O ricochete de uma conspiração: Trump e os arquivos Epstein
Trump estava sendo pressionado por sua própria base a "expor" os nomes ligados a Epstein. Para parte dos apoiadores, o ex-presidente estaria, na melhor das hipóteses, sendo omisso. Na pior, seria cúmplice.
Um espectro ronda Donald Trump - e não é o socialismo. É um espectro mais familiar, mas cada vez mais imprevisível: o das teorias da conspiração.
Trump, que ao longo de sua trajetória política dominou esse tipo de narrativa - do birtherismo (falsa ideia de que Barack Obama não nasceu nos EUA) ao Deep State(uma suposta conspiração de burocratas não eleitos contra o presidente) - agora vê esse instrumento se voltar contra ele. A recente reativação do debate em torno da suposta lista de clientes do financista Jeffrey Epstein, preso por tráfico sexual e encontrado morto em 2019, abriu nova brecha narrativa. Nomes de figuras poderosas circulam nos fóruns digitais e, ainda que o nome de Trump não esteja formalmente entre os acusados, aparece associado por fotos, vídeos, depoimentos antigos e pela lógica implacável da suspeita conspiratória.
Teorias da conspiração, como definem Cass Sunstein e Adrian Vermeule, explicam eventos a partir da ideia de que grupos poderosos atuam secretamente até alcançar seus objetivos. Segundo os autores, combater essas narrativas pode, paradoxalmente, fortalecê-las. Sua força está menos na prova factual e mais na construção de um enredo coeso, com inimigos ocultos, ações secretas e verdades suprimidas. Não se trata de evidência, mas de pertencimento: aderir à teoria é tomar posição, criar vínculos identitários e definir culpados e inocentes.
De acordo com uma pesquisa da YouGov realizada em novembro de 2023 nos Estados Unidos, 9% dos entrevistados acreditavam plenamente que lideranças democratas estavam envolvidas em redes de tráfico infantil, e 19% consideravam isso "provavelmente verdadeiro". Sobre a crença de que os republicanos estariam envolvidos, os números foram 7% e 18%, respectivamente.
Esse tipo de discurso teve papel central na ascensão de Trump. Sua campanha de 2016 foi marcada por um ecossistema de desinformação alimentado por teorias como o Pizzagate, que, com base em vazamento de e-mails de seu diretor de campanha por meio do Wikileaks, sugeria que Hillary Clinton e outros democratas operavam uma rede de tráfico infantil em uma pizzaria de Washington. Em 2020, o grupo QAnon radicalizou esse imaginário e consolidou-se como força política online. O caso Epstein atualiza essa narrativa: um milionário abusador, cercado por celebridades, políticos e membros da elite global. A trama está pronta para uso conspiratório. Mas agora, Trump não está imune à suspeita.
E o que acontece quando a conspiração se volta contra quem a alimentou? Esse é o dilema de Trump.
Nos últimos meses, ele tem sido pressionado por sua própria base a "expor" os nomes ligados a Epstein. No movimento MAGA, surgem desconfianças sobre seu silêncio. Para parte dos apoiadores, o ex-presidente estaria, na melhor das hipóteses, sendo omisso. Na pior, seria cúmplice. Uma nova pesquisa da YouGov, de julho de 2025, mostrou que 40% dos adultos nos EUA acreditam que Trump esteve envolvido nos crimes de Epstein; 33% disseram não ter certeza.
Após deixar o governo, o bilionário Elon Musk criticou um projeto orçamentário republicano que poderia adicionar US$ 3,3 trilhões ao déficit federal, apelidado por Trump de Big Beautiful Bill. Em seguida, insinuou (e depois apagou) no X (antigo Twitter) que o ex-presidente estaria na lista de Epstein. Enquanto isso, adversários políticos passaram a associar Trump ao caso com vídeos antigos, fotos e trechos de depoimentos.
Trump, que sempre se beneficiou do caos informativo, agora precisa lidar com sua face imprevisível. A lógica conspiratória, que antes usava contra adversários, ganhou vida própria. Não basta mais controlar a pauta. É preciso também sobreviver ao efeito ricochete: o momento em que a conspiração, ao invés de mobilizar a favor, se volta contra seu criador.
Sunstein e Vermeule afirmam que embora geralmente falsas, essas teorias não são irrelevantes. Elas revelam medos, frustrações e sentimentos de exclusão. São sintomas de um mal-estar democrático que não pode ser ignorado. Para Sophia Moskalenko and Clark McCauley, ao estudar o QAnon, tentar controlar essas crenças pode ser contraproducente. O foco deve ser a prevenção de ações violentas, mais do que o combate direto às ideias radicais.
Já Giuliano da Empoli, em "Os Engenheiros do Caos", mostra como dados e algoritmos passaram a ser utilizados como ferramentas políticas, moldando comportamentos e reforçando polarizações. No caso de Trump, cercado por figuras ligadas às big techs, esse poder digital pode ser um trunfo. Ou um risco.
Mais do que explicar o mundo, essas teorias oferecem sentido de pertencimento. Criam heróis e vilões claros, apontam culpados e colocam lideranças como detentoras de uma verdade secreta. Isso pode ser politicamente poderoso - e perigoso.
Trump não é o único a utilizar esse recurso. No Brasil, o ex-presidente Jair Bolsonaro também mobilizoudesinformação para desacreditar as urnas eletrônicas, levantar suspeitas sobre as instituições e alimentar a ideia de uma conspiração contra ele. O resultado pôde ser visto no ataque às sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023, episódio com semelhanças à invasão do Capitólio dois anos antes.
Nos dois casos, a conspiração gerou violência, ação direta e tentativa de ruptura institucional. Mesmo desmentidas, essas narrativas continuam circulando e moldando o imaginário coletivo. Esse é o risco de usar o delírio como estratégia política. Teorias da conspiração não respondem necessariamente a líderes: seguem a lógica do ressentimento, da polarização e da desconfiança. E, impulsionadas por algoritmos e redes digitais, podem se voltar até mesmo contra quem as mobilizou.
Edson Mendes Nunes Junior não presta consultoria, trabalha, possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que poderia se beneficiar com a publicação deste artigo e não revelou nenhum vínculo relevante além de seu cargo acadêmico.