Engasgos em idosos: mais de mil mortes por ano no Brasil
O envelhecimento provoca uma redução progressiva das terminações nervosas sensoriais, da densidade das papilas gustativas, além de uma diminuição da força e coordenação muscular
Um estudo realizado pela Universidade Veiga de Almeida (UVA), com base em informações do Painel de Monitoramento da Mortalidade (CID-10) do Ministério da Saúde, indica um registro médio de mais de mil mortes de idosos com 60 anos ou mais por engasgos anualmente no Brasil, nos últimos três anos.
Entre 2022 e 2024, o total de óbitos devido à obstrução do trato respiratório, causada pela inalação ou ingestão de alimentos ou outros corpos estranhos, atingiu 3.704. Este número representa uma média de 1.235 falecimentos por ano no segmento da população idosa.
O ato ocasional de engasgar é considerado comum. No entanto, quando a ocorrência se torna frequente, especialmente com o avanço da idade, pode sinalizar mudanças fisiológicas naturais relacionadas ao envelhecimento, conforme alerta Guilherme Zica, professor de Fonoaudiologia da UVA. O especialista esclarece que a capacidade de engolir, tecnicamente denominada deglutição, depende da ação coordenada de músculos, nervos e estruturas localizadas na boca e na garganta. Com o passar do tempo, estes mecanismos podem apresentar redução na velocidade ou na sensibilidade, o que torna o processo de alimentação mais desafiador.
A perda de sensibilidade oral pode ser resultado de diversos fatores, incluindo alterações neurológicas, lesões locais, intervenções cirúrgicas orofaciais, infecções virais, uso de determinados medicamentos e o próprio envelhecimento fisiológico. Essa diminuição sensorial está associada ao comprometimento dos nervos cranianos responsáveis pela inervação tátil, térmica e gustativa da cavidade oral. Sinais clínicos da redução sensorial abrangem a dificuldade em perceber a temperatura, o sabor e a textura dos alimentos, a incapacidade de notar resíduos alimentares na boca, alterações no controle do bolo alimentar e o aumento do risco de engasgos ou de aspiração silenciosa (tosse durante a alimentação, perda de peso e desenvolvimento de pneumonias).
O envelhecimento provoca uma redução progressiva das terminações nervosas sensoriais, da densidade das papilas gustativas, além de uma diminuição da força e coordenação muscular. Tais mudanças fisiológicas podem culminar em hipossensibilidade oral e disfagia (dificuldade de deglutição). O professor Zica destaca que a prevenção envolve a estimulação regular da musculatura orofacial, a manutenção da mastigação ativa com diversas texturas, hidratação adequada e acompanhamento fonoaudiológico periódico. A manutenção da saúde física e mental é apontada como a estratégia mais eficaz contra desvios relacionados à idade.
A intervenção fonoaudiológica pode incluir a execução de exercícios específicos, que promovem a estimulação tátil, térmica e proprioceptiva da cavidade oral, com o objetivo de melhorar a sensibilidade bucal. As estratégias utilizadas, que devem ser orientadas e prescritas por um fonoaudiólogo, envolvem exercícios de mobilidade e resistência da língua, lábios e bochechas, combinados com estímulos sensoriais de diferentes temperaturas e texturas.
A higiene oral também exerce influência na sensibilidade da boca e no risco de engasgos, sendo fundamental para a integridade das mucosas e dos receptores sensoriais orais, além de prevenir inflamações e infecções. A má higiene oral eleva o risco de aspiração de secreções contaminadas, podendo levar à pneumonia aspirativa. A limpeza regular da cavidade oral, a hidratação das mucosas e o controle frequente de próteses dentárias são medidas preventivas essenciais para a preservação da sensibilidade e a redução de complicações.
A coordenadora de Enfermagem da UVA, Lidiane Reis, orientadora da Liga de Urgência e Emergência da instituição, informa que o procedimento em casos de engasgo em idosos é o mesmo aplicado a adultos, classificado como Obstrução das Vias Aéreas por Corpo Estranho (OVACE). Ao constatar a situação, é crucial assegurar a segurança do ambiente e observar indícios de gravidade, tais como: ausência de tosse, incapacidade de comunicação verbal, alteração na coloração da pele ou mudança no estado mental. Se não houver sinais de gravidade, a pessoa deve ser incentivada a tossir.
Em situações onde o engasgo persiste, é imprescindível acionar imediatamente o serviço de emergência (número 192). Reis explica que, se o indivíduo estiver consciente, o protocolo inclui a aplicação de cinco golpes nas costas seguidos por cinco compressões abdominais (Manobra de Heimlich), repetindo a sequência até a expulsão do objeto ou até que o indivíduo perca a consciência. Caso o idoso se torne inconsciente, deve-se iniciar a Reanimação Cardiopulmonar (RCP), seguindo o algoritmo de Suporte Básico de Vida (SBV) para adultos, até a chegada do suporte médico avançado. É reforçado que, em pacientes nos estágios finais da gestação ou quando o socorrista não conseguir envolver o abdômen do idoso, devem ser aplicadas cinco compressões torácicas no lugar das abdominais.