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Voto em branco é o caminho mais fácil para quem não sabe ler ou escrever em cidade de MG

Desterro de Entre Rios é a cidade com maior percentual de votos em branco nas eleições de 2018; moradores relatam analfabetismo de população

30 set 2022 - 05h00
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O voto em branco muitas vezes é interpretado como um descontentamento com relação aos candidatos que concorrem em uma eleição. É o caso da comerciante Graziele Rezende, de 26 anos, que votou em Jair Bolsonaro (PL), em 2018, mas decidiu agir diferente neste ano.

"Vou votar em branco devido à brigaiada que o povo tem por conta de política. E também não vi muita mudança no país nesse mandato", explica a moradora de Desterro de Entre Rios, cidade a 157 km da capital de Minas Gerais, Belo Horizonte.

"Os outros votos em branco acontecem porque tem pessoas mais antigas que nem sabem assinar o nome", acrescenta Graziele, expondo um problema reconhecido por outros moradores ouvidos pelo Terra.  

Em Desterro de Entre Rios, cidade do interior de Minas, moradores relatam que a baixa escolaridade e o analfabetismo levam as pessoas a votarem em branco. Sentado em frente a um comércio no centro da cidade, Adão Ivanilson Pinto, de 53 anos, explica que os moradores são "pessoas simples".

O comerciante Tarcísio Ferreira de Andrade, de 78 anos, completa: "Aqui muitas pessoas têm pouca leitura e não entendem de bater a tecla da máquina."

Dados do Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) consolidam essa realidade. Segundo o levantamento, das 6.176 pessoas com 10 anos ou mais na cidade:

  • 4.404 pessoas não tinham instrução ou tinham ensino fundamental incompleto;
  • 757 pessoas tinham ensino fundamental completo ou médio incompleto; 
  • 861 pessoas tinham ensino médio completo ou superior incompleto;
  • 146 pessoas tinham ensino superior completo.

Os números são significativos. Desse total, 5.038 pessoas já tinham 20 anos ou mais no ano do último censo. 

Dona de uma padaria da cidade, Elizangela Assis Moreira revela que faz parte das pessoas que votaram branco em 2018. Embora não se encaixe no rol daqueles que não sabem ler ou escrever, a comerciante faz parte dos 6,96% dos moradores que anularam seu voto ao apertar a tecla "branco" na urna eletrônica. 

"No primeiro turno eu votei no Ciro Gomes, [candidato do PDT] e no segundo votei em branco. Eu não acreditava no Bolsonaro e também não queria que o PT ganhasse. Esse ano quero pesquisar bastante antes de votar, para não votar em branco, mas gostaria que uma terceira via ganhasse. O Brasil precisa de investimento em educação, saúde, e esses políticos estão esquecendo disso", justifica. 

Analfabetos já foram proibidos de votar

Segundo informações da Agência Senado, por 100 anos, pessoas analfabetas eram proibidas de votar no Brasil. A possibilidade de participar do processo eleitoral só veio em maio de 1985, após uma emenda à Constituição aprovada por deputados e senadores.

A liberação foi uma das primeiras medidas democratizantes feitas pelo Congresso após a Ditadura Militar. Na votação, o deputado Ronan Tito (PMDB-MG) argumentou: "Precisamos dar ao analfabeto escola, mas também força para que reivindique escola para si e para os seus. Como passará a ser cidadão pleno e ter direito? Quando tiver acesso ao voto. Aí passará a ter forças, inclusive, para reivindicar, exigir escola. Hoje é cidadão de segunda classe."

À época, muitos parlamentares reclamaram que a emenda aprovada deu ao analfabeto apenas metade do direito, pois ele poderia votar, mas não se candidataria. A Constituição de 1988 manteve os termos da decisão de 1985. Dessa forma, as cédulas foram adaptadas e a votação passou a ser feita por meio de algarismos, já que os analfabetos tinham mais familiaridade com números do que com letras.

Pouco mais de 30 anos depois, o brasileiro médio ainda tem baixa instrução. A avaliação é do cientista político Marcelo Di Giuseppe.

"É preciso desmistificar que o brasileiro agora está muito mais politizado. Sim, as pessoas estão começando a se interessar mais pela política, mas de forma totalmente equivocada. Elas não sabem como funciona, elas não sabem para que serve um vereador, um prefeito, um deputado", observa. 

Segundo o especialista, inclusive, há um grande desinteresse dos brasileiros pelas eleições. "Em 2018, houve 20,3% de eleitores que não foram votar", relata. O especislista também explica que o analfabetismo pode fazer com que o eleitor seja mais facilmente convencido de votar em determinado candidato. 

Comerciante Tarcísio Ferreira afirma que na cidade muitas pessoas têm pouca leitura e não entendem de bater a tecla da urna na hora de votar
Comerciante Tarcísio Ferreira afirma que na cidade muitas pessoas têm pouca leitura e não entendem de bater a tecla da urna na hora de votar
Foto: Isabella Lima / Redação Terra

Quem vota, apoia Bolsonaro

Apesar dos votos em branco serem marcantes em Desterro de Entre Rios, há quem também tenha seu lado político bem definido. A começar pelo motorista de aplicativo que levou a equipe de reportagem para Desterro de Entre Rios. Durante as quase três horas de viagem, ele defendeu o presidente Jair Bolsonaro (PL) e reproduziu acusações do candidato à reeleição contra o Supremo Tribunal Federal (STF).

