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Eleição na Venezuela: falta de esperança em reversão da crise deve aumentar onda de migração para o Brasil

País é quinto destino mais procurado por venezuelanos na América Latina e crise econômica é razão principal de êxodo.

18 mai 2018 - 06h30
(atualizado às 08h18)
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Pesquisas locais estimam que entre 3 e 6 milhões de pessoas possam ter saído do país nos últimos cinco anos
Pesquisas locais estimam que entre 3 e 6 milhões de pessoas possam ter saído do país nos últimos cinco anos
Foto: BBC News Brasil

Diante da crise econômica na Venezuela e das eleições presidenciais do próximo domingo, em que o presidente Nicolás Maduro enfrenta dois candidatos da oposição nas urnas, muitos venezuelanos aguardam os resultados para decidir se devem se juntar à maior onda migratória já vivida pelo país.

A deterioração da economia tem sido apontada como o maior fator por trás do êxodo de venezuelanos em grande escala e a permanência de Maduro no poder deve aumentar ainda mais a falta de esperança de parte da população de haja qualquer reversão da crise no curto prazo.

Não há estatísticas oficiais completamente confiáveis sobre a migração venezuelana desde que teve início, segundo especialistas, mas a Organização Internacional para Migrações (OIM), da ONU, estima que, atualmente, cerca de 1,6 milhão de pessoas vivem fora do país, 1 milhão a mais do que em 2015. Empresas de pesquisa locais começam a mapear o perfil dos que deixaram o país nos últimos anos - e têm obtido resultados ainda mais impressionantes.

Segundo uma pesquisa da empresa Datincorp, feita no último mês de fevereiro, 53% dos cerca de 7,6 milhões de lares venezuelanos têm pelo menos uma pessoa que deixou o país nos últimos cinco anos.

"Na soma total, chegamos à estimativa de 6,9 milhões de pessoas que deixaram o país nesse período. Suspeitamos que nem todas as pessoas responderam com sinceridade, mas, mesmo que consideremos a metade disso, ainda é escandaloso", disse à BBC Brasil o consultor político Jesus Seguías, presidente da Datincorp.

"Especialmente considerando que aqui as pessoas não estão sendo expulsas por uma guerra, como na Síria. Elas estão saindo porque não têm esperança de mudança. O venezuelano é o latino-americano mais arraigado a seu país. Este é o país que historicamente teve menos migrantes em toda a América."

De acordo com Seguías, 45% dos entrevistados afirmaram que o principal motivo de seus familiares para deixar o país é a situação econômica. Em segundo lugar, com 25% das respostas, aparece a "desesperança". Em terceiro, a sensação de insegurança e só em quarto, com 11%, a situação política.

"As pessoas não estão indo embora nesse momento porque há um governo socialista, mas, sim, porque há uma crise econômica, independentemente de ela ter sido criada por um governo socialista", diz.

Recuperação rápida, se houver consenso

Pesquisas de intenção de voto dizem que a oposição tem cerca de 70% do apoio popular e o presidente Maduro, um alto índice de rejeição.

No entanto, o presidente mantém um núcleo duro de pelo menos 5 milhões de eleitores que se mantêm leais ao projeto chavista. Este apoio, aliado ao fato de que muitos dos eleitores da oposição estão deixando o país e à campanha de parte dos opositores para boicotar o pleito, pode fazer com que Maduro se mantenha no poder.

"O impacto do que vai acontecer no domingo será notável, não há dúvida. Se Maduro fica no poder, isso pode aumentar a desesperança. Mas se ganhar Falcón e o governo o reconhecer, tenha certeza de que isso freará imediatamente a saída dos venezuelanos. Com exceção dos que já têm tudo planejado, passagem comprada", diz Seguías.

O ex-governador do Estado de Lara Henri Falcón, considerado o principal nome da oposição, é um ex-chavista que rompeu com o regime em 2010, mas manteve o apoio que tinha nas eleições locais.

Hoje, ele afirma que o governo de Chávez "perseguia a iniciativa privada" e diz que suas posições são "de centro". Duas de suas principais propostas são a libertação de presos políticos e a dolarização da economia, para conter a inflação.

Para o analista político, a promessa de dolarizar a economia é bem aceita pela população, mas não vai resolver todos os problemas econômicos e políticos que fazem com quem boa parte dos venezuelanos decida ir embora.

"O país precisa voltar a ter produtividade para que seja mais competitivo. A Venezuela está perdendo praticamente toda a sua inteligência profissional. Cerca de 13 mil dos 70 mil médicos do país emigraram. Nas universidades públicas, há cursos fechando por falta de alunos. Cerca de 73% dos que foram têm educação superior, completa ou incompleta."

Cenário incerto

Claudia Vargas, pesquisadora da Universidade Simón Bolívar acredita que seja qual for o resultado das eleições, a migração deve se manter, pelo menos até que o cenário pós-eleitoral se defina.

