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Dia dos professores: lição de casa ganha novos formatos

Tarefa já é feita em ambiente virtual em algumas escolas. Professores têm proposto temas para estimular os alunos

15 out 2019 - 07h41
(atualizado às 10h50)
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Por muito tempo, lição de casa foi assunto polêmico apenas dentro da sala de aula, com a molecada torcendo para só daquela vez o professor se esquecer de avisar sobre o dever a ser entregue no dia seguinte. Já há alguns anos, no entanto, a discussão mudou de rumo. Estudiosos se debruçaram sobre o assunto e avaliaram questões como as novas configurações familiares - com todos os membros no mercado de trabalho e menor tempo de convívio diário - , a permanência estendida na escola e a função pedagógica dessa prática.

O que tem se mostrado como tendência é o caminho do meio: nem a abolição da lição de casa nem a manutenção de atividades nos moldes antigos. Para atrair os estudantes e se mostrar eficaz no processo de aprendizagem, a atividade precisa falar na linguagem que o aluno gosta (e ele gosta de ferramentas digitais) e tratar de temas que o instiguem.

"Não enxergamos quantidade de lições como uma meta ou como qualidade de trabalho, e sim como ela compõe o processo de formação e autonomia", comenta Rafael Martins, coordenador-geral da Escola Bakhita, na zona oeste de São Paulo.

A forma que a escola encontrou de fazer isso foi aplicar as "trilhas educativas", atividades em que é definido um eixo de pesquisa com formas livres de execução, de forma a valorizar o protagonismo do estudante.

"Eles podem realizar entrevistas no espaço público ou com familiares, visitar instituições que contribuam com o tema investigado ou pesquisar algum material para alimentar a discussão", explica Martins. "Em todo o tempo, têm papel ativo no percurso. Sem qualquer resquício do que a gente entendia de lição de casa."

No extremo leste da capital paulista, o professor Anderson Reis Félix segue a mesma receita na Escola Municipal Virgílio de Mello Franco, onde leciona Geografia. Na rede pública que tem a tarefa de casa como atividade obrigatória, o desafio dele foi fazer desse momento um dos favoritos dos adolescentes. Ele criou um roteiro de estudos, sugeriu um tema e propôs aos alunos que desenvolvessem o assunto da maneira que considerassem, sem seguir o padrão de responder um questionário dado. A cada encontro, os alunos retornam com as dúvidas e, a partir delas, as tarefas são organizadas.

"São novos tempos que exigem novas propostas. Ao fazer a lição de casa, o aluno deve ser posto como pesquisador. Esse deveria ser o nosso objetivo", afirma o professor, fundamentado em dados.

Recentemente, questionados em assembleia sobre que práticas mais ajudaram na aprendizagem, os alunos citaram o roteiro de estudos como a melhor forma de aprender os conteúdos trabalhados em sala de aula.

No computador

Se o tempo que os estudantes passam fora da escola é gasto boa parte dele em bate-papos virtuais, por que não tirar proveito desse cenário para trabalhar a lição de casa? A proposta privilegia os meios de comunicação favoritos dos alunos, e ainda é possível usar a tecnologia para o desenvolvimento de habilidades importantes, como o trabalho em equipe e a colaboração.

Na Escola da Vila, por meio de fóruns virtuais com a plataforma moodle, as lições definidas pelos professores ganharam um caráter colaborativo.

"O fórum motiva a interação, leva os alunos a trocarem ideias enquanto executam as tarefas, explicando os assuntos uns aos outros", afirma Celina Martins, coordenadora do Fundamental 2 das unidades Butantã e Morumbi, na zona sul de São Paulo.

Não à toa estar em contato com os amigos é a parte favorita da atividade para muitos, como afirmam Dora Sardenberg, Isabela Abrahão e Sofia Ludovico, todas do 6.º ano.

"Ao vermos o que os outros publicam, construímos melhor nossos argumentos", diz Dora.

"As atividades ficam mais organizadas, com a possibilidade de sermos notificados quando alguém acrescenta algo aos fóruns", afirma Isabela.

"E tudo sem gastar papel, valorizando a sustentabilidade", lembra Sofia.

Já os estudantes um poucos mais velhos, como Ana Luiza Almeida, João Moraes e Andrea Garcia, no 9.º ano, ressaltam outros trunfos do ambiente virtual.

"O que desenvolvemos fica registrado de uma forma facilmente acessível, na nuvem. É mais fácil de recorrer e lembrarmos", comenta Ana.

Para Andrea, a agilidade é o maior benefício da plataforma.

"Temos as respostas instantâneas para algumas tarefas, o que ajuda a perceber na hora como está o desempenho."

Já João ressalta a possibilidade de as tarefas serem ampliadas, ultrapassando os limites físicos da escola.

"Podemos interagir com alunos de outras unidades da Escola da Vila, o que cria trabalhos com múltiplos pontos de vista."

Entrevista

Aluno da escola estadual Raymundo Sá, no município de Autazes, no Amazonas.
Aluno da escola estadual Raymundo Sá, no município de Autazes, no Amazonas.
Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil

3 perguntas para Silviane Irulegui Bueno, pedagoga e autora da dissertação Deveres de Casa: Para Quê, Para Quem?, defendida na Universidade Federal de Santa Catarina

1. Nos últimos anos, o tema lição de casa tem despertado muita polêmica. Enquanto algumas escola aboliram a atividade, a maioria das redes públicas ainda prevê a obrigatoriedade. Qual é o modelo ideal?

Não concordo com a eliminação, concordo com a função pedagógica da tarefa de casa. Não pode ser só para cumprir um protocolo ou preencher o tempo. É importante ressaltar que ela complementa o aprendizado. O estudante recebe as informações em sala de aula e, em casa, sozinho, vai se defrontar com o que sabe, com o que precisa buscar. Assim precisa pesquisar, é um momento complementar para construção de estudo. Daí que se faça com diversos recursos, seja com apostilas e livros até aplicativos.

2. Muitas famílias mostram desconforto ou por não terem tempo de participar da atividade ou por julgarem a lição de casa muito complexa. O que fazer em relação a isso?

A tarefa de casa diária é do aluno, se envolver a família deve ser com um tempo maior. Agora, se ele não entendeu ou não soube o que é para fazer, a falha foi da escola. A tarefa pode estar bem construída, mas talvez não tenha sido explicada como deveria. Aliás, parto do princípio que a tarefa de casa não pode ser passada no fim da aula, tem de ter tempo para ser explicada. Para incrementar, há escolas trazendo a tarefa de casa para suas atividades cotidianas, ou seja, para serem feitas na escola, no contraturno ou após a aula. Tem de se discutir a maneira de proporcionar o melhor para a atividade.

3. As atividades extracurriculares podem representar um desestímulo a execução de lições de casa?

Uma atividade extracurricular como dança, judô, inglês, dependendo da abordagem, pode ser mais prazerosa do que a lição de casa. Além disso, é preciso não sobrecarregar a criança com atividades. Alunos dizem: 'Não fiz a tarefa porque não deu tempo'. A escola e a família têm de conversar um pouco mais sobre o tempo da criança.

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