, com salário na casa de R$ 12,5 mil, sem contar os benefícios. Ela acrescenta que os profissionais têm garantia de tempo remunerado para participar de reuniões, preparar aulas e corrigir provas e trabalhos. "Acredito que o salário não seja a única motivação, mas dá tranquilidade e dignidade ganhar bem pelo trabalho", diz. Na cidade, são 950 professores e 21 mil alunos.
Meire avalia que a população reconhece a qualidade do ensino. Segundo ela, são raras as escolas particulares. Também afirma que não há fila de espera para criança em creche. Mas a cidade está lidando com a chegada de novos moradores, atraídos pela qualidade de vida e oportunidades de trabalho.
Apesar disso, a instabilidade política pode comprometer a regularidade dos projetos. Paulínia teve 13 prefeitos em sete anos. Dixon Ronan de Carvalho (PP) foi cassado em 2018 por abuso de poder econômico na campanha. Houve trocas de comando até 2019, quando a cidade teve uma eleição suplementar. Du Cazellato (PL) venceu para o mandato tampão e foi o mais votado nas eleições de 15 de novembro também.