"Quando a oposição conseguiu uma vitória importante no Parlamento, em 2017, algumas pessoas atrasaram sua saída do país, porque havia a esperança de mudança no cenário político. Depois, o governo convocou a Assembleia Constituinte, e as pessoas retomaram a migração", relembra.

Apesar da realização das eleições em maio, o novo presidente deve assumir apenas em janeiro de 2019. Mas a violenta disputa política nos últimos anos, diz Vargas, deixou os venezuelanos desconfiados da disposição do governo de negociar a saída de Maduro do poder.

"Digamos que a oposição vença. O que o governo vai fazer em todos esses meses até o novo presidente assumir? E se uma nova medida for aprovada, dizendo que o novo presidente vai assumir em junho, não em janeiro? Muitas pessoas vão dizer 'esperei que as coisas mudassem, mas tudo vai continuar como estava'."

"Caso Maduro permaneça no poder, o número de migrantes deve aumentar. Mas mesmo que ganhe algum dos outros candidatos da oposição, as pessoas continuarão saindo, porque o problema não é só político. O que acontece com as pessoas que não têm comida? Que precisam de um tratamento médico que não está disponível na Venezuela?"

Para o estatístico Felix Seijas, diretor da empresa de pesquisa Delphos e professor da Universidade Central da Venezuela, uma vitória de Maduro no domingo pode, de fato, aumentar a nova onda migratória, especialmente considerando que as férias escolares no país começam em junho.

"São pessoas jovens e, em princípio, bastante de oposição. Mas agora também há pessoas que apoiavam o governo, mas sentem que não têm mais como manter o padrão de mínimo de vida", disse à BBC Brasil

"Inicialmente, a migração era de pessoas que tinham possibilidades, estudos, podiam prever o que ia acontecer. Depois, começou essa onda de classe mais popular, menos preparada. Não é um migrante de aeroporto, mas de fronteiras, de ônibus", disse à BBC Brasil.

Para Jesús Seguías, os próximos meses devem, de qualquer modo, levar ao fim do governo Maduro. A pergunta mais importante, no entanto, é quando e como isso acontecerá.

"Se ele sai pela via eleitoral e por uma via de consenso e de negociação, isso cria as condições para que a recuperação econômica da Venezuela aconteça em um tempo relativamente curto. E as pessoas podem querer ficar e voltar. Mas se isso ocorrer com violência, a Venezuela pode ficar presa em uma espiral de violência que pode durar décadas", afirma.

Brasil se prepara para aumento do fluxo

De acordo com o ACNUR, mais de 800 venezuelanos cruzam a fronteira brasileira diariamente nos últimos meses. Desde o início de 2017, mais de 50 mil entraram no país, principalmente por Roraima. Destes, pelo menos a metade são solicitantes de refúgio.

Para as Forças Armadas brasileiras, que participam de uma operação do governo federal para receber os venezuelanos na fronteira do país com Roraima, "a situação não tende a melhorar em curto e médio prazo".

"A análise é que a escassez de água, de energia, grande evasão de médicos, proliferação de doenças que não existiam há tempos como sarampo e difteria... tudo isso aponta para um cenário negativo", disse à BBC Brasil o tenente-coronel Souza Filho, assessor de comunicação social da Operação Acolhida.

"Com a possível reeleição de Maduro, não se prevê mudança, e, sim, manutenção do que se encontra. Não sabemos se o fluxo dos venezuelanos para cá vai aumentar, mas estamos montando estruturas pensando na possibilidade de termos o dobro ou o triplo do fluxo atual."

Segundo Souza Filho, há um abrigo para cerca de 500 pessoas na cidade de Pacaraima, onde os venezuelanos chegam após atravessar a fronteira amazônica, e em Boa Vista, foram construídos seis abrigos permanentes e dois temporários. A rede é capaz de atender 4 mil venezuelanos - e já atende cerca de 3.900.

Outros quatro abrigos estão sendo construídos, e dois deles já devem funcionar até o final do mês de maio.

A ação de acolhida envolve 300 militares, representantes de 12 ministérios, da Polícia Federal, de agências da ONU, como o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) e de ONGs.

"Entram cerca de 150 desassistidos semanalmente e queremos poder atender 400, 500 desassistidos, ou seja, pessoas que declaram que necessitam de ajuda humanitária. Muitos outros se declaram como turistas por terem veículo, capacidade de locomoção, algumas posses, algum capital e acreditam que vão se inserir no mercado local", explica.

Colômbia, Chile, Peru e Argentina continuam sendo os destinos mais procurados pelos venezuelanos no continente. O Brasil aparece em seguida, mas, segundo a pesquisadora Cláudia Vargas, pode vir a se tornar um destino mais importante para os venezuelanos, caso o fluxo de migrantes emergenciais aumente muito rapidamente.

"Atualmente, o idioma ainda é uma barreira para muitos. Eles preferem ir aos outros países da América Latina, porque há maiores chances de conseguirem bons empregos", afirma.

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