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Não podemos cair na ilusão de que a solução é só vigiar e punir os adolescentes, diz especialista

Patrícia Mota Guedes, do Itaú Social, fala da importância de pensar a escola e o papel das famílias nessa faixa etária para que eles sejam ouvidos e consigam ver sentido no que aprendem

23 jun 2025 - 20h19
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O amor eterno pela professora dos anos iniciais do ensino fundamental se transforma em desconexão ou rejeição à escola na adolescência. Em meio à atração das redes sociais, ao grande acesso a informações e às mudanças inerentes a esse período do desenvolvimento, atrair o interesse dos jovens para a escola é um dos grandes desafios da educação atual. "Não podemos cair na ilusão de que a solução é simplesmente vigiar e punir, acreditando que mais regras vão resolver os problemas", diz a superintendente do Itaú Social, Patrícia Mota Guedes.

A entidade tem trabalhado com projetos focados no ensino fundamental 2 (6º ao 9ºano), onde estão os estudantes de 11 a 14 anos, mas que por muito tempo foi esquecido pelas políticas educacionais.

Patrícia diz que as famílias e os adultos da escola precisam compreender as mudanças biológicas, psicológicas e sociais nesta etapa da vida, rejeitando rótulos como "aborrecentes" ou "preguiçosos". "É importante lembrar que, mesmo na adolescência, a opinião e o envolvimento dos pais ainda têm muito valor. Eles escutam, mesmo que nem sempre demonstrem", afirma. "Temos que valorizar as múltiplas aprendizagens que acontecem além das notas, além das provas, além do Enem. O sofrimento pode ser estar presente, silencioso, escondido atrás de um bom desempenho acadêmico."

A especialista destaca ainda a importância da convivência na escola, com muita escuta dos jovens, mas também de novos formatos de aulas, mais atividade física e uso de tecnologia. "Engajamento e pertencimento caminham juntos, e a tecnologia, usada com intencionalidade, pode ser uma grande aliada nesse processo. É preciso tirar os adolescentes do papel de meros consumidores de conteúdo pouco críticos e colocá-los também no papel de produtores", diz. "Eles precisam ver sentido no que aprendem."

Como fazer com que o adolescente se interesse pela escola?

A preocupação precisa girar em torno de como as escolas conseguem desenvolver vínculos e criar uma cultura de confiança com os estudantes, ter qualidade nas convivências. Mas isso não acontece do dia para a noite. É algo que precisa ser cultivado diariamente, com rotinas que permitam que os adultos possam conversar com os adolescentes, escutá-los e realmente compreender o que está acontecendo nas interações com eles. Isso envolve criar espaços genuínos de escuta e acolhimento, e não apenas reagir quando há uma situação extrema, de bullying, por exemplo. Esse tipo de situação é bastante conhecida por quem estuda clima escolar, isso fica encoberto, não é verbalizado facilmente e é preciso tempo, confiança e estratégias adequadas para que venha à tona.

Novos formatos de aulas, mais atividade física e uso de tecnologia são fundamentais para aumentar interesse dos alunos.
Novos formatos de aulas, mais atividade física e uso de tecnologia são fundamentais para aumentar interesse dos alunos.
Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO / Estadão

Quais as soluções que têm dado certo na prática?

Há um desafio importante: a formação dos professores especialistas (que atuam no fundamental 2) costuma ser muito diferente da dos pedagogos (do fundamental 1), o que faz com que muitos conheçam pouco sobre essa fase inicial da adolescência. Os estudantes de 12, 13 anos ainda transitam entre a infância e a adolescência. Ter professores no 6º ano que possam atuar como figuras de referência, que compreendam as demandas emocionais e cognitivas desse momento, faz toda a diferença. Investir em mentoria com adolescentes mais velhos também. Para quem está no 6º ano, um colega do 7º ou 8º ano já representa alguém que "cruzou a fronteira", que pode ser uma referência. Esses apoios vão desde questões práticas, como onde fica a biblioteca, como organizar os estudos, até aspectos de convivência e regulação social. É fundamental observar se os estudantes que chegam são bem recebidos pelos mais velhos ou se esse é justamente o momento em que o bullying se intensifica. Muitas vezes, essas práticas negativas acabam sendo naturalizadas, incorporadas à cultura adolescente, e passam despercebidas pelos adultos da escola.

E na sala de aula?

