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Impeachment nos EUA: futuro de Trump está nas mãos de colegas republicanos ou o contrário?

Câmara dos Deputados aprova impeachment de presidente americano e caberá ao Senado, onde ele tem maioria, julgá-lo no início do próximo ano.

18 dez 2019 - 22h40
(atualizado em 19/12/2019 às 08h55)
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Trump aparece em porta do Salão Oval, na Casa Branca; ele se tornou o terceiro presidente na história americana a sofrer um processo de impeachment
Trump aparece em porta do Salão Oval, na Casa Branca; ele se tornou o terceiro presidente na história americana a sofrer um processo de impeachment
Foto: EPA/MICHAEL REYNOLDS / BBC News Brasil

O resultado foi mesmo o esperado. A Câmara dos Deputados dos Estados Unidos, comandada pelos democratas, aprovou por 230 votos a 197 o impeachment do presidente Donald Trump.

Agora, caberá ao Senado decidir se o presidente cometeu abuso de poder e obstrução de investigação no Congresso e se ele deve perder seu mandato, no começo do próximo ano.

Trump se tornou o terceiro presidente na história americana a sofrer um processo de impeachment e dependerá de seu próprio partido para se salvar. No Senado, são necessários 67 dos 100 votos para que o presidente seja impedido — e os republicanos detêm 53 assentos na casa.

Nas mãos do Senado?

O Capitólio, sede do Legislativo americano; depois de avaliação do impeachment na Câmara, processo segue para Senado
O Capitólio, sede do Legislativo americano; depois de avaliação do impeachment na Câmara, processo segue para Senado
Foto: Alex Edelman / AFP / BBC News Brasil

Numericamente, se todos os republicanos votarem unidos por Trump, o presidente não tem nada a temer. E essa é hoje a tendência: não só porque o impeachment se tornou uma disputa polarizada entre os partidos, com menos de 10% dos eleitores republicanos favoráveis à retirada de Trump da Casa Branca, mas porque o presidente controla sua própria agremiação.

"Hoje, Trump tem mais apoio dentro do partido do que a maior parte dos candidatos republicanos na história e há uma percepção de que ele salvou a legenda, dando uma nova orientação clara para os republicanos em assuntos como imigração e comércio e injetando um novo grau de energia ao debate. Agora, o partido é competitivo nos 50 estados", afirmou à BBC News Brasil o analista político Michael Johns, um dos responsáveis pelos discursos do ex-presidente George H. W. Bush.

Johns se refere à política de Trump de endurecimento contra imigrantes, que inclui a construção de um muro na fronteira com o México; à guerra comercial da atual gestão com a China; além da elaboração de um novo tratado comercial com México e Canadá, que, de acordo com trumpistas, seria mais benéfico aos americanos que os termos anteriores.

O líder da maioria no Senado, o republicano Mitch McConnell, já deixou claro, na última terça-feira, a disposição da Casa em livrar o presidente — antes mesmo que a Câmara decidisse pelo indiciamento de Trump.

"Eu não sou um jurado imparcial", disse McConnell. "Este é um processo político. Não há nada judicial nele. O impeachment é uma decisão política".

Longe de ser um aliado de primeira hora de Trump, McConnell expressa a transformação enfrentada pelo Partido Republicano nos últimos quatro anos, quando Trump, então abertamente um outsider entre 17 postulantes, ganhou a disputa pelo posto de candidato dos republicanos.

Em junho de 2016, apenas um mês antes de Trump ser nomeado candidato, McConnell, senador por Kentucky, chegou a sugerir que ele usasse roteiros e teleprompter em seus discursos. O parlamentar republicano também condenou duramente comentários de Trump sobre a ascendência mexicana de um juiz federal americano.

"Totalmente inapropriado", disse McConnell na época. "Ele precisa começar a agir como um candidato a presidente".

De lá pra cá, no entanto, os críticos ao presidente dentro do próprio partido perderam tração. Mesmo o atual senador pelo Texas Ted Cruz, o principal oponente de Trump nas primárias de 2016, a quem chegou a chamar de "mentiroso crônico"e "amoral", tem liderado as linhas de defesa de Trump no Senado.

"Não há legislação federal que considere abuso de poder uma ofensa criminal. Eles (democratas) acabaram de inventar isso", disse Cruz na semana da votação do impeachment na Câmara.

"As relações não foram sempre harmoniosas entre os republicanos no Senado e a Casa Branca, mas esse tempo acabou", afirma Michael Johns.

A percepção entre políticos e analistas é que, se em 2016 Trump dependeu da máquina republicana para se eleger, agora são os políticos republicanos que dependem da popularidade de Trump com a base eleitoral conservadora para conquistar mandatos em 2020. Mesmo em meio a um processo de impeachment, Trump é hoje visto como o mais importante cabo eleitoral do partido e ocupou os postos-chave na máquina partidária com aliados fiéis.

Aliados ou inimigos?

O presidente americano é acusado de orquestrar uma troca de favores com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, o que deu base para processo de impeachment
O presidente americano é acusado de orquestrar uma troca de favores com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, o que deu base para processo de impeachment
Foto: EPA/ALEXEI NIKOLSKY/SPUTNIK / BBC News Brasil

O dia da votação na Câmara foi um ensaio do que deverá ser a linha de atuação dos dois partidos no Senado.

Trump é acusado de orquestrar uma troca de favores com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky. Zelensky deveria anunciar uma investigação contra um dos possíveis oponentes do americano na eleição de 2020, o pré-candidato democrata Joe Biden, cujo filho atuou como diretor em uma empresa de gás daquele país. Em troca, Trump liberaria um auxílio militar de quase US$400 milhões aos ucranianos e receberia Zelensky na Casa Branca.

De um lado, os democratas tentavam caracterizar o presidente como um homem com malfeitos a esconder e que colocava em risco a segurança nacional em nome de interesses pessoais. "Ninguém está acima da lei, nem mesmo o presidente", repetiam os parlamentares democratas.

De outro lado, os republicanos se esforçavam para qualificar o processo como um ataque político, "uma tentativa de reescrever o resultado eleitoral de 2016". Por essa perspectiva, Trump seria uma vítima de perseguição.

Em carta enviada um dia antes da votação à presidente da Câmara, a democrata Nancy Pelosi, Trump deixou clara a estratégia.

"As bruxas de Salém tiveram um processo judicial mais justo", escreveu Trump sobre seu processo de impeachment, fazendo uma referência ao julgamento de dezenas de pessoas acusadas de bruxaria na América colonial, nos anos 1690. O caso resultou no enforcamento das supostas bruxas e é considerado exemplar da histeria e falta de direito à defesa do período.

Na Câmara, Trump foi convidado a depor, mas se recusou.

Se no Senado, Trump deve ser salvo sem dificuldades, ainda não está claro o impacto do processo de impeachment na escolha dos eleitores no fim de 2020.

As pesquisas mostram um país dividido entre apoiar e rejeitar o impeachment: 47% a favor versus 43% contra. Uma pesquisa do jornal Washington Post, no entanto, mostrou que nos chamados swing states - aqueles estados em que a preferência entre candidatos republicanos ou democratas costuma variar — 51% se dizem contrários ao processo.

Entre republicanos e democratas, no entanto, a expectativa é que o processo de impeachment sirva ao menos para acentuar o interesse dos eleitores em política e, considerando-se que o voto não é obrigatório no país, tirá-los de casa para votar.

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