Quantidade de novos mestres e doutores no Brasil está abaixo de média internacional; como reverter?
Estudo de organização ligada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações aponta taxas de emissão de títulos instáveis ao longo dos últimos anos
O Brasil está abaixo da média dos 38 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em relação ao crescimento anual no número de mestres e doutores. Isso pode significar, na prática, menos inovação e crescimento econômico do que seus pares.
De acordo com estudo desenvolvido pelo Centro de Gestão de Estudos Estratégicos (CGEE), organização social supervisionada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, apesar de o País ter tido um avanço relevante nas últimas duas décadas, ele ainda não se recuperou da queda acentuada durante a pandemia de covid-19 e dos cortes às universidades federais à época.
Os dados do CGEE apontam que, em 2019, o Brasil tinha taxa de crescimento anual do número de títulos de mestre concedidos de 4,6%, acima da média dos membros da OCDE (3,7%) e dos Estados Unidos (1,5%). Já em 2021, último ano da série histórica da pesquisa, o resultado foi de -1,3%, quatro pontos abaixo dos EUA e seis abaixo da média do conjunto de países.
De acordo com Vinícius Soares, presidente da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), dois motivos principais têm funcionado como barreira para o aumento de mestres e doutores no Brasil:
- A baixa remuneração, que geralmente é feita exclusivamente via bolsa de pesquisa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), cujos valores ficaram travados por dez anos antes do último reajuste, em 2023, e continuam baixos comparados ao custo de vida no País e à inflação;
- A falta de garantias, já que a atividade de pesquisador não é vista como trabalho, impedindo a arrecadação e os benefícios de quem contribui com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), mas também não tem todos os benefícios de um estudante de graduação.
"A pós-graduação, na prática, não está sendo muito atrativa para quem está saindo da graduação. O pós-graduando não consegue ter uma uma série de direitos, como direitos estudantis, perspectiva de direitos trabalhistas e direitos previdenciários. Tudo isso são instrumentos não apenas de valorização de quem já está na pós-graduação, mas também instrumentos de atrair novos talentos", diz Soares.
Segundo o presidente da ANPG, há uma discrepância muito grande entre os benefícios de seguir direto para o mercado de trabalho após a graduação, e ingressar em um curso de mestrado ou doutorado no País.
Além da falta de direitos, o dinheiro pesa na balança dos pós-graduandos: a bolsa Capes para um mestrando brasileiro é de R$ 2.100, valor que em muitas cidades e para muitas profissões, é inferior a um salário de cargo inicial. "Apesar de a gente ter tido reajuste de 40% das bolsas em 2023, ainda estamos com uma defasagem grande", enfatiza Soares.
Ariely Polidoro, pedagoga e mestranda de Educação na Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Marília, interior de São Paulo, conta que decidiu fazer mestrado porque "tinha muita vontade de fazer pesquisa e estar em sala de aula, mas não foi uma escolha fácil". Ela deixou o trabalho que tinha, em uma empresa da capital paulista, onde recebia um salário cerca de duas vezes maior que o valor da bolsa de mestrado, para se dedicar completamente à pós-graduação.
"Ao pleitear uma bolsa, tive ainda que esperar quase dois meses para começar a receber. Nesse tempo, a vida financeira ficou bem complicada e limitada, mesmo eu me planejando previamente para isso", conta Ariely.
Para doutorandos, a discrepância tende a ser ainda maior: a bolsa é de R$ 3.100 durante os quatro anos de curso e os profissionais geralmente são mais velhos e qualificados, com um custo de vida relativamente maior.
"Considerando que a pessoa fez a graduação, seguida do mestrado e doutorado, ela vai terminar o doutorado em torno dos 28 e 30 anos. E vai passar a contribuir para a providência só a partir de então, se conseguir uma posição em alguma instituição de pesquisa, ou alguma universidade", diz Charles Morphy Santos, presidente do Fórum Nacional de Pró-Reitoras e Pró-Reitores de Pesquisa de Pós-Graduação (FOPROP).
Os reajustes das bolsas não são anuais, nem calculam automaticamente o valor da inflação do período. Questionada sobre o tema, a Capes relembrou o aumento de 40% nas bolsas feito em 2023, dizendo que a medida "representou uma reparação histórica após uma década de defasagem" e "a prioridade conferida pelo governo federal à valorização da ciência, da pesquisa e da formação de recursos humanos de alto nível".
"Quanto a novos reajustes, a Capes tem plena consciência da necessidade de continuar valorizando seus bolsistas, mas quaisquer atualizações futuras dependerão de suplementações orçamentárias, a serem aprovadas pelo Congresso Nacional", disse a fundação, vinculada ao Ministério da Educação (MEC).
Priorização de áreas de estudo e regiões brasileiras defasadas
De acordo com o presidente do FOPROP, é urgente que se aprove um reajuste anual para bolsas de mestrado e doutorado, de forma a acompanhar a inflação e diminuir a diferença entre os valores praticados pelo mercado e a academia. "É preciso que o pesquisador seja visto como um profissional, de maneira geral", diz.
Ele afirma ainda que para o Brasil avançar, não somente em número de mestres e doutores, mas na produção científica e na qualificação profissional, é preciso priorizar áreas de conhecimento e regiões do País em que ainda há grande potencial de crescimento.
É o caso das regiões Norte e Nordeste e dos programas de engenharias, que ainda têm poucos números de mestres e doutores. "É uma questão muito difícil de equacionar, que é decidir o que priorizar. Mas a gente sabe que se a gente prioriza tudo, não é não há prioridade", afirma Santos. "As políticas de mestrado e doutorado podem ser temáticas, por áreas de pesquisa e também por regiões", diz.
Questionada sobre este tema, em específico, a Capes admitiu, em nota, que "o diagnóstico atual aponta a necessidade de uma nova etapa, orientada pela indução planejada de programas em áreas estratégicas para os estados e para o país".
A fundação afirmou que tem trabalhado para descentralizar os programas de pós-graduação e tem feito visitas presenciais em universidades de todo o País, mantendo "diálogo direto com universidades, institutos de pesquisa, indústrias, fundações de apoio e a sociedade civil organizada".
"A partir dessas escutas qualificadas, a fundação tem identificado temas estratégicos para o lançamento de editais voltados à criação de novos cursos, alinhados às necessidades locais e nacionais", diz a Capes.
"Desde 2020, a concessão de bolsas de mestrado e doutorado passou a considerar critérios como o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), o que tem permitido direcionar mais bolsas a programas situados em regiões historicamente menos contempladas."