As salas de aula precisam estar organizadas para favorecer o trabalho em grupo, em duplas ou em outros tipos de agrupamentos colaborativos. Muitas vezes, a tecnologia entra na escola apenas para digitalizar práticas tradicionais, como se fosse apenas trocar o quadro pelo projetor, sem alterar a lógica da aula. Pensar em metodologias mais significativas, como projetos interdisciplinares que envolvam mais de um professor, pode transformar essa experiência. Quando esses projetos estão conectados a questões contemporâneas, que realmente fazem sentido para os adolescentes, o engajamento aumenta. Há a oportunidade de incorporar a cultura digital e o letramento digital com criticidade. Eles precisam aprender a ler criticamente o mundo digital e também a produzir conteúdo. É fundamental que a escola traga o mundo digital para dentro da sala de aula com propósito, com escuta e com mediação.

Mas estamos em um momento em que os adolescentes podem entender que os adultos demonizam a tecnologia, com proibição de celulares, medo das interações nas redes sociais…

A tecnologia continua sendo uma ferramenta extremamente interessante e útil quando pensamos em experiências de aprendizagem, especialmente no que diz respeito ao engajamento dos adolescentes. Mas é essencial tirar os adolescentes do papel de meros consumidores de conteúdo pouco críticos e colocá-los também no papel de produtores. Essa mudança é fundamental para desenvolver um uso mais ativo, criativo e consciente da tecnologia. Tudo isso faz muito sentido para os adolescentes e tem gerado altos níveis de engajamento. Engajamento e pertencimento caminham juntos, e a tecnologia, usada com intencionalidade, pode ser uma grande aliada nesse processo.

E como deve ser o trabalho da escola com a família?

É recorrente no sistema educacional a tendência de culpabilizar as famílias. Quando as reuniões de pais são menos frequentadas, muitas vezes isso está ligado a situações de vulnerabilidade, com pais já sobrecarregados, como no caso de mães solo. E aí as famílias são vistas como desestruturadas. Mas mesmo com pais que se esforçam, os adolescentes muitas vezes não se sentem à vontade para compartilhar tudo com eles. Isso faz parte do desenvolvimento saudável dessa fase da vida. Por mais dedicados que sejam, os pais não conseguem sozinhos lidar com todas as questões que surgem. Assim, é essencial pensar em uma rede de apoio mais ampla, que inclua outras referências, não apenas adultos, mas também adolescentes e jovens mais velhos que possam ajudar a criar canais de comunicação. Não podemos cair na ilusão de que a solução é simplesmente vigiar e punir, acreditando que mais regras vão resolver os problemas. Na verdade, quanto mais regras impomos, mais os jovens aprendem a driblá-las.

Os adultos estão distantes do universo do adolescente, muitas vezes entendendo como uma fase problemática, chamada de 'aborrecência'

Hoje já temos muitas evidências, tanto na psicologia da educação quanto na neurociência, sobre as mudanças que ocorrem nos estudantes no início da adolescência. Quando eles saem do 5º ano e chegam ao fundamental 2 com 11 ou 12 anos, passam por transformações biológicas, psicológicas e sociais significativas. Os adultos, não só na escola, mas também nas famílias e na sociedade, ainda compreendem pouco isso. Muitas vezes, caem rapidamente em estereótipos que tratam a adolescência como uma fase problemática. Termos como "aborrecência" e adjetivos como "preguiçosos", "rebeldes" ainda são usados com frequência, quando, na verdade, essa etapa da vida é uma janela riquíssima de oportunidades. É a última fase do desenvolvimento humano em que o cérebro apresenta um grau elevado de plasticidade, também um período de intensas mudanças cognitivas, especialmente nas funções executivas, como a tomada de decisões, o planejamento e o raciocínio. O adolescente precisa ver sentido no que aprende, precisa se sentir conectado, precisa interagir com os colegas como parte da aprendizagem. Precisa colocar a mão na massa, vivenciar experiências práticas, mas também precisa ter canais seguros para dialogar com adultos.

Mas os professores também precisam de formação para isso.

De modo geral, a formação inicial nas licenciaturas ainda aborda muito pouco essa fase específica do desenvolvimento humano. E muitos docentes ainda recorrem à aula tradicional porque têm receio de trabalhar com grupos pequenos, com dinâmicas mais abertas, por medo do caos, do que pode fugir ao controle. Mas existe um "caos bom" na sala de aula: aquele que surge quando os alunos estão engajados, colaborando em grupos, em duplas, trocando ideias. Esse tipo de ambiente requer, sim, a supervisão do professor, mas também exige que ele se sinta preparado e apoiado para conduzir esse processo. E também é preciso saber comunicar isso às famílias, a valorizar essas múltiplas aprendizagens que acontecem além das notas, além das provas, além do Enem.

Hoje também os professores precisam ter uma leitura crítica sobre o território digital e isso não significa tratar a internet ou as redes sociais como vilãs e, sim, entender os riscos, como a disseminação de discursos de ódio e desinformação, mas também o potencial de aprendizagem, conexão e expressão. Embora já existam muitos cursos online, vídeos, materiais, eles acabam atraindo quem já está mais familiarizado ou tem menos medo das tecnologias. Por isso, faz muita diferença quando a iniciativa parte da gestão: das secretarias de educação e da direção escolar.

Muitas vezes as famílias dão valor apenas ao conteúdo, ao resultado, às provas, e a escola não consegue inovar nesse sentido.

A escola precisa ajudar as famílias a compreender o que está acontecendo com seus filhos adolescentes, a entender melhor essa fase da vida que, por si só, já traz tantas transformações. Os pais também sabem pouco sobre o desenvolvimento na adolescência. E mais do que conhecimento, é preciso haver acolhimento, inclusive para lidar com algo que pode ser difícil: aceitar que a relação que tinham com seus filhos quando eram pequenos vai mudar. Na adolescência, é natural que os jovens não contem tudo para os pais e, mesmo que digam que estão contando tudo, é importante entender que existem conversas e experiências que eles vão compartilhar prioritariamente com os amigos. E isso não é necessariamente um problema. A grande questão é: existem outros adultos, e até jovens adultos, dentro da escola que podem exercer esse papel de referência, de apoio, de escuta? É preciso que a escola diga: sim, haverá momentos em que os adolescentes vão buscar primeiro outro adolescente, e tudo bem, como vamos nos organizar para que essa rede de apoio funcione de forma saudável?

Impor mais regras também não é a solução nessa fase?

Claro, as regras são importantes, elas fazem parte do processo de aprendizagem dos adolescentes. Regras bem construídas os ajudam a perceber e respeitar os limites do outro. Isso é fundamental em uma fase de tantas transformações, intensidades emocionais e uma certa dificuldade natural de leitura de contexto e percepção de riscos. Mas quando se exagera na rigidez ou na vigilância, os adolescentes tendem a reagir de duas formas: ou driblam as regras ou adoecem. E essa é uma fase de vulnerabilidade emocional acentuada, em que sintomas como depressão e ansiedade são mais frequentes. É importante lembrar que, mesmo na adolescência, a opinião e o envolvimento dos pais ainda têm muito valor. Eles escutam, mesmo que nem sempre demonstrem. Por isso, criar e fortalecer esses espaços de diálogo, tanto entre escola quanto dentro das famílias, é essencial para promover um desenvolvimento mais saudável, consciente e conectado com o mundo em que vivemos. É comum que, nessa fase, muitos adultos sintam que perderam espaço na vida dos filhos, mas há uma reconfiguração dessa relação. A presença continua sendo importante, só muda de forma. Esse vínculo pode se fortalecer por meio de pequenas ações cotidianas: fazer algo juntos que o adolescente gosta, conversar sobre interesses reais, e não apenas sobre notas ou obrigações.

Qual a importância de outras atividades, como a educação física, nessa escola pensada para os adolescentes?

A ciência já mostra que o movimento melhora a atenção, o foco e o desempenho acadêmico. Mesmo assim, a educação física ainda é tratada como algo periférico, confinada a uma caixinha isolada na grade curricular, no final do turno, como se fosse um momento de descanso ou uma atividade menos relevante. O exercício físico pode ajudar os adolescentes a se concentrarem melhor. Quando o movimento é distribuído ao longo do dia, o resultado é um estudante mais atento, mais engajado. Isso também vale para momentos curtos de descompressão. Mesmo ações simples, como sair de uma sala para outra, promovem esse tipo de alívio. É verdade que salas ambientes podem causar certo tumulto logístico, mas, ao mesmo tempo, oferecem aos adolescentes a possibilidade de movimentar-se entre um conteúdo e outro. É necessário olhar também para o espaço físico. Onde os adolescentes se encontram? Existem cantinhos de conversa, de respiro? Pensamos muito nos territórios digitais, mas talvez seja hora de dar a mesma atenção ao território físico, onde eles passam tantas horas do dia.

Estadão
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