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Em dois meses, 265 mil alunos abandonaram a graduação

Pandemia do coronavírus tem criado desafios para estudantes e universidades privadas; evasão é quase 32% maior que em 2019

6 jul 2020 - 18h01
(atualizado às 18h08)
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Sala de aula vazia em faculdade durante pandemia de coronavírus 
13/03/2020
REUTERS/Amanda Perobelli
Sala de aula vazia em faculdade durante pandemia de coronavírus 13/03/2020 REUTERS/Amanda Perobelli
Foto: Reuters

As universidades particulares perderam 265 mil estudantes - que abandonaram o curso ou trancaram a matrícula - nos meses de abril e maio, de acordo com levantamento do Semesp. A evasão deste ano foi 32% maior, se comparada com o mesmo período do ano passado, quando foram registradas 201 mil desistências. Segundo a entidade, que representa faculdades privadas no Brasil, o cenário traz outro motivo de alerta: no mínimo 11,3% dos estudantes devem terminar o ano inadimplentes, com ao menos uma mensalidade atrasada.

Só em maio, a evasão aumentou 14,3%, puxada pelos cursos presenciais. O motivo por trás desse porcentual é o mesmo que vai fazer Valéria Félix desistir, por ora, da graduação de psicologia: a queda da renda causada pelo coronavírus. As universidades privadas detêm 75,4% (6,3 milhões) do total de matrículas de graduação, de acordo com dados do Censo da Educação Superior de 2018, o mais recente.

Já uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES) apontou em junho que 82% dos estudantes dizem que a perda de renda foi o principal motivo para interromper os estudos. Realizado entre 28 e 31 de maio, o levantamento ainda concluiu que 42% dos alunos estão sob o risco de desistir dos estudos - 5% a mais do que o total declarado em março, no início da pandemia.

O Semesp prevê que julho será ainda mais complicado, comprometendo a captação das instituições, já atingidas por queda de 70% nas buscas por cursos superiores, em comparação com o mesmo período em 2019. "Nosso grande termômetro é o interesse nas buscas do Google. E isso deve se aplicar para cursos presenciais e para o EAD, público que foi mais atingido pela pandemia", explica Rodrigo Capelato, diretor-executivo do Semesp.

Ele diz que a MP 936, que permite a redução de salários e jornada durante a crise, acabou prejudicando os alunos - principalmente os que cursam o ensino de maneira remota. Esses fatores, alinhados aos dados de busca, mais queda na previsão do PIB e recorde de desempregados no País constroem um cenário "preocupante" para as universidade privadas.

A mineira Valéria Félix, de 22 anos, mal havia começado o primeiro semestre de psicologia em São Paulo quando a pandemia chegou. Foram apenas duas semanas de aulas presenciais antes de voltar à casa dos pais, em Frei Lagonegro. A irmã dela, Ângela, que pagava por seus estudos, perdeu o emprego. E, assim, fica difícil arcar com a mensalidade de R$ 360, valor já reduzido graças ao desconto do Programa de Inclusão Universitária (Priuni), parceria da Uninove com ONGs da região metropolitana de São Paulo.

No início, a necessidade de trancar o curso deixou Valéria deprimida. Agora, ela diz que está aceitando melhor. "Não é só comigo que isso acontece. Quando der, quero voltar."

Ambiente x preço

A migração das aulas físicas para as virtuais sem desconto das mensalidades dos alunos tem impulsionado movimentos estudantis pela redução dos valores, já que, segundo eles, as instituições de ensino viram suas contas de água, luz e manutenção caírem.

Rogério Sampaio Gomes, 44 anos, é aluno de Direito no Centro Universitário Módulo, do Grupo Cruzeiro do Sul, e representa seus colegas na negociação pela redução de 30% das mensalidades a partir de março e até quando as aulas forem virtuais. Ele alega também que a universidade utiliza equipamentos dos quais já dispunha antes da pandemia e que as aulas foram gravadas, diminuindo o padrão - o que, para ele, configura quebra de contrato.

Para Sólon Caldas, secretário executivo da ABMES, no entanto, esse não é o cenário de todas as universidades. Ele explica que muitas instituições pouparam dinheiro nas contas mensais, mas por outro lado investiram além do esperado em tecnologias e treinamentos que tornassem as aulas remotas possíveis. "O custo aumentou", diz.

A Uninove, a Cruzeiro do Sul e a Laureate, grupo detentor da FMU e da Anhembi Morumbi, deram explicação parecida. Em nota, a Uninove disse que providenciou celulares de última geração para os professores e que chips de dados com 5 GB foram distribuídos aos alunos. No próximo semestre, a capacidade será ampliada para 20GB, gratuitamente.

A Cruzeiro do Sul disse que as aulas presenciais foram substituídas por aulas "ao vivo", ministradas pelo professor no mesmo dia e horário da aula presencial, mas com o uso da tecnologia. E a Laureate informou que instalou um programa para que alunos tivessem aulas remotas e treinou todos os docentes.

Na letra da lei, não há nada que obrigue as instituições de ensino a concederem descontos em razão da pandemia do novo coronavírus, mas as universidades também não podem deixar de negociar com os estudantes que fizerem alguma solicitação desse tipo. A explicação é dos advogados Maximilian Fierro Paschoal e Sasha Roeffero, do escritório Pinheiro Neto. Perguntadas sobre estratégias para evitar a evasão de alunos, as universidades procuradas disseram avaliar, caso a caso, a situação do aluno que alega dificuldades.

Estadão
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