Protocolo de gênero no Judiciário muda forma de julgar e evita violência contra mulheres
Iniciativa reduz decisões enviesadas e pode prevenir violência processual contra mulheres no Judiciário
O Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, criado pelo CNJ, busca orientar magistrados a considerar desigualdades de gênero nos julgamentos, promovendo decisões mais justas e reduzindo a violência processual contra mulheres, apesar dos desafios de implementação.
O Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero foi elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2021 com o objetivo de orientar magistradas e magistrados a levarem em conta as desigualdades estruturais que afetam mulheres em litígios judiciais. Em 2023, a Resolução CNJ nº 492 tornou obrigatórias suas diretrizes para todo o Poder Judiciário.
Em dois anos, a aplicação do protocolo já impulsionou mais de oito mil decisões judiciais que citam expressamente sua metodologia, segundo dados do próprio CNJ. A maioria dessas decisões está concentrada na Justiça estadual, com temas que envolvem violência doméstica, descumprimento de medidas protetivas e casos de ameaça.
Para a advogada Victória Araújo Acosta, especialista em direito de família e violência doméstica e fundadora da VAA Advocacia, o protocolo representa um avanço fundamental na redução da chamada violência processual, situações em que mulheres são re-vitimizadas no interior dos processos por decisões descontextualizadas ou baseadas em estereótipos.
“O protocolo cria orientações claras para que o Magistrado avalie não apenas os atos formais, mas também as desigualdades estruturais que marcam a vida das mulheres, bem como para que se evite a aplicação e internalização de estereótipos prejudiciais de gênero que são comumente empregados contra mulheres, como por exemplo o de vingativas, desequilibradas e loucas, deslegitimando suas condutas e ações”.
Na prática, o Protocolo propõe que, ao julgar casos que envolvam mães e mulheres em litígios familiares ou contexto de violência doméstica, o Julgador faça com que o processo se torne instrumento de diminuição efetiva de desigualdades estruturais. A sobrecarga materna, a ocultação patrimonial durante o casamento e no momento do divórcio, a paternidade medíocre aplaudida pela Justiça e as falsas acusações de alienação, por exemplo, são situações a serem tratadas sob a ótica da perspectiva de gênero, para que o processo, de fato, possa contribuir com a pacificação social e efetividade da Justiça.
O documento inclui também a obrigatoriedade de capacitação para Magistradas e Magistrados em direitos humanos, gênero, raça e etnia, sob perspectiva interseccional, bem como a criação de um Comitê de Acompanhamento que monitore sua aplicação.
Apesar dos avanços, os desafios persistem na implementação do protocolo. Uma pesquisa empírica documental conduzida com magistrados da Região Sudeste identificou que, embora os cursos de capacitação existam, há pouca repercussão concreta na rotina decisória. A ausência de um modelo de gestão institucional e de monitoramento local é apontada como principal entrave.
Outro estudo acadêmico sobre tribunais estaduais destaca que, mesmo após a obrigatoriedade das diretrizes, ainda ocorrem decisões com linguagem ou conduta que reforçam preconceitos de gênero.
Victória avalia que, sem esse protocolo, muitos casos tornaram-se terreno fértil para a reprodução de desigualdades. “Sem regras de conduta esperadas, o julgamento recai sobre convicções subjetivas. A aplicação do protocolo diminui a margem de decisão discricionária embasada por viés de gênero”, diz.
Para que o protocolo alcance todo seu potencial transformador, ela sugere três medidas: capacitação contínua e obrigatória para Juízes e equipes técnicas, monitoramento ativo local com metas de adoção pelo Conselho Nacional de Justiça e revisão institucional dos fluxos internos para incorporar a perspectiva de gênero desde o primeiro grau.
A transformação que o protocolo propõe não se limita aos casos de violência doméstica ou litígios de família, é uma nova forma de proceder do Poder Judiciário como um todo. A aplicação do Protocolo para Julgamento com perspectiva de gênero não é facultativa, constituí dever dos Julgadores, e deve ser exigido pelos seus representantes dentro do processo.
Só assim, mulheres e mães terão acesso a uma Justiça menos preconceituosa e que garanta, efetivamente, decisões mais justas e que reequilibram a divisão de direitos e deveres entre homens e mulheres, pais e mães.