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Engenheiro conta como se tornou inventor na Suécia; saiba desafios da carreira no Brasil

O cearense Ícaro Leonardo da Silva tomou contato com a profissão no mestrado; empresas contratam inventores para criar soluções tecnológicas para problemas específicos

20 mai 2024 - 19h19
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O engenheiro cearense Ícaro Leonardo da Silva, de 40 anos, se interessou pela área da pesquisa quando estava na universidade. Durante o seu mestrado, teve que desenvolver soluções para problemas ligados à indústria, saindo um pouco do escopo acadêmico a que estava acostumado. Esse tipo de trabalho o encantou, e o levou para a multinacional de tecnologia Ericsson, onde se tornou inventor. Hoje, ele é diretor de patentes na Suécia.

Ícaro Silva, diretor de patentes da multinacional Ericsson
Ícaro Silva, diretor de patentes da multinacional Ericsson
Foto: Divulgação / Estadão

Segundo Ícaro, uma invenção é uma solução tecnológica nova para um problema específico, que pode ser um método, mecanismo ou objeto. Para ser considerada uma invenção, precisa ser algo novo e ter atividade inventiva, ou seja, deve fugir do óbvio e não ser algo que qualquer pessoa poderia ter feito.

"O inventor é a pessoa que participa do processo criativo para chegar nessa invenção", diz. Ele destaca que a imagem popular do inventor como um gênio solitário foge da realidade. "Na maior parte das vezes, é um processo colaborativo, com discussões em grupo, muitas vezes descontraídas", revela.

Pessoas de qualquer área podem ser inventoras, mas é um caminho mais natural para quem atua com pesquisa e desenvolvimento. "Ninguém sai da universidade como inventor. Geralmente, são pós-graduados, mestres, doutores e professores que se tornam inventores ao buscar soluções práticas para a indústria", explica.

No caso de Silva, sua transição para inventor começou quando, em 2008, o laboratório onde atuava na Universidade Federal do Ceará (UFC) contou com uma parceria da Ericsson. No ano seguinte, ele foi convidado para fazer uma apresentação na sede da empresa na Suécia. "Foi quando tive contato com inventores e entendi um pouco mais como funcionava a pesquisa industrial", relembra.

No ano seguinte, ele se inscreveu na seleção de uma vaga e foi contratado no setor de pesquisas de telecomunicação. Entre 2014 e 2015, ele passou a trabalhar com invenções, fazendo pesquisas sobre o 5G .

"O 5G é um grande sistema complexo. Foi onde eu comecei como inventor, é onde continuo", diz.

Com um grupo de inventores, ele desenvolveu, de maneira simplificada, uma solução para padronizar a "linguagem" da comunicação entre os smartphones e a "estação base", que seriam as torres de telecomunicações que vemos pelas cidades. Assim, eles conseguem se comunicar entre eles, ainda que sejam de diferentes fabricantes.

Também desenvolveu invenções para que a conexão do sistema permaneça o mais estável possível ao passar de uma torre para outra. "As frequências do 5G são mais altas, e isso gera novos desafios porque a conexão fica mais instável. Isso precisa ser resolvido para que a conexão não caia", esclarece.

"Trabalhei com uma equipe. Submetemos nossas ideias, há uma negociação e chegamos a um consenso", conta, sobre o método de trabalho. Essas invenções passaram a fazer parte da padronização do sistema global do 5G e foram patenteadas. Dessa forma, ao usar a tecnologia que foi desenvolvida, as companhias devem adquirir o seu licenciamento, o que significa recompensar financeiramente a empresa inventora pelo investimento em pesquisa e desenvolvimento, por meio de royalties.

Principais desafios no Brasil

Um dos maiores desafios enfrentados por Silva foi a migração da pesquisa acadêmica para a indústria. "Na academia, a pesquisa é mais científica. Na indústria, os problemas são mais práticos e têm impacto comercial para a empresa onde você trabalha", observa. Ele destaca a importância de parcerias entre universidades e empresas para diminuir essa distância e preparar melhor os pesquisadores para a indústria.