"A ministra Cármen Lúcia mora em Minas", destaca, após desferir xingamentos contra a magistrada.

A maioria dos moradores de Desterro de Entre Rios parecem partilhar da ideologia do motorista. Um morador que preferiu não identificar chegou a declarar ódio à esquerda e criticar a imprensa, afirmando que há jornais para os quais ele se negaria a dar entrevista.

"Só sabem atacar o presidente e não são imparciais", afirmou. "Sou bolsonarista e toda minha família é. Sou totalmente contra a esquerda. O que o Bolsonaro fez de bom para o país muitos veículos não mostram." 

O homem também criticou o STF, a ideologia de gênero e a educação sexual dentro das escolas. Para ele, quem deve educar o filho é "pai e mãe". "A esquerda é totalmente contrária, tô fora!", acrescenta.

Tarcício Ferreira de Andrade também não esconde o voto em Bolsonaro nas eleições de 2018. Por outro lado, a escolha não deve se repetir em 2 de outubro.

"Esse ano prefiro ficar neutro, porque estou achando que todos são iguais. Como diz uma linguagem do interior: 'troca o chiqueiro, mas o porco é o mesmo'", diz o idoso. 

Há também apoio a Lula

O apoio massivo a Bolsonaro, segundo relatam alguns moradores, não encontra eco em pessoas como Adão Ivanilson Pinto. Ele evita conversar sobre política com quem é de direita, mas não esconde sua esperança de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ganhe as eleições. 

"Desde criança já tenho minha posição, sou esquerda. Esse ano é Lula. Na verdade qualquer um que fosse contrário do Bolsonaro, eu votava, porque acho ele o pior presidente que já teve. Ele é irônico, tudo de ruim ele tem", diz ele, afirmando que em 2018 precisou justificar o voto, porque havia mudado de outra cidade para Desterro de Entre Rios. 

"Pra mim, o Lula foi o melhor presidente. E sabe por que falo isso? Na minha família, a minha geração ninguém tem curso superior. Mas com os investimentos do Lula, 90% dos meus sobrinhos fizeram faculdade. Tenho sobrinho que é terapeuta ocupacional, outro que é professor de faculdade. Ele abriu portas", acrescentou. 

Nascida em Desterro, mas moradora da roça a 3 km do centro da cidade, Maria Laurita Peixoto explica que faz questão de votar em Lula neste ano. "Ele pisou um pouco na bola no segundo mandato, mas no primeiro foi ótimo. Tudo melhorou naquela época - remédio, salário. Tenho fé que ele vai melhorar. E o Bolsonaro acabou com a gente." 

Sentada em frente ao Paço Municipal, Maria Laurita afirma que não votou em 2018, mas que esse ano faz questão de votar em Lula
Sentada em frente ao Paço Municipal, Maria Laurita afirma que não votou em 2018, mas que esse ano faz questão de votar em Lula
Foto: Isabella Lima / Redação Terra

Influência de políticos municipais

Outra realidade em Desterro de Entre Rios é a influência de políticos municipais no voto dos cidadãos. Quem conta essa história é Antônio Pinheiro, de 60 anos, que mora em Piracema, a cerca de 22 km e distância da cidade mineira.

Sem muito conhecimento político, e nem lembrar em quem votou em 2018, ele diz que espera pela indicação dos vereadores para a votação desse ano.

"A gente não sabe para onde vai. Eles [os vereadores] vão em casa para dar conselho pra gente em quem votar, e a gente segue eles, porque a gente da roça não sabe nada. Eles falam que a vontade é nossa, que a gente faz o que quiser, mas sempre falam pra que lado estão puxando [voto]", revela. 

O próprio assessor especial do gabinete do prefeito de Desterro, Carlos Eduardo Fraga, admite essa prática. Conforme afirma à reportagem, muitos moradores procuram a prefeitura para saber em quem votar para deputado, por exemplo. Ele nega influência direta.

"O que fazemos é falar para eles quais candidatos mais trouxeram investimento para cidade", justifica. 

O diretor do departamento de Meio-Ambiente e Agricultura do município, Edson Francisco de Moura, acrescenta que a população fica sabendo dos recursos que chegam ao município através da administração.

"É um meio que a população tem para poder formar sua opinião sobre candidatos. Isso está mudando um pouco com a tecnologia, mas no passado era mais comum seguir a orientação aqui do Legislativo e Executivo", acrescenta, antes de dizer que, mesmo em menor proporção em relação à eleição para deputado, as pessoas pedem orientação sobre voto para presidente. 

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Essa é uma das reportagens da série especial de eleições do Terra 'Votos pelo Brasil'. Eleitores de nove cidades brasileiras, que se destacaram nas Eleições de 2018 e nos últimos quatro anos, contam suas percepções sobre o País e expectativas para 2 de outubro. Novas reportagens serão publicadas diariamente ao longo desta semana.

Fonte: Redação Terra
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