Dentista de 68 anos deixa consultório para vender livros nas ruas: 'São meu patrimônio'
Cavalheiro Verardo une a venda presencial de livros nas ruas com o poder das redes sociais, onde conquistou mais de 140 mil seguidores
Cavalheiro Verardo Neto, dentista aposentado e escritor com cerca de 50 obras independentes, conquistou notoriedade unindo vendas presenciais e digitais, impulsionado pelo apoio de seguidores e sua dedicação à literatura.
Aos 68 anos, Cavalheiro Verardo Neto é uma figura conhecida nas ruas de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo. Com uma cesta cheia de livros, o escritor e dentista aposentado percorre a cidade vendendo ao público suas obras, que incluem poesia, romances, suspense, crônicas e literatura infantil.
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Natural de São Vicente de Minas, em Minas Gerais, Verardo publicou seu primeiro livro, Um Mar Sem Margens, em 1978, durante a faculdade de Odontologia. Hoje, com cerca de 50 obras independentes, ele une a venda presencial ao poder da internet para manter vivo seu sonho de espalhar literatura.
Da Odontologia à Literatura
Aposentado aos 53 anos, Verardo deixou o consultório odontológico para dedicar-se integralmente à escrita, paixão que cultivava desde os 16 anos, quando ganhou do pai uma máquina de datilografia.
“Eu comecei a escrever com 16 anos. Na faculdade, declamava poemas para amigos sem dizer que eram meus. Depois não teve jeito: assumi”, relembra em entrevista ao Terra.
A transição para a literatura não foi fácil. Sem recursos para bancar editoras, criou o próprio método: percorria comércios locais oferecendo espaço na contracapa de seus livros em troca de apoio financeiro.
“Cada marca me dava R$ 10. Juntava R$ 20 e imprimia 40 ou 50 livros. Volta e meia, o dono da loja ainda comprava um exemplar. Fiz isso por 12 anos, nem sei contar em quantas lojas entrei”, diz ele. Os nomes das empresas eram impressos na contracapa como forma de patrocínio, permitindo que publicasse de forma totalmente independente.
O método era baseado em confiança: só recebia o valor combinado ao entregar os livros prontos. “Tinha mês que trabalhava com quatro contracapas diferentes”, destaca, referindo-se às múltiplas campanhas de financiamento que gerenciava simultaneamente.
A virada na carreira veio com a internet. Durante a pandemia, uma foto carregando um banner com o anúncio de seus livros viralizou no X (antigo Twitter), e seu Instagram saltou de 700 para 27 mil seguidores em poucos dias. “Se não fosse a internet, eu já teria parado. Andava 30 km por dia, cansava muito. Chegou um momento em que não aguentava mais. Agora, vendo para todo o Brasil e até para o exterior: Alemanha, Holanda, Portugal”, enumera.
Seguidores frequentemente mandam valores acima do combinado para ajudá-lo. “Tem pessoa que paga o frete por conta ou manda um dinheiro a mais. É uma troca de carinho”.
Um marco recente foi a viralização de uma foto tirada por um seguidor no Instagram em setembro de 2024, que alcançou 15 milhões de visualizações e quase 900 mil curtidas. A imagem o mostrava ao trabalhar vendendo suas obras na rua. Seu perfil, que tinha 27 mil seguidores, saltou para 147 mil em poucos dias.
Verardo adaptou sua rotina, reduzindo as longas caminhadas para cerca de 1h30 diária em pontos estratégicos, como padarias movimentadas. A produção literária, no entanto, ainda mantém-se independente e flexível. Com cerca de 50 livros publicados, imprime pequenas quantidades conforme a demanda em uma gráfica próxima de sua casa.
“Se eu pedir 10 livros, eles rodam 10. Se eu pedir 5, rodam 5”, explica. Essa logística personalizada evita desperdícios e garante que cada obra seja autografada e enviada com cuidado. O valor de venda é acessível: R$ 20 por livro na internet, com frete único para todo o Brasil incluído; R$ 15 nas vendas presenciais; e R$ 35 para dois títulos mais extensos.
O processo de envio é totalmente realizado por ele. “Eu pego o livro, autografo, envelopo, levo aos Correios e passo o número de registro para o comprador.”
Vendas e carinho dos leitores
Quase todos os dias, ele sai de casa para oferecer os livros pessoalmente. A internet, no entanto, é uma aliada importante nas vendas, onde seus conteúdos alcançam milhares de visualizações.
O reconhecimento vai além do valor monetário. Certa vez, um cliente comprou dois livros por R$ 30, mas enviou R$ 200 via Pix como forma de agradecimento e incentivo. “Isso é reconhecimento pelo trabalho”, comenta.
O processo de venda e entrega é marcado por uma relação de confiança e afeto com os leitores. Quando um livro chega ao destino, é comum que os compradores enviem fotos segurando a obra, muitas vezes com dedicatórias ou mensagens de agradecimento. Verardo compartilha esses registros em suas redes sociais, criando um ciclo de credibilidade e aproximação. “Isso vai dando credibilidade, e as pessoas passam a ver e a pedir cada vez mais”, explica.
A dedicação às redes sociais surgiu da necessidade de adaptação. Sem conhecimentos prévios, ele aprendeu sozinho a produzir vídeos, gerenciar postagens e interagir com o público. “Eu não sabia muita coisa. Quando abri o Instagram, não sabia nem fazer vídeo. Fui aprendendo devagarinho”, relembra.
Esse esforço foi recompensado com a solidariedade de seus seguidores: uma fã, por exemplo, presenteou-o com um site profissional sem cobrar nada, enquanto outros se mobilizaram para ajudá-lo com um notebook e um celular novo. “Eles me amam porque veem a sinceridade da minha parte”, reflete, emocionado com o apoio que recebe.
Legado e o futuro
Para Verardo, mais importante que o lucro é o impacto cultural e afetivo de seu trabalho. “As pessoas gostam, e isso é que importa”, afirma.
Histórias como a de um avô que presenteou o neto em São Paulo com um de seus livros infantis e depois o encontrou no supermercado para agradecer pelo conteúdo são comuns em seu cotidiano. De acordo com ele, são essas conexões, somadas ao apoio de milhares de seguidores, que fortalecem sua missão de levar literatura e inspiração para cada vez mais pessoas.
"O que me incentiva é, primeiro, o amor pelos meus livros. Eles são meu patrimônio. Amo cada poesia, cada história que criei. Em segundo lugar, saber que incentivo a leitura. Já recebi centenas de mensagens de pessoas que voltaram a ler ou descobriram o prazer da leitura através do meu trabalho. Muitas me dizem que sou exemplo e inspiração. Isso me faz acreditar que estou fazendo algo pelo Brasil, pela cultura. Esse é meu maior triunfo", diz o escritor.
O perfil do autor nas redes sociais é marcado por mensagens de admiração. Fãs de todo o Brasil comentam diariamente em suas publicações, expressando apoio e incentivo ao seu trabalho.
“Mesmo vendendo os livros por R$ 20, eu tenho um lucrinho. É pequeno, mas não reclamo. Faço meu trabalho consciente de que minha força vem primeiro de Deus e, segundo, dos meus seguidores na internet. Eles é que me empurram para a frente. Todo dia recebo comentários positivos, e isso me incentiva muito", finaliza.