Além disso, ele vê problemas na burocracia envolvida no registro de patentes. Depois de a discussão do problema ser feita pelos inventores, a invenção é registrada em um documento. Esse documento tem que ser aprovado pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi), do governo federal, o que pode ser demorado pelo nível de complexidade técnica exigida para a análise das invenções.

"Enquanto a patente demora para ser avaliada, você não é detentor daquela patente e pode ser que alguém venha a comercializar sua invenção nesse tempo", alerta Silva. "A ciência e a tecnologia caminham em um ritmo que talvez o setor do Inpi não consiga acompanhar", complementa. No entanto, ele tem visto novas iniciativas que buscam reduzir esse intervalo.

Outro desafio é a aplicabilidade da lei. Uma das premissas de quem é detentor da patente é de ter exclusividade do uso daquela tecnologia. No caso do 5G, os inventores da Ericsson licenciam as patentes essenciais. "Temos a intenção de compartilhar a tecnologia, desde que haja compensação financeira, mas isso só funciona quando há aplicabilidade da lei", diz Silva.

"Se o fabricante não tem interesse em pagar licença e está comercializando algo que está infringindo minha patente, eu preciso ter mecanismos que garantam que ele pague ou retire a minha patente. Isso é preciso para ser um sistema saudável", indica o engenheiro.

Oportunidades fora da academia

Para Ícaro Silva, as invenções são uma possibilidade para os pesquisadores que, muitas vezes, acreditam que só há caminhos acadêmicos quando se fala em pesquisa. "É uma oportunidade para receber mestres e doutores que veem na academia o único caminho para continuar trabalhando com pesquisa mais avançada."

No entanto, na sua visão, o Brasil ainda não tem uma disseminação abrangente do tema nas discussões públicas. "Na Suécia, se entende mais porque se fala mais sobre o assunto não só nas universidades, como na mídia e nos fóruns menos especializados. No Brasil, se você falar sobre invenção, a pessoa vai lembrar talvez de Santos Dumont, se fala muito pouco", avalia.

Isso se reflete em uma quantidade pequena de empresas no País que entendem o valor de investir em pesquisa e desenvolvimento, e de proteger esses investimentos, acredita Silva. "Talvez por isso não haja tantas vagas para inventores no Brasil quanto nos Estados Unidos e em países da Europa. Há poucos centros de desenvolvimento no País", reflete.

Apesar da escassez de vagas, ele vê uma grande vantagem em inventores brasileiros: a capacidade de socializar e de ser criativo. "O brasileiro não tem medo de fazer perguntas, é mais destemido, socializa bem no contexto técnico, compreende diferentes ideias colocadas por diferentes pessoas. Isso é muito interessante porque as melhores invenções têm componente social, pois a maior parte é feita em grupo", analisa.

Para quem deseja se tornar inventor, ele recomenda começar se associando a laboratórios de pesquisa em universidades, especialmente àqueles que têm parcerias com a indústria. "Indico tentar entender que tipo de parceria existe, qual é o contato com essa empresa, quais são problemas para os quais elas buscam soluções", fala.

"Quem trabalha com 6G, por exemplo, certamente vai ser colocado à frente de problemas reais, então existe o potencial de gerar invenções a partir daí, acabar se sentindo como inventor, e migrar da academia para a indústria, tornando-se um", exemplifica.

É importante ressaltar que nas invenções, existe um componente comercial. Qualquer pessoa pode ter uma invenção e proteger essa invenção, mas para patenteá-la existe um custo e nem sempre vale a pena protegê-la.

"Hoje há programas de mentoria do governo para trazer suporte para empresas e inventores que querem avaliar se compensa a proteção. Nem tudo que se cria é algo que necessariamente precisa ser patenteado", destaca Silva.

Em 2019, Ícaro recebeu o prêmio Inventor do Ano, concedido pela multinacional Ericsson, por suas contribuições ao 5G.

Ícaro Silva, diretor de patentes da multinacional Ericsson
Ícaro Silva, diretor de patentes da multinacional Ericsson
Foto: Divulgação / Estadão
Estadão
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