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Por que é provável que você nunca tenha ouvido falar do reino Aksum, uma das quatro grandes civilizações do mundo antigo

Falta de interesse de historiadores ocidentais, dominação europeia e herança colonialista impediram que história da África fosse conhecida, inclusive, por sua própria população.

8 jul 2017 - 08h42
(atualizado às 10h08)
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Reis aksumitas controlavam comércio no mar Vermelho
Reis aksumitas controlavam comércio no mar Vermelho
Foto: BBC News Brasil

A grande pirâmide de Gizé, no Cairo, é considerada uma das sete maravilhas do mundo antigo.

Mas quem segue o curso do rio Nilo e viaja rumo ao sul, no território onde hoje é o Sudão, se depara com milhares de construções similares, que pertenceram ao reino de Kush (ou Cuche).

Kush foi uma superpotência africana e sua influência se estendeu até o atual Oriente Médio.

O reino existiu por centenas de anos e, no século 8º antes de Cristo, conquistou o Egito, governando-o por décadas.

E o que restou dessa civilização é impressionante.

Unesco considera Jebel Barkal Patrimônio da Humanidade
Unesco considera Jebel Barkal Patrimônio da Humanidade
Foto: BBC News Brasil

Legado

Mais de 300 pirâmides continuam intactas, praticamente inalteradas desde que foram construídas, há cerca de 3 mil anos.

As mais suntuosas se encontram em Jebel Barkal, uma pequena montanha no Sudão do Norte que, junto com a cidade de Napata, são consideradas patrimônio da humanidade pela Unesco, o braço da ONU para educação, ciência e cultura.

No local, além das pirâmides, há tumbas, templos e câmaras funerárias completas, com pinturas e desenhos que a Unesco descreve como "obras-primas de um gênio criativo que mostram os valores artísticos, sociais, políticos e religiosos de uma comunidade de mais de 2 mil anos".

Os cuchitas eram africanos negros, em sua maioria agricultores, mas também artesãos e mercadores. Eles vendiam ouro, incenso, marfim, ébano, óleos, penas de avestruz e pele de leopardo.

Além de possuir minas de ouro e terras cultiváveis, o reino ocupava uma localização comercialmente estratégica, dado que de lá se transportavam mercadorias pelo rio Nilo e também por estradas que levavam ao mar Vermelho.

Suas riquezas chegaram a rivalizar com as dos faraós.

Mas até hoje o legado de Kush ainda não é amplamente conhecido, inclusive entre os africanos.

Africanos desconhecem sua história, dizem especialistas
Africanos desconhecem sua história, dizem especialistas
Foto: BBC News Brasil

História da África

Um projeto com objetivo de resgatar o passado do continente nasceu no início da década de 1960.

A África se tornava independente da Europa e, em meio à onda nacionalista, muitos de seus jovens líderes assumiram o compromisso de não só descolonizar seus países, mas também suas histórias.

Tampouco havia interesse de historiadores ocidentais. Por causa da falta de registros escritos, muitos deles simplesmente abandonaram a tarefa de revisitar o passado do continente.

Assim, a Unesco ajudou estudiosos africanos a criar o projeto, recrutando 350 especialistas de diferentes áreas e de toda a África.

O resultado foi uma coletânea de oito volumes que abrangem desde a pré-história até a era moderna.

O oitavo livro foi concluído na década de 1990 e o nono já começou a ser preparado.

Polêmica

Houve polêmica, contudo, em torno da decisão da Unesco de começar a coletânea com um exemplar sobre as origens da humanidade, expondo a teoria da evolução.

O volume provocou a ira de comunidades cristãs e muçulmanas, dado que alguns países da África acreditavam no criacionismo, doutrina que defende que os seres vivos surgiram do criador e não são, portanto, fruto da evolução.

Monarcas do Reino de Aksum (ou Axum) foram os primeiros a abraçar o cristianismo
Monarcas do Reino de Aksum (ou Axum) foram os primeiros a abraçar o cristianismo
Foto: BBC News Brasil

O paleontólogo queniano Richard Leakey, que contribuiu para a elaboração do primeiro volume, diz acreditar que o fato de o ser humano ter vindo da África continue sendo algo digno de reprovação por alguns ocidentais, que preferem negar essa origem.

Apesar disso, continua pouco divulgada a história do reino de Kush, onde as rainhas podiam governar por direito próprio.

O mesmo ocorre com o reino de Aksum, descrito como uma das quatro grandes civilizações do mundo antigo.

Os reis aksumitas controlavam o comércio do mar Vermelho desde seu território, situado na região onde estão atualmente a Eritreia e a Etiópia.

Além disso, foram os primeiros governantes da África a abraçar o cristianismo e em convertê-lo em religião oficial do reino.

Sítio arqueológico de Meroe, a 300 km ao norte da capital do Sudão, Cartum
Sítio arqueológico de Meroe, a 300 km ao norte da capital do Sudão, Cartum
Foto: BBC News Brasil

'Escuridão'

Para especialistas, por força da influência colonialista, essa história é pouco conhecida até entre acadêmicos e professores africanos.

Por causa dela, não tiveram acesso a um relato integral e cronológico de sua história.

Unesco espera que história da África seja ensinada nas escolas por especialistas locais
Unesco espera que história da África seja ensinada nas escolas por especialistas locais
Foto: BBC News Brasil

Hugh Trevor-Roper, um dos mais destacados historiadores britânicos de todos os tempos, diz: "Talvez no futuro será possível ensinar algo sobre a história da África. Mas até o momento não há nenhuma ou quase nenhuma: só existe a história dos europeus na África".

"O resto é escuridão, assim como ocorre com a história pré-europeia e a pré-colombiana na América. Uma escuridão que não é sujeito para a história", completou.

A declaração é de 1965, mas continua atual.

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