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Falta de livros em casa prejudica estudantes brasileiros

3 mai 2011 - 08h47
(atualizado às 11h54)
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A carioca Ana Luiza, 12 anos, chegou em casa cansada depois de um dia atarefado na escola. Largou a mochila no quarto e falou para a mãe, Christiana Ferreira, 40 anos: "Estou estressada. Vou ler um livro para relaxar". E se dirigiu para a estante para escolher um dos de cerca de 300 livros da família.

A cena na casa da família carioca, porém, não é regra nos lares brasileiros. É o que mostra um levantamento do Movimento Todos Pela Educação, com base no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa). A pesquisa, de 2010, analisou 65 países e constatou que 39% dos estudantes brasileiros declararam possuir, no máximo, dez obras literárias.

Além disso, no ranking de alunos que afirmam ter mais de 200 livros em casa, o Brasil ocupa a 64º posição. A realidade se torna ainda mais preocupante com outro dado revelado pelo estudo. De acordo com o levantamento, o estudante que tem até 10 livros em casa tem notas 15% menores em português e ciências do que aquele que tem entre 100 e 200 obras na estante da sala. Em matemática, o diferencial sobe para 17%.

Dados da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, do Instituto Pró-Livro, comprovam que quem mais influencia o leitor é mãe (49% deram essa resposta), seguida de professores, com 33%, e do pai, com 30%. Talvez seja essa a explicação da paixão literária da pequena Ana Luiza e também de sua irmã Sofia, 5 anos. A mãe Christiana conta que frases como a de Ana Luiza, que procurou no livro um refúgio para o seu "estresse", são comuns em sua casa. "As duas trocam a televisão por uma boa leitura facilmente. Sofia, por exemplo, não consegue dormir sem uma boa historinha", diz.

A casa de Christiana é uma das poucas no Brasil que possui mais de 200 obras literárias. Segundo ela, o costume é passado de geração para geração. "Eu sempre tive o hábito da leitura e cresci vendo os meus pais lerem muito. Meu pai sempre lê no mínimo dois livros em paralelo, um em português e outro em inglês. Minha mãe lia constantemente uma publicação atrás da outra. Vendo isso, acabei pegando o mesmo hábito e passando isso para minhas filhas", fala.

Para ela, incentivar as crianças deve ser algo natural e divertido. "É preciso fazer da leitura uma atividade interessante, explorar o livro, brincar com a história. Aqui, nós fazemos personagens de material reciclado, a nossa versão da história, a nossa ilustração, entre outras coisas. A leitura não começa apenas quando abrimos o livro, e nem simplesmente acaba quando o fechamos", conclui.

Chiristiana mantém o blog Inventando com a mamãe, no qual sugere títulos e programas interessantes para as mães fazerem com seus filhos.

A pedagoga Luciana Allan acredita que as estatísticas são um reflexo de um retrato cultural do país. "O incentivo à leitura é uma prática que até pouco tempo não era muito valorizada nas escolas. Com a instituição dos exames nacionais, como Enem e Prova Brasil, ficou mais evidente a defasagem na formação das nossas crianças, principalmente na questão da leitura. E isso tem estimulado a implementação de projetos para amenizar este problema", explica Luciana, que também é diretora do Instituto Crescer, que promove a formação de professores para a leitura em sala de aula.

Mas, para a especialista, uma das maiores barreiras para ampliar o acesso aos livros são os altos preços das publicações. "Hoje, um livro de boa qualidade custa em média quase 10% de um salário mínimo. Como incluir isso no orçamento familiar?", questiona.

O autor de títulos infantis como Quinho e o seu cãozinho e Espiando o mundo pela fechadura, Lae de Souza, concorda com a pedagoga. "O aumento no número de leitores poderá reduzir os preços e por sua vez esta redução pode favorecer o crescimento na quantidade de leitores. Para termos uma cultura de leitura é preciso pensar nas formas de facilidade de acesso aos livros", diz.

Inconformado com o lugar-comum de que o brasileiro não gosta de ler, ele decidiu criar o Projetos de Leitura, que hoje tem dez iniciativas voltada para escolas e hospitais e já atingiu cerca de 500 mil pessoas no Brasil: "Os projetos nasceram com a proposta de criar mecanismos de estímulo à leitura e participação ativa do estudante no processo", conta.

Souza comenta que estas iniciativas surgem para suprir a necessidade de alunos que não encontram estímulo onde deveriam obter: em casa. "O ideal é que esse incentivo fosse dos pais, com continuidade na escola. No colégio, entende-se que a leitura é uma necessidade, uma obrigação, portanto é só uma atividade escolar. É preciso que ela seja estimulada como prazer para que acompanhe o estudante por toda a sua vida, e para que ele transmita isso aos seus pais e filhos", afirma.

Sofia, 5 anos, não consegue dormir sem uma boa historinha
Sofia, 5 anos, não consegue dormir sem uma boa historinha
Foto: Arquivo pessoal / Divulgação
Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